Categoria que já teve enorme apelo entre as massas e que produziu algumas das maiores estrelas do esporte mundial, o boxe andava meio ofuscado nas últimas décadas, especialmente em terras brasileiras, onde sentiu o golpe com a forte concorrência imposta pelo Ultimate Fighting Championship (UFC) e demais competições de Artes Marciais Mistas (MMA), problema que foi agravado pela falta de grandes ídolos da ativa atuando na modalidade.
Nas últimas semanas, porém, o esporte voltou a estar na boca do povo, unindo uma nação fragmentada por tantas polarizações. Coube justamente ao último grande lutador brasileiro, Acelino Popó Freitas, a missão de fazer o boxe novamente furar a bolha da mídia e virar assunto nas mais variadas rodas de conversas.
Tudo graças ao “nocaute relâmpago” que Popó conseguiu infligir em Kleber de Paula Pedra, na madrugada do último domingo (25). Apesar desse sobrenome sólido, o hoje influenciador digital e fisiculturista, que atende pelo epíteto de Bambam e carrega no currículo o feito de ter sido o primeiro ganhador do Big Brother Brasil (BBB), esparramou-se feito areia no ringue, cerca de 30 segundos depois de iniciada a luta contra o tetracampeão mundial de boxe.
Vendido ao público como um evento esportivo, o embate entre Popó e Bambam foi a atração principal da quarta edição do Fight Music Show (FMS), evento que promove lutas entre celebridades, apresentações musicais e outras ações de entretenimento.
O massacre de Popó sobre Bambam foi transmitido ao vivo no canal Combate, com reprise na Globo, garantindo um excelente público para a emissora na TV aberta. No Rio de Janeiro, a exibição obteve 7 pontos de audiência e 38% de share (participação sobre o número de televisores ligados).
Na Grande São Paulo, a média apurada pela Kantar Ibope Media foi também de 7 pontos. No momento da transmissão, de cada 100 aparelhos de TV ligados, 37 estavam conectados na luta. Vale lembrar que os números de audiência dizem respeito à faixa horária entre 2h49 e 3h22. O confronto em si foi sacramentado em 36 segundos.
Evento disparou nas redes
Em sua coluna publicada na Máquina do Esporte nesta quinta-feira (29), André Stepan, diretor de marketing do canal Goat, referiu-se à luta entre Popó e Bambam como “uma verdadeira aula de promoção de um evento”. No texto, o executivo destacou alguns números alcançados pelo embate na internet, como as 4 milhões de buscas registradas no Google.
Nas redes sociais, o evento também se converteu em uma verdadeira febre, como observou o analista. Prova disso são vídeos publicados nas contas do Instagram de Popó e Bambam, que alcançaram, respectivamente, 14,5 milhões e 18,8 milhões de visualizações.
No YouTube, conforme observou Stepan, a transmissão ao vivo do card preliminar alcançou 9,3 milhões de views. Outros destaques, segundo ele, foram a pesagem dos lutadores, com 2,8 milhões de visualizações, além das entrevistas prévias de ambos, que orbitaram próximo da casa de 2 milhões.
Nova fonte de renda
Popó, hoje com 48 anos de idade, construiu uma carreira vitoriosa no boxe. Sua primeira conquista de peso foi a medalha de prata nos Jogos Pan-Americanos de Mar del Plata, na Argentina, em 1995. Naquele ano, iniciou sua trajetória profissional, recebendo o apelido de “Mão de Pedra”. Ganhou quatro títulos mundiais em duas categorias (superpena e leve), por diferentes organizações do boxe.
O auge dessa história, no entanto, foi construído antes das mídias digitais ganharem o peso adquirido nos dias atuais. Depois de aposentado, ele encontrou nas lutas contra celebridades uma forma não apenas de permanecer na ribalta, como também para faturar cachês milionários.
Para nocautear Bambam, por exemplo, ele levou para casa nada menos que R$ 5 milhões, ao passo que o ex-BBB e ex-Turma do Didi, mesmo derrotado, angariou R$ 6 milhões.
Foi no início de 2022 que o rentável filão das lutas de exibição contra celebridades sorriu para Popó. Naquela ocasião, ele protagonizou, ao lado do comediante e youtuber Whindersson Nunes, a primeira edição do Fight Music Show, iniciativa inspirada em eventos norte-americanos.
Toda a preparação do humorista para enfrentar o campeão mundial rendeu enorme repercussão nas redes sociais, fazendo da luta um dos eventos mais aguardados do começo do ano.
O burburinho foi tanto que a primeira edição do Fight Music Show, realizada em Balneário Camboriú (SC), arrecadou R$ 25 milhões e garantiu uma premiação de R$ 12 milhões aos lutadores, que dividiram o prêmio igualmente entre si.
Um detalhe que vale ser mencionado é que essa primeira luta terminou com um empate após oito rounds, com Whindersson Nunes aproveitando a oportunidade para fazer um discurso enaltecendo o boxe e explicando como a preparação para a luta ajudou-o a superar uma depressão.
Popó pode não ter nocauteado o influencer, mas ganhou, de maneira automática, 3 milhões de seguidores no Instagram, além de turbinar suas outras redes.
No próximo dia 23 de março, o ex-campeão voltará aos ringues para mais um combate inusitado, que será parte da programação do Danki Fight Show, a ser realizado no bairro de Jurerê Internacional, em Florianópolis (SC). Além da luta principal, o evento contará com outros 16 combates. Popó se digladiará com Guilherme Grillo, que se autointitula “Mago da Inteligência Artificial”.
“Eu fiz um estudo dos movimentos do Popó através da inteligência artificial (IA) e estou treinando muito para esse grande combate”, declarou Grillo.
Se o desfecho será estilo Bambam ou Whindersson, nem mesmo a mais poderosa IA da atualidade será capaz de prever. Mas Popó certamente faturará alguns bons trocados por sua participação em mais essa luta.
Perspectivas e riscos
Fábio Wolff, diretor da Wolff Sports & Marketing, acredita que o apelo de eventos como a luta entre Popó e Bambam “está no fato de juntar nomes midiáticos em situações antes impensadas e que geram a curiosidade do público”.
O lado um tanto sádico do público (de ver a celebridade se dando mal diante das câmeras) é outro elemento que não pode ser ignorado.
“O público quer polêmica, os veículos de mídia também. É o que vende”, ponderou.
Danielle Vilhena, responsável pela área de marcas da agência End to End, lembrou que o Fight Music Show é um tipo de evento que consegue, ao mesmo tempo, atrair amantes da luta, meros curiosos e também os fãs de celebridades.
“A fórmula utilizada pelo Fight Music Show engloba vários públicos que se engajam e consomem o evento. As novas audiências trazidas por este novo produto gerado serão exploradas e trabalhadas pelas marcas”, afirmou.
Wolff, porém, faz críticas à qualidade esportiva desse tipo de evento, em particular à luta entre Bambam e Popó.
“Na minha opinião, esse tipo de evento é focado no entretenimento e na promoção, ou seja, a preocupação com a qualidade do conteúdo esportivo não é o foco. Popó x Bambam não é o primeiro evento em que a qualidade esportiva foi um desastre. O evento Vitor Belfort x Evander Holyfield (realizado em 2021 e vencido pelo brasileiro) é outro exemplo de evento bem promovido, mas com qualidade técnica desastrosa”, disse.
Na visão do especialista, embora atualmente possam trazer boa visibilidade ao boxe, aproximando a modalidade de novos públicos, as lutas contra celebridades podem gerar um efeito indesejado ao esporte.
“Se os eventos repetirem a qualidade duvidosa, acredito que a fórmula irá desgastar a modalidade, em vez de promovê-la”, analisou Wolff.
Renê Salviano, CEO da Heatmap e especialista em marketing esportivo, por sua vez, reconhece que os organizadores desse tipo de evento têm grandes desafios, mas acredita que a fórmula pode continuar a ser promissora.
“O Fight Music Show terá que engajar o público que participa, inclusive, na montagem do card e na escolha dos participantes. O público já encara o evento como um show e agora é preciso explorar essas pessoas, utilizando-as em vários momentos da construção do espetáculo. O projeto tem tudo para se tornar um sucesso ainda maior e já demonstrou isso com as primeiras edições”, resumiu.