O escocês Bill Shankly, saudoso treinador escocês do Liverpool, foi muito feliz em dizer que “o futebol não é uma questão de vida ou morte. É muito mais que isso”.
O esporte mais popular do mundo desperta uma paixão impressionante e tem um poder de influência que beira o inexplicável. Além de transformar vidas e proporcionar inclusão, a história também nos presenteia com diversas ocasiões em que o futebol foi utilizado como uma poderosa ferramenta para melhorar a sociedade. Combate ao racismo, resistência contra governos opressores, lutas pela democracia, promoção cultural e já foi até responsável por parar uma guerra, com o Santos de Pelé em 1969 na Nigéria.
No Brasil, o futebol tem um valor gigantesco. Diversos estudos acadêmicos apresentam a relevância da modalidade na formação da identidade cultural brasileira, que chegou a ganhar a alcunha de “o país do futebol”. Afinal de contas, é difícil encontrar, no país, um indivíduo que não seja impactado de alguma maneira pelo futebol. Uma pesquisa realizada pelo Jornal O Globo e pelo Ipec, em julho de 2022, apontou que, de cada cinco pessoas, apenas uma diz não torcer ou ter simpatia por nenhum time de futebol.
Diante de tamanha importância social e cultural, os clubes de futebol não poderiam trabalhar bem mais em benefício da sociedade brasileira? A resposta é sim. As agremiações esportivas podem e devem ter objetivos muitos maiores do que vitórias nos jogos e conquistas de campeonatos. No relatório “Fan of the Future”, publicado pela Associação de Clubes Europeus (ECA, na sigla em inglês), em agosto de 2020, 70% dos entrevistados brasileiros concordaram com a frase “Os clubes de futebol têm responsabilidade com a comunidade em geral e em ajudar a tornar o mundo um lugar melhor”.
Parece que os clubes e jogadores brasileiros, seguidos diariamente por milhões de pessoas, ainda não se deram conta do tamanho do impacto das suas atitudes, principalmente nos mais jovens. Essa enorme responsabilidade não pode ser ignorada. Se analisarmos os estatutos dos maiores clubes brasileiros, até encontramos, em alguns casos, o desenvolvimento social, impacto positivo e promoção do bem-estar como objetivos de algumas agremiações. No entanto, ao examinarmos o comportamento dos dirigentes, as atitudes dos jogadores e as atividades do dia a dia dos clubes, percebemos que essas finalidades escritas em velhos estatutos estão descoladas da realidade e não são de fato parte do DNA do clube.
Se perguntado, quase nenhum torcedor, dirigente ou jogador saberia dizer qual é o objetivo do seu clube além de ganhar o próximo jogo, levantar a taça no final do campeonato, brigar contra um descenso ou buscar uma promoção. As missões esportivas estão latentes, mas os propósitos sociais não.
Em uma sociedade com tamanhas mazelas como a brasileira, em que o futebol se confunde com a identidade cultural do próprio povo, trabalhar por um país melhor não é mais uma questão de opção, e sim uma demonstração de valores e caráter da instituição, dos seus dirigentes e jogadores. Todos que estão inseridos no universo futebolístico deveriam ter plena consciência dos impactos do seu comportamento, das falas e atitudes.
O futebol é muito importante para o Brasil para se resumir simplesmente em um esporte popular. Passou da hora de clubes, federações, jogadores, treinadores e dirigentes darem o exemplo, começarem a devolver para a sociedade um pouco de tudo aquilo que ela já fez pelo esporte e trabalharem por um futuro melhor do país.
Romulo Macedo é sócio-fundador da Fan Experience 360 e escreve mensalmente na Máquina do Esporte