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Quando o futebol feminino vence, não é só o esporte que avança: é a sociedade inteira que marca um gol

Ciclo rumo à Copa do Mundo de 2027 é a janela ideal para marcas, clubes e lideranças se posicionarem com visão e propósito; o futebol feminino não precisa de permissão, mas sim de palco

Seleção brasileira feminina bateu a Colômbia nos pênaltis e conquistou a Copa América pela 9ª vez - Reprodução / Instagram (@copaamerica)

Era proibido. Em meio à ditadura do Estado Novo, o governo brasileiro decretava que o futebol era “incompatível com as condições do corpo feminino”, e essa era a assinatura oficial da invisibilidade. A partir dali, qualquer partida era clandestina, e qualquer gol, subversivo.

Entre 1941 e 1979, mulheres eram legalmente impedidas de jogar futebol no Brasil, mas nos campos de terra, nas quadras improvisadas ou nas peladas escondidas, meninas chutavam bolas como se estivessem chutando o próprio preconceito. E estavam.

Se a lei dizia “não pode”, a coragem disse “vamos jogar assim mesmo”. Uma dessas lembranças remonta à história de Lea Campos, a primeira árbitra da Fifa, presa duas vezes no Brasil por apitar partidas. Sim, presa. Mesmo assim, voltou ao campo de jogo para que hoje pudéssemos celebrar a evolução do futebol feminino que foi construído por mulheres que marcaram gols sem torcida, driblaram com medo e fizeram história com uniforme emprestado.

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Foi só em 1979 que a proibição caiu oficialmente. Mas e o preconceito? Ah, esse seguiu firme na marcação. Somente aos poucos elas foram ocupando o campo de jogo e chamando a atenção da torcida, mostrando que talento não tem gênero — tem treino, tem suor, tem alma.

Passaram-se 84 anos desde que as primeiras barreiras pudessem ser ultrapassadas e a seleção brasileira feminina se sagrasse campeã da Copa América pela nona vez, com um protagonismo que transcende a própria história. Marta Vieira da Silva, 39 anos, que carrega consigo 6 prêmios de Melhor do Mundo da Fifa e mais de 100 gols com a camisa da seleção, fez dois gols na final e verteu lágrimas sinceras na entrevistas pós-jogo, nos ensinando que talento não depende de permissão.

Assim como Marta, também tivemos Sissi, Formiga e Cristiane, e hoje temos Aline Gomes, Debinha, Dudinha, Tarciane e tantas outras craques talentosas. As que vieram antes agiram como quem rasga o mato alto para que as outras pudessem correr sem tropeçar tanto. A cada drible de cada uma delas, uma outra menina em algum canto do Brasil acredita que pode jogar.

Em 2019, Marta entrou em campo na Copa do Mundo com um batom vermelho e uma frase que deveria não só estampar diversos muros do país, mas também serviu como profecia: “Não vai ter uma Formiga pra sempre. Apoiem as próximas”. Foi um gol de placa no machismo e no apoio ao esporte delas. Uma convocação para o futuro que já chegou.

Com o Brasil sediando a Copa do Mundo Feminina de 2027, há uma enorme oportunidade para marcas se posicionarem e entrarem cedo no ciclo olímpico mundial (The Guardian / Mussicom.com). Tecnologias como inteligência artificial (IA) em plataformas de scouting (Footbao, Cuju) estão ajudando a identificar talento feminino nos lugares mais remotos do país, conectando as meninas com clubes e mercados internacionais (Financial Times).

A base global de fãs de futebol feminino deve saltar de 500 milhões para 800 milhões até 2030, com 60% desse número sendo de mulheres consumidoras — um mercado privilegiado para marcas (Nielsen).

A receita global do esporte feminino está estimada em US$ 2,35 bilhões em 2025, crescendo 80% sobre o ano anterior (World Economic Forum). O número de patrocínios nas ligas cresceu cerca de 77%, e os torneios ampliaram as premiações em até 156% (RK Football).

Um estudo da Deloitte projeta até US$ 72 bilhões em valor comercial para marcas até 2028, caso o ritmo se mantenha (Sportfive).

Hoje, o Brasil finalmente vê estádios cheios, patrocínios chegando, e meninas sonhando com a camisa 10. Mas a verdade é que o jogo ainda não está ganho. Falta ainda mais estrutura, investimentos, respeito e espaços.

Mas se tem algo que o futebol feminino nos ensina, é que o jogo só termina quando acaba. E elas não vão sair de campo antes disso.

A propósito, sobre a Copa América, foram disputadas dez edições ao todo, e em apenas uma o Brasil não foi campeão (em 2006, fomos derrotados pela rival Argentina, que superou a seleção canarinho nos pontos corridos). Portanto, elas não esperaram a autorização para jogar. Elas jogaram — e forçaram a regra a mudar.

O Brasil já conta com muita história para contar e uma geração brilhante, repleta de talento técnico e maturidade emocional. O potencial comercial é gigante, tanto nacional quanto globalmente, mas ainda está longe de ser plenamente explorado. O ciclo rumo ao Mundial de 2027 é a janela ideal para marcas, clubes e lideranças se posicionarem com visão e propósito.

Enquanto houver uma bola rolando, haverá uma mulher desafiando o impossível, pois o futebol feminino não precisa de permissão. Precisa de palco.

Reginaldo Diniz é cofundador e CEO do Grupo End to End

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