Quem atua na indústria do esporte no Brasil teve motivos de sobra, nas últimas semanas, para desacreditar da tão falada profissionalização e gestão do futebol brasileiro.
É claro que, hoje, o Brasil experimenta um amplo domínio no campo dos negócios quando falamos de América do Sul, fazendo com que a arrecadação de uma equipe média do país seja superior ao faturamento de times grandes da Argentina, como Boca Juniors e River Plate, só para citar o segundo maior mercado do subcontinente.
No entanto, há fraturas que ficaram expostas nas últimas semanas. Problemas insolucionáveis na gestão, divisões que impedem o crescimento do produto, estratégias incapazes de enxergar o longo prazo e até – pasmem! – ações deliberadas para manchar a credibilidade dos torneios. Passo a listar algumas delas, apenas as noticiadas nos últimos dias.
1 – Desunião
Não há sinal algum de que o Brasil terá a tão almejada liga unificada a partir de 2025, quando chegará ao fim o atual contrato de TV. Os clubes da Libra, em minoria numérica, mas maioria nas arquibancadas, já venderam seus direitos em todas as plataformas para a Globo.
Já os times da Liga Forte União (LFU), que são maioria, mas sem as maiores torcidas, terceirizaram para a LiveMode a negociação desses ativos. Por enquanto, não há proposta oficial. Porém, a estratégia da agência é fatiar esses direitos pelo maior número de players possível, visando ao aumento da arrecadação.
Assim, teremos uns 8 ou 9 times da Libra com seus jogos como mandantes sendo transmitidos na Globo, enquanto aproximadamente 12 clubes da LFU estarão distribuídos na telinha em diversas outras plataformas. Uma confusão na cabeça do torcedor e uma péssima estratégia para aumentar as receitas.
2 – Investidores
A LFU, por sinal, já negociou 20% de seus direitos comerciais pelos próximos 50 anos com três investidoras: General Atlantic (GA), XP Investimentos e Life Capital Partners (LCP).
Além de comprometer receitas por meio século com uma sopa de letrinhas de investidores (GA/XP/LCP), esse grupo não conta mais com a plenitude de seus direitos no caso de haver um entendimento pela liga unificada nos próximos anos.
Já a Libra chegou a ter proposta da Mubadala Capital, mas o acordo ficou distante depois que o Flamengo, num laivo de bom senso, achou por bem que negociar parte de seus direitos comerciais por 50 anos não seria um bom negócio a longo prazo.
Sem o Mengão, o acordo travou, embora a Mubadala já tenha amarrado times da Série B do Brasileirão com adiantamentos de R$ 3 milhões.
Há alguns meses, o cartola de um time carioca me segredou que a liga unificada acontecerá no momento em que os dirigentes decidirem fazer. Simples assim.
Aparentemente, eles têm a ingênua visão de que contratos diferentes de direitos comerciais e de TV não impedirão tal iniciativa. Ou creem que possam rasgar acordos já assinados, acabando de vez com a credibilidade do futebol brasileiro.
3 – Direitos internacionais e de apostas
O Brasileirão teve seus direitos internacionais e de apostas nas mãos de 1190 Sports e Zeus Sports Marketing. Nesse período, houve um trabalho de internacionalização da marca, levando a competição a mais de 170 países.
Sem nenhuma ação coordenada pelos clubes, o Campeonato Brasileiro cresceu em audiência e interesse de forma espontânea em mercados como América Latina, Estados Unidos e Portugal.
Uma proposta de renovação havia sido enviada aos times em setembro, mas ficou sem resposta. Faltando uma semana para o início do torneio, 10 clubes da LFU aceitaram um novo contrato com essas plataformas. O Botafogo ficou de fora. As equipes da Libra sequer responderam.
Era um alento, mas demandaria uma grande dose de improviso para colocar transmissões e renovações do acordo no exterior em pé. Além de oferecer apenas metade dos jogos do torneio. O resto, incluindo jogos de Flamengo, Palmeiras, São Paulo e Corinthians como mandantes, ficaria no escuro.
Mas nem isso aconteceu. Faltando apenas um dia para o início do Brasileirão, esses 10 times resolveram voltar atrás, apesar de assinarem a aceitação da proposta comercial que havia sido oferecida. Alegaram uma proposta mais vantajosa financeiramente da Infront Sports, que iniciará um novo trabalho de comercialização desses direitos para o exterior.
Metade do torneio permanece em blecaute internacional e também para as plataformas de apostas.
4 – Série B
A gestão comercial da Série B do Brasileirão tem sido feita na base do improviso. No ano passado, a Brax Sports Assets costurou um acordo que conseguiu conciliar o interesse de times da Libra e da LFU. Um feito e tanto.
Neste ano, porém, diante da impossibilidade de garantir lucro após o Santos assinar um contrato de exclusividade com a Globo, a agência carioca pulou fora. Sem a Brax, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) negociou o fatiamento dos direitos, mas, incapaz de manter a arrecadação, teve que entrar com verba própria para cobrir o prejuízo.
Ficou definido que seis players exibiriam o torneio, o que garantiria uma visibilidade interessante ao times da Bezona. Mas, passada a primeira rodada da competição, ninguém ainda sabe se efetivamente a Band confirmará a informação que foi divulgada pela própria CBF na madrugada da última sexta-feira (19), data do início da Série B.
Sim, tais acordos estavam sendo costurados pela confederação na véspera e até o início da madrugada da data marcada para o início da competição.
5 – Credibilidade
Nem estrangeiros, que investiram algumas centenas de milhões no futebol brasileiro e poderiam trazer exemplos de governança da elite do esporte mundial, ajudam a melhorar a gestão por aqui.
Em março, John Textor, dono da SAF do Botafogo, afirmou ter o áudio de um árbitro que reclamava por não ter recebido propina após manipular o resultado de um jogo. Seria uma bomba na credibilidade do Brasileirão. Mas, semanas após a declaração, admitiu que o material seria de um juiz das divisões inferiores. Não bastasse isso, tal áudio nunca apareceu.
A acusação seguinte foi de que jogadores de Fortaleza e São Paulo haviam feito corpo mole em goleadas sofridas para o Palmeiras, em 2022 e 2023, respectivamente. Embora tenha manchado internacionalmente a credibilidade do bicampeonato do time paulista e a idoneidade dos elencos de dois rivais, as acusações nunca foram comprovadas.
Os aparentes factoides geram apenas danos à reputação do futebol nacional e à sua principal competição. É difícil crescer quando alguns dos principais interessados jogam contra.
6 – Negócios
Nesta terça-feira (23), foi anunciada a aquisição de parte minoritária da LiveMode pela General Atlantic (GA) e a XP. É um negócio que movimenta a indústria do esporte no Brasil. A LiveMode conquistou grande projeção por ser responsável por negociar direitos de transmissão de eventos da Fifa, como as Copas do Mundo de 2022 e 2026. Também é dona da Cazé TV, empreendimento de grande sucesso no streaming. Com essa injeção de capital, poderá expandir seus negócios internacionalmente.
Para a LFU, é mais um entrelaçamento de interesses, já que GA e XP já são investidoras da Liga Forte União e passam a deter parte da agência responsável pela comercialização dos direitos de mídia desse bloco de clubes.
É um novo sinal de que a aproximação entre LFU e Libra fica cada vez mais complexa, porque já não depende da boa vontade de dirigentes, como queria acreditar aquele cartola carioca que citei, mas de acordos comerciais firmados entre várias partes.
A liga brasileira sairá em 2025? É claro que não. Isso já sabíamos há alguns meses.
A liga sairá em algum momento? Já dá para duvidar que um dia isso aconteça.
Adalberto Leister Filho é diretor de conteúdo da Máquina do Esporte, autor de livros na área de esporte, e professor, tendo ministrado cursos em programas de pós-graduação em Jornalismo Esportivo, Gestão e Marketing Esportivo, e Gestão de TV em universidades como Faap, Anhembi Morumbi, FMU, Ipog e Cásper Líbero.