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Surfe brasileiro contemporâneo: Onde essência encontra oportunidade de mercado

Brasil virou modelo global de transformação do surfe em negócio, e a WSL América Latina é que lidera a revolução na imagem do esporte

Edição 2025 do Vivo Rio Pro apresentado por Corona Cero ocorreu no fim de junho - WSL / Staff Images

Antes de entrar de cabeça no universo dos clubes de futebol, em 2012, meu alicerce esportivo foi construído pelo surfe, herança direta de pais que, nos anos 1980, adotaram Saquarema (RJ) como cidade para viver, trabalhar e respirar o mar. Aos 8 anos, o surfe veio por osmose. Entre a Praia de Itaúna como quintal de infância e a trajetória do meu irmão Raoni Monteiro na elite mundial abrindo portas para a geração “Brazilian Storm”, minha ligação com o esporte sempre foi íntima.

Corta para 2025. O “Maracanã do Surfe” celebrou 50 anos de seus primeiros festivais, e tive a oportunidade de integrar a equipe de comunicação do Vivo Rio Pro apresentado por Corona Cero, a badalada etapa brasileira do Championship Tour (CT) da World Surf League (WSL). Reencontros com ex-atletas, profissionais e até o fato de dividir palanque com meu pai (hoje locutor da WSL) transformaram o trabalho em uma experiência pessoal intensa e reveladora sobre a evolução da modalidade.

Antes que levantem o dedo para falar sobre “essência versus mercado”, eu me adianto dizendo que essa discussão tem muitos vieses e que meu recorte aqui é sobre potencial comercial. Esse reencontro me mostrou o quanto o surfe evoluiu e como vem se transformando em produto sofisticado. A WSL América Latina lidera uma revolução na imagem do esporte, ampliando seu alcance, formatos e posicionando-o claramente como um negócio relevante para marcas, atletas e demais players.

O surfe nasceu da contracultura. Locais como Itamambuca (Ubatuba) e o Canal 1 (Santos), em São Paulo; e Arpoador, Píer de Ipanema, e a própria Saquarema, no Rio de Janeiro, eram espaços de resistência, arte e autenticidade. O surfe brasileiro nasceu nesses lugares como mais do que um esporte; era um verdadeiro estilo de vida. No entanto, sua imagem era marginalizada e as marcas que se conectavam com ele inevitavelmente eram as empresas de surfwear, sem muita sofisticação.

Mas o que eu testemunhei durante a etapa de Saquarema foi outro surfe: profissionalizado e de escala gigantesca. Segundo um relatório da EY divulgado na semana passada, o evento brasileiro, maior do mundo, movimentou R$ 179 milhões e atraiu quase meio milhão de pessoas à cidade. Empresários locais me contaram que esperam essa janela o ano todo. Hoje, o Brasil virou modelo global de transformação do surfe em negócio.  

E os atletas? A oportunidade de profissionalização e organização também chegou para os que souberam se preparar. Muito além do que focar em patrocínios diretos, os brasileiros estão cada vez mais respaldados por estratégias, utilizando todas as ferramentas possíveis de transformação para impactarem não só suas carreiras, mas a vida de diversas pessoas ao seu redor.

Fiquei curiosa e fui procurar mais informações sobre a estrutura por trás de um dos maiores nomes do nosso país hoje: Italo Ferreira. Sem Gabriel Medina (lesionado) no evento para dividir os holofotes de “rock star” com ele e apesar de outros brasileiros representarem de forma tão significativa a modalidade mundo afora, Italo foi onipresente do ponto de vista comercial. Ele esteve praticamente todos os dias, on e off, atendendo fãs, gravando conteúdo, distribuindo autógrafos e projetando por horas seguidas sua imagem.   

Italo conta atualmente com 15 parceiros comerciais, de acordo com sua assessoria de imprensa. São eles: Red Bull, Nike, Banco do Brasil, Ford, Vivo, Oakley, Riachuelo, Integralmedica, Adcos, T.Patterson, Mãe Terra, Natura Kaiak, Aqua Coco, Creatures of Leisure e JHSF/Boa Vista. Ele tem sua própria marca de café, a Stoke-Ed Coffee, que completou um ano em maio. Além disso, inaugurou uma primeira cafeteria com o intuito de, em breve, lançar uma rede de franquias. O nome da cafeteria leva o mesmo nome do café, com unidade em São Paulo (SP).

Italo tem um instituto com seu próprio nome, o IIF. O projeto tem como principal objetivo colaborar com a educação de crianças, jovens e adolescentes de Baía Formosa (RN), oferecendo oportunidades complementares de formação e desenvolvimento. O IIF foi inaugurado em 2022 e, atualmente, atende 126 alunos com o apoio financeiro de leis de incentivo e de patrocínio direto. No instituto, os alunos participam de aulas de surfe, educação financeira, liderança motivacional, projeto ambiental, informática e inglês. Além disso, o projeto oferece atendimento periódico nutricional, odontológico, clínico geral, serviço social e de psicologia.      

A IF15, empresa que gerencia a imagem e a carreira de Italo, conta, hoje, com profissionais das áreas comercial, de performance, marketing, comunicação, equipe de criação de conteúdo audiovisual, jurídica e financeira. Já o instituto conta com uma equipe multidisciplinar pedagógica e administrativa. Ao todo, são cerca de 30 profissionais que compõem o estafe do atleta.

Enquanto isso, o surfe fora do mar ganha força. Em um dia qualquer de julho, Kelly Slater e Gabriel Medina surfaram juntos em uma piscina de ondas no Beyond The Club, clube de praia que tem como um dos sócios o próprio Medina, em São Paulo (SP). Na mesma semana, a WSL promoveu um evento de networking ali, reunindo players de marketing, patrocínios e novos negócios em torno da modalidade. Essa ativação não foi apenas sobre surfe. Foi sobre experiência exclusiva e uma nova arquitetura de mercado.

O que vejo hoje é um surfe mais plural do que nunca. Há espaço para quem vive o mar como templo e para quem o enxerga como arena de negócios. As piscinas de ondas, os eventos planejados milímetro por milímetro e a força empreendedora dos atletas não anulam a essência, mas ampliam o mercado, diversificam públicos e fortalecem a presença da modalidade na economia esportiva.

É a mesma onda, mas agora com potencial para gerar impacto muito além da praia.

Raiana Monteiro é jornalista e atual coordenadora de conteúdo do Fifa+, a plataforma de streaming da Fifa. Na carreira, já atuou como coordenadora de comunicação de esportes olímpicos do Flamengo, diretora de relações públicas do Vasco e ainda teve passagens pelo Grupo Globo e pela agência In Press Media Guide

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