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Só a arbitragem precisa ser profissional no Brasil?

Nível dos apitadores de futebol no Brasil reflete o de quase toda a cadeia produtiva da nossa indústria

Lateral-esquerdo Marlon, do Grêmio, desabafa sobre a arbitragem após a derrota para o Red Bull Bragantino - Reprodução / Premiere

O ótimo desabafo de Marlon, capitão do Grêmio, após a derrota para o Red Bull Bragantino no último sábado (4), foi ofuscado pela desastrosa atuação de todos os árbitros – em campo e no vídeo – no clássico São Paulo x Palmeiras.

Só que a mão que Marlon (essa sim foi mão) colocou na ferida aberta do debate sobre o nível da arbitragem do futebol brasileiro deveria ser acompanhada de outra, a ser colocada na nossa consciência, sobre todos que trabalhamos na indústria do futebol.

Será que é só a arbitragem que precisa ser profissional no Brasil?

O show de horrores da imprensa, dos influenciadores, dos dirigentes, dos atletas e dos treinadores mostra que existe um abismo enorme entre o quanto o futebol brasileiro é capaz de movimentar de dinheiro e a qualificação que existe de quem está atrelado a essa indústria.

Em meio ao barulho sobre a péssima qualidade dos árbitros, ignoramos discussões sobre padronização de gramados (naturais ou sintéticos), qualidade dos estádios para receber o público e a imprensa, respeito ao torcedor do outro time e hábitos menos selvagens dentro do dia a dia do esporte.

Duas horas antes de o canhão virar sobre a arbitragem, os dirigentes de clubes usaram a mídia para passar recado sobre a briga pelo dinheiro de TV. Já faz 28 anos que não vai para frente o projeto de se criar um grupo único que defenda, por igual, os interesses dos clubes no país.

Existe um mar de oportunidades e um oceano de dinheiro que não chegam para o futebol por conta da incompetência das cabeças mandantes e muitas vezes não pensantes que conduzem o destino político da bola no Brasil.

Não precisamos estar (AINDA) no patamar de organização de grandes ligas esportivas mundiais, mas não podemos, recorrentemente, repetir os erros que levaram ao buraco campeonatos como o Italiano e o Espanhol há cerca de 20 anos.

Não estudamos o futebol como negócio. Não nos capacitamos para atuar nele. Aproveitamos a farra de injeção de dinheiro do momento (pode apostar!) e não procuramos dar mais qualidade a quem está no dia a dia da indústria.

Pagamos bem aos árbitros que trabalham nos jogos. Mas não nos preocupamos em como eles estão se capacitando para estudar e entender a regra.

Pagamos muitíssimo bem aos treinadores, mas não damos a eles todas as ferramentas necessárias para exercer no mais alto nível seu trabalho.

Pagamos extremamente bem aos atletas, mas não cobramos comprometimento em ser profissionais, não investimos em qualificação para além do jogo, não nos preocupamos em dar as condições básicas para que eles possam evoluir e crescer cada vez mais.

Mesmo com o faturamento bilionário nos clubes, não investimos em dirigentes qualificados, não nos preocupamos em entender o futebol como negócio, como parte importante da economia do país. Não vemos os clubes como veículos de engajamento de comunidades, com um papel social tão importante que pode mudar a vida de quem se relaciona com eles.

Na mídia, não nos preocupamos em estudar, em nos qualificar, nos atualizar, nos reciclar, em ignorar o vício do caça-clique ou do corte que viraliza. Reproduzimos as mesmas anedotas dos tempos de Charles Miller, acreditando que isso é entreter, sem responsabilidade de informar e promover a melhora do ambiente como um todo.

A arbitragem será profissional como, se o ambiente do futebol brasileiro se contenta em não seguir o mesmo caminho? Não precisamos de nota de repúdio, mas, sim, melhorar a nossa nota.

Enquanto a maioria da cadeia produtiva da indústria do futebol continuar semiamadora, seguiremos a nos contentar em achar que solucionamos o problema ao encontrarmos o culpado. Seja ele o árbitro, a mídia, o treinador, o atleta ou o dirigente.

Erich Beting é fundador e CEO da Máquina do Esporte, além de consultor, professor e palestrante sobre marketing esportivo

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