O show de horrores que foi o pós-jogo entre Palmeiras e Santos, com imagens do estado das chuteiras dos jogadores sendo divulgadas, repletas de uma gosma da grama sintética do Allianz Parque, foi o estopim de uma crise que já durava quase quatro meses e que mostra como insistimos, no Brasil, em não tratar o futebol como uma indústria.
Palmeiras, WTorre, Allianz Parque e Soccer Grass, entendam uma coisa primordial: a alma do negócio que vocês todos trabalham é o futebol. Esqueça o show, o tipo da grama, as condições climáticas, o calendário do futebol brasileiro, a irritação de um ou de outro lado. O primordial para quem trabalha com o futebol é garantir a melhor condição para que haja o melhor espetáculo de futebol possível para o público.
LEIA MAIS: Enquanto faz projetos com rivais, WTorre vive casamento conturbado com Palmeiras
Quando a WTorre decidiu implementar a grama sintética no Allianz Parque, incapaz de manter uma boa qualidade do gramado natural para os jogadores que lá disputavam suas partidas, a justificativa foi o negócio. Para poder manter o equilíbrio entre ser a casa do Palmeiras e receber shows para grandes públicos, era preciso mudar o tipo de grama do estádio.
Isso garantia maior rentabilidade para o Allianz Parque e assegurava que o Palmeiras jogaria num “tapete”, mesmo que sintético.
Mas o conceito que provocou a mudança do tipo de gramado do estádio, há quatro anos, foi simplesmente jogado no lixo por todos os envolvidos. O Palmeiras chegou a reclamar publicamente apenas quando fez sua última partida no estádio, já como virtual campeão brasileiro de 2023. A “culpa”, naquele instante, era do show da cantora Taylor Swift, que havia espalhado miçangas dos fãs por todo o gramado.
Em 2024, logo na primeira partida em seu estádio, o Palmeiras perdeu pelos próximos cinco meses o atacante Bruno Rodrigues, recém-contratado, com uma lesão no joelho. Causada, muito provavelmente, por causa da péssima qualidade que está a grama atualmente.
O jogo contra o Santos, porém, foi a gota d’água que transbordou uma relação turbulenta entre todas as partes: Palmeiras, WTorre, Allianz Parque e Soccer Grass, fornecedora e mantenedora do gramado sintético.
Por trás de tudo está, logicamente, dinheiro. Há um enorme custo a se pagar para implementar um novo piso no estádio. Com garantia de fábrica de oito anos, a WTorre e o Allianz Parque empurram para a Soccer Grass a responsabilidade pela troca. O Palmeiras, por sua vez, pressiona ambos em busca de uma solução, não podendo fazer nada além do que decidir ir para o extremo de anunciar que não jogará mais com o gramado naquelas condições.
Perdem todos nessa história.
O Palmeiras deixará de arrecadar no mínimo R$ 1 milhão por partida. Essa é a diferença média que o clube teve em lucro líquido nos jogos que disputou fora do Allianz em 2023. Sem mencionar a possível perda esportiva por não jogar “em casa”.
Allianz Parque e WTorre ficam sem ter o espaço para seu maior usuário. Isso faz cair a receita do espaço e sua lucratividade demora mais tempo para acontecer.
A Soccer Grass perde em reputação para implementar sua solução de grama sintética em outros estádios, bem como deixa de faturar com a perda de contrato com o Palmeiras. Como retaliação pela falta de solução, o clube anunciou o fim do acordo com a empresa para todos os campos de grama natural nos centros de treinamento que possui.
E, claro, perde ainda mais o torcedor, principal força motriz do mercado. O Palmeiras deverá ter de 30% a 40% menos público em seus jogos, já que o estádio em que jogará é menor do que o Allianz e fora da cidade de São Paulo.
É impressionante como o mercado brasileiro não entende que se deve trabalhar, sempre, para garantir a melhor qualidade do espetáculo para o público. É isso o que faz a máquina do esporte girar. Sem um jogo de qualidade, o fã se afasta, e o negócio fica menor.
Qual é o maior segredo da revolução do negócio do futebol na Inglaterra? Tratar melhor o espetáculo. E por onde os ingleses começaram isso? Pela qualidade do gramado em que as partidas eram disputadas. Isso foi em 1991, na época da criação da Premier League, hoje a liga de futebol mais rica e poderosa do mundo.
É tão difícil assim estudar o que deu certo e tentar implementar isso no nosso negócio?
Há três décadas, o mercado brasileiro mostra que sim.
Infelizmente.
Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo