Quando o marketing esportivo ultrapassa todos os limites

Com 124 anos de história, Vitória recebeu uma proposta de R$ 200 milhões do Fatal Model para mudar de nome - Divulgação / Vitória

O universo do futebol muitas vezes nos surpreende com propostas inusitadas e, por vezes, controversas. O recente anúncio do Vitória sobre a proposta do site de acompanhantes Fatal Model para a compra dos naming rights do clube por R$ 200 milhões levanta não apenas sobrancelhas, mas questionamentos éticos e práticos sobre o papel do marketing esportivo e até onde ele pode ir.

A ideia de renomear o clube para “Esporte Clube Fatal Model Vitória” e o estádio para “Fatal Model Arena Barradão” tem gerado uma onda de discussões nas redes sociais e na comunidade esportiva em geral. Mas além do impacto midiático, é necessário analisar se essa proposta tem chances reais de se concretizar e se traz benefícios tangíveis para o clube.

Em primeiro lugar, é crucial observar o momento em que essa proposta é apresentada. O Vitória, recém-promovido à elite do futebol brasileiro após conquistar a Série B em 2023, busca maneiras de aumentar sua arrecadação para se manter competitivo na próxima temporada. No entanto, a efetividade dessa proposta em termos práticos é questionável.

Uma mudança de nome de um clube com 124 anos de história não é algo trivial e certamente não ocorrerá de maneira rápida. O processo envolve a aprovação de mais de 33 mil sócios-torcedores, passando por diversas instâncias do clube, como o Conselho Deliberativo e a Assembleia Geral de sócios. A polarização de opiniões entre os torcedores é evidente, conforme admitido pelo próprio presidente do Vitória, Fabio Mota.

A proposta do Fatal Model, apesar de gerar uma repercussão significativa nas redes sociais, parece mais uma jogada de marketing do que uma iniciativa realista. O engajamento nas redes sociais não necessariamente se traduzirá em aceitação e apoio efetivo por parte dos torcedores, especialmente quando se trata de uma mudança tão drástica na identidade do clube.

A diretora de comunicação do Fatal Model, Nina Sag, afirmou que seja qual for a proposta escolhida, o dinheiro será destinado para fortalecer o Vitória, seja em infraestrutura ou na contratação de jogadores. Contudo, a promessa de destinar integralmente o valor para o departamento de futebol não apaga as dúvidas sobre a legitimidade e a ética por trás dessa parceria.

A relação entre o Fatal Model e o futebol já não é novidade. O site de acompanhantes tem investido em clubes de futebol, começando com o patrocínio ao Hercílio Luz durante o Campeonato Catarinense no ano passado e expandindo para times da Série B do Brasileirão neste ano. Essa estratégia, no entanto, levanta questões sobre os limites éticos do patrocínio no esporte.

O engajamento do Fatal Model com o futebol se traduziu em um aumento significativo no tráfego do site, conforme dados da plataforma Semrush. Isso levanta questões sobre a relação entre a indústria do entretenimento adulto e o esporte, especialmente em um contexto em que os clubes buscam cada vez mais diversificar suas fontes de receita.

Se por um lado a proposta do Fatal Model pode gerar um influxo financeiro adicional para o Vitória, por outro ela expõe o futebol brasileiro a uma série de dilemas éticos. A associação de um clube de futebol, que tem grande apelo entre famílias e jovens, a um site de acompanhantes pode criar uma imagem negativa e afastar patrocinadores tradicionais.

Além disso, a ênfase no aspecto midiático dessa proposta pode ser interpretada como uma tentativa de capitalizar a polêmica em torno do assunto, mais do que um compromisso genuíno com o desenvolvimento do futebol. O marketing esportivo deve ser uma ferramenta para fortalecer a identidade e os valores de um clube, não para comprometê-los em busca de visibilidade a qualquer custo.

Em termos práticos, se houver aprovação para os naming rights do estádio, o aporte financeiro adicional poderá ser direcionado para a reforma do Barradão. No entanto, o Vitória já projeta uma arrecadação recorde de R$ 220 milhões na próxima temporada, e é legítimo questionar se a mudança de nome do estádio é realmente necessária para alcançar esse objetivo.

O presidente do Vitória, Fabio Mota, fez questão de esclarecer que, mesmo em caso de aprovação, a negociação não busca passar o controle da instituição para as mãos de uma empresa. No entanto, a linha tênue entre o patrocínio e a influência sobre as decisões do clube é algo que merece atenção.

Em um momento em que o futebol brasileiro busca se modernizar e se profissionalizar, é essencial ponderar sobre os limites éticos e a integridade do esporte. Patrocínios que geram controvérsias e colocam em risco a reputação dos clubes e do próprio futebol precisam ser cuidadosamente avaliados.

Por fim, o caso do Fatal Model Vitória destaca a importância de uma abordagem ética e responsável no marketing esportivo. Os clubes precisam equilibrar a busca por receitas adicionais com a preservação de sua identidade e valores. O futebol é mais do que um simples espetáculo; é uma paixão que envolve comunidades e famílias. É fundamental garantir que as estratégias de marketing não comprometam a integridade do esporte e a confiança dos torcedores.

Felipe Soalheiro é fundador da SportBiz Consulting e escreve mensalmente na Máquina do Esporte

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