Gestada em meio à comoção ocasionada por um escândalo que abalou a credibilidade do esporte no país, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada pela Câmara Federal para investigar a manipulação em partidas de futebol no Brasil, também conhecida como CPI das Apostas Esportivas, chega a seus momentos derradeiros correndo o risco de ela própria se tornar um caso de polícia.
Uma notícia veiculada pela revista Veja no último fim de semana trouxe a denúncia de que um deputado da base governista teria sido acusado de pedir propina de R$ 35 milhões a uma entidade que representa o setor de apostas esportivas, em troca de pegar leve com a instituição nas investigações e ainda defender os interesses dela na CPI.
De acordo com a revista, o parlamentar que teria feito o pedido de propina seria ninguém menos que o relator da CPI, o deputado Felipe Carreras (PSB/PE), que também é líder da bancada do partido na Câmara Federal. Segundo a Veja, o alvo do suposto achaque seria Wesley Cardia, presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL).
Na tarde desta segunda-feira (25), a Máquina do Esporte entrou em contato com a assessoria de imprensa da instituição, solicitando um posicionamento sobre o caso. Até o fechamento deste texto, porém, nenhuma resposta havia sido enviada. Carreras, por sua vez, optou por encaminhar uma nota em que nega as denúncias.
Com relação à reportagem publicada em Veja, na edição de 22.09.2023, que lhe imputou graves acusações, o deputado federal Felipe Carreras (PSB-PE), relator da CPI das Apostas Esportivas, vem a público informar que:
A própria Revista Veja afirma que ‘nenhuma evidência material foi apresentada contra o deputado’.
Ou seja, a matéria veicula boatos, relatados a um terceiro sem prova ou qualquer base fática, como a reportagem afirma.
Além disso, a realização do suposto encontro no qual o presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias teria denunciado o pedido de propina foi negado, pelo próprio Cardia, em nota à Veja.
Felipe Carreras, relator da CPI das Apostas
Impasses
O parecer do relator da CPI das Apostas foi apresentado na semana passada. Por enquanto, não se sabe se esse documento será ou não definitivo, pois existe a possibilidade de a comissão ter seu prazo estendido.
Na última sexta-feira (22), assim que o conteúdo da reportagem de capa da Veja tornou-se público, Carreras apresentou um requerimento para a convocação do assessor especial do Ministério da Fazenda, José Francisco Manssur, perante a comissão. Manssur está cotado para assumir a futura secretaria que estará à frente do setor de apostas esportivas no Governo Federal.
O objetivo é que o assessor do Ministério da Fazenda compareça, na condição de testemunha, para esclarecer sobre as denúncias trazidas pela revista.
Apesar da inexistência de elementos de prova que corroborem o que teria sido relatado pelo Sr. Cardia, ressaltada pela própria Revista Veja, a reportagem foi publicada, como matéria de capa. Com base no que teria sido relatado, a matéria aponta que “integrantes da CPI pressionavam o setor [de Jogos e Apostas] em busca de vantagens financeiras”. A convocação ora requerida busca permitir que o Sr. José Manssur especifique as informações que teria recebido e as medidas que teria adotado em razão delas, tanto no âmbito do Ministério da Fazenda quanto, eventualmente, em outras instâncias. Tem o escopo de permitir que ele relate à própria CPI situações de que tenha tido conhecimento e que comprometam a atuação investigativa desta Casa.
Trecho do requerimento apresentado por Felipe Carreras à CPI das Apostas
Diante do cenário de indefinição quanto à prorrogação da CPI, hoje é difícil cravar se esse depoimento do assessor especial será de fato tomado pelos parlamentares.
Um complicador nesse caso reside no fato de a CPI das Apostas já haver sido prorrogada uma vez, por 12 dias. Inicialmente, o prazo de funcionamento venceria em 14 de setembro. Porém, o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP/AL), assinou um decreto estendendo os trabalhos até o dia 26, ou seja, esta terça-feira.
Parecer
O parecer apresentado até o momento por Carreras traz poucas novidades em relação à questão da manipulação de resultados no futebol brasileiro. O documento constata, em diversos momentos, que o problema existe, mas não indica eventuais culpados pelas possíveis práticas criminosas.
O texto, por outro lado, faz críticas às punições distintas que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) impôs para casos semelhantes. O parecer cita especificamente o caso do zagueiro Eduardo Bauermann, ex-Santos, que inicialmente havia sido condenado a 12 jogos de suspensão por participar do esquema de manipulações de resultados, enquanto outros atletas em situações parecidas foram banidos do futebol ou sofreram penas maiores (Moraes, da Aparecidense, por exemplo, foi suspenso por 760 dias, além de ter que pagar uma multa de R$ 55 mil).
Posteriormente, o jogador do Santos teria sua suspensão ampliada para 360 dias. Para o relator, as divergências nas penas “minam a confiança dos adeptos do futebol e podem criar um ambiente propício para a impunidade e a reincidência de práticas desleais”.
“A falta de uniformidade nas sanções pode resultar em uma sensação de injustiça entre os envolvidos, enquanto o público e os patrocinadores podem começar a questionar a seriedade das medidas disciplinares no esporte. Portanto, é fundamental que os órgãos de Justiça Desportiva adotem critérios claros e consistentes na aplicação de penalidades, garantindo que casos similares sejam tratados de maneira igualitária e que a integridade do esporte seja mantida, promovendo uma cultura de jogo limpo e justiça no cenário esportivo”, afirma o texto.
Sugestões de projetos de lei
O documento também traz sugestões de quatro projetos de lei destinados a ampliar a integridade esportiva e coibir as manipulações envolvendo apostas esportivas.
O primeiro deles trata justamente das punições a serem aplicadas pela Justiça Desportiva, a atletas envolvidos nessa prática. O objetivo é garantir que as penalidades aplicadas “sejam proporcionais e consistentes com o princípio da igualdade”, de modo a evitar disparidades como as verificadas nas penas impostas a jogadores denunciados pela Operação Penalidade Máxima, deflagrada pelo Ministério Público de Goiás.
O segundo projeto prevê a tipificação da conduta de um gestor, dirigente ou técnico que deixar de comunicar casos de manipulação às autoridades competentes, com pena de um a quatro anos de reclusão, além de multa.
Carreras também propõe criminalizar tanto a exploração de apostas esportivas sem a outorga de um órgão competente quanto realizar, intermediar ou contribuir para que pessoas apostem em empresas que não tenham autorização para operar no país. A punição prevista nesse caso também é de um a quatro anos de prisão, sem contar multa.
Por fim, o parecer sugere uma lei que proíba a realização de apostas relativas a ações ou condutas individuais de jogadores (como levar cartão amarelo, por exemplo). Nesse caso, seria permitido apenas apostar no número de gols marcados por cada equipe, bem como nos resultados das partidas.