Dois anos atrás, escrevi em uma coluna aqui, na Máquina do Esporte, que o esporte ainda tinha lugar na televisão linear, que era uma das poucas coisas que as pessoas ainda paravam pra ver num certo horário e pagavam a mensalidade do pacote de cabo para ter. E que o maior exemplo aqui nos EUA era a ESPN, gigante das transmissões esportivas e canal mais valorizado nas ofertas de TV a cabo.
Mas estamos vivendo numa era em que o tempo parece passar rápido demais. Pelo menos tem sido assim para as inovações tecnológicas e, por consequência, para os hábitos dos consumidores. Em menos de uma década, perdi completamente o costume de trocar canais para procurar por um programa ou esperar o horário de uma apresentação na TV.
Sei que muita coisa está em várias plataformas, mas uma coisa é adaptar o que existe na programação linear e oferecer também como podcast, on demand ou streaming. Outra coisa é produzir especificamente para esse formato e para esse público. É quase a diferença entre os meus filhos, que já nasceram digitais e touchscreen, e eu, que usei fitas cassete e VHS, e aprendi a mexer no digital durante a vida.
Os números de TV aberta e a cabo bateram um novo recorde negativo em julho, ficando abaixo dos 50% do uso de televisão, de acordo com o Instituto Nielsen, que mede a audiência de TV nos EUA. Serviços de streaming chegaram a 38,7%. Na comparação com julho do ano passado, a perda é de 29% do cabo e 5,4% da TV aberta. É verdade que o mês é um dos mais fracos para o esporte americano em termos de eventos, mas teve o All-Star Game do beisebol como uma das principais audiências na TV aberta e no cabo.
Um usuário de TV a cabo pagou US$ 96 no passado à ESPN, mesmo que não tenha assistido a um programa esportivo sequer. De acordo com a Nielsen, a ESPN está atualmente em 58% de todas as TVs americanas, 17% a menos do que há cinco anos. Além da ESPN e da ESPN 2, outros cinco canais esportivos faturam mais de US$ 1 bilhão por ano das operadoras de TV a cabo: TNT, USA Network, Fox Sports 1, TBS e NFL Network.
O Grupo Disney, dono da ESPN, prepara o lançamento de um canal próprio de streaming com a marca, em uma expansão do já existente ESPN+ (nos EUA), que deve representar um rompimento com o modelo de negócio que existiu com a TV a cabo nas últimas décadas. O serviço atual tem apenas parte da programação do canal e raramente coloca alguma transmissão de esporte à disposição do assinante. Mesmo assim já conseguiu 25 milhões de assinantes.
Especialistas calculam que o serviço custará aproximadamente US$ 20 por mês. Será fundamental ver se o valor e o número de assinantes serão suficientes para acompanhar os custos dos direitos de transmissão, que não param de subir, para que o modelo funcione. Um levantamento feito pelo jornalista Will Leitch, da revista New York, estima que um fanático por esportes gastará entre US$ 400 e US$ 500 por mês para ver as principais ligas do esporte americano. Além da assinatura do novo serviço da ESPN, o cálculo inclui os serviços das ligas (NFL, NBA, WNBA, MLB, NHL e MLS), um para ver as grandes emissoras de TV aberta e ainda um para esporte universitário e Premier League.
O total é bem maior do que a antiga assinatura da TV a cabo. É verdade que nem todo mundo terá interesse ou tempo para assistir a tanto esporte. E é fato também que muitas ligas terão que equilibrar o ganho com esses serviços e a exposição para o maior número de pessoas, que continua sendo muito importante. Mas, por enquanto, parece que a conta estourará em quem realmente gosta de esporte. Resta saber se estes fanáticos estarão dispostos a pagar.
Sergio Patrick é especializado em comunicação corporativa e escreve mensalmente na Máquina do Esporte