Brasil x Argentina: Entidades condenam violência, mas se esquivam de medidas práticas

Nicolás Otamendi sobe mais alto que a zaga brasileira para marcar o gol da vitória argentina no Maracanã - Reprodução / Instagram (@afaseleccion)

Entidades que comandam o futebol no Brasil, na América do Sul e no mundo pronunciaram-se a respeito da violência ocorrida no Maracanã, na noite desta terça-feira (21), quando torcedores brasileiros e argentinos iniciaram uma pancadaria nas arquibancadas, que por pouco não levou ao cancelamento do jogo válido pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2026.

Durante a partida, uma funcionária da empresa que presta serviços no estádio também foi vítima de agressões racistas desferidas pela argentina Maria Belem Mateucci. Segundo testemunhas, a torcedora teria se referido à vítima como “pedaço de macaco”.

O caso de racismo ocorreu no mesmo dia em que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) lançou o Relatório da Discriminação Racial no Futebol, que mostra um aumento de 50% nos casos de racismo nos estádios do país em 2022, em comparação com 2021. O documento foi elaborado mediante uma parceria institucional da entidade com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol.

Em sua nota oficial relativa ao ocorrido no jogo contra a Argentina, a CBF não fez menção ao caso de racismo ocorrido no estádio e procurou, conforme observou o Editorial da Máquina do Esporte publicado nesta quarta-feira (22), esquivar-se da responsabilidade pela violência verificada nas arquibancadas.

O texto da entidade alegou que “a única recomendação recebida pela CBF de qualquer autoridade pública ao longo de todo o período que antecedeu a partida entre Brasil e Argentina, foi uma recomendação do Ministério Público, da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Ordem Urbanística da Capital, para que ‘NÃO realizem partidas de futebol no ano de 2023 com o formato de disponibilização da carga total de ingressos através de um tíquete eletrônico apresentado mediante exibição do aparelho de telefonia celular, tal como ocorrido na partida da final da Copa Libertadores no dia 04 de novembro de 2023’ e que ‘Exijam no ano de 2023 dos torcedores que se aproximem das catracas a exibição de evidência física (tíquete de papel e/ou cartão de sócio torcedores) de que o torcedor possui um tíquete de ingresso para se aproximar das catracas do Estádio Mário Filho – Maracanã, de modo a evitar a invasão de torcedores que não possuam ingressos para assistir à partida'”.

Clique aqui para ler a nota na íntegra.

Conmebol

A Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) adotou uma linha muito similar à da entidade brasileira, na nota oficial divulgada também nesta quarta-feira (22).

Enquanto a CBF tirou o corpo fora, a Conmebol optou por fingir que o problema não é com ela. A confederação sul-americana iniciou o texto afirmando que “condena todas as formas de violência e sempre cooperará com ações que visem banir a violência, o racismo, a xenofobia e a discriminação”.

Em seguida, a Conmebol alegou que “vem trabalhando sistematicamente para erradicar esse flagelo que afeta o futebol sul-americano e mundial, e está à disposição para continuar colaborando em qualquer iniciativa que busque erradicar a intolerância e a violência no esporte”.

Porém, a entidade máxima do futebol no continente encerrou a nota nos seguintes termos: “Também, deixa constância que a Conmebol não é organizadora das eliminatórias para a Copa do Mundo. A elaboração das regras que regem as eliminatórias, bem como a decisão de abrir uma investigação e a aplicação de possíveis sanções, são de responsabilidade exclusiva da Fifa”.

Vale observar que a Conmebol fez questão de destacar o trecho em que se exime de qualquer responsabilidade em relação às Eliminatórias Sul-Americanas da Copa do Mundo 2026.

Fifa

Da mesma forma que CBF e Conmebol consideram a violência uma coisa intrinsecamente ruim e condenável, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) também expressou sua profunda indignação com as cenas lamentáveis registradas no Maracanã, antes do início de Brasil x Argentina.

O presidente da entidade, Gianni Infantino, fez questão de publicar em sua conta no Instagram uma arte com os seguintes dizeres: “Não há absolutamente nenhum lugar para a violência no futebol, dentro ou fora de campo”.

Ele ainda reiterou: “Tais eventos, como os vistos durante a partida entre Brasil e Argentina pelas eliminatórias da Copa do Mundo da Fifa no Estádio do Maracanã, não têm lugar em nosso esporte ou sociedade”.

E, por fim, proclamou: “Sem exceção, todos os jogadores, torcedores, funcionários e dirigentes precisam estar seguros e protegidos para jogar e apreciar o futebol, e eu peço às autoridades competentes que garantam que isso seja respeitado em todos os níveis”.

Infantino apenas não citou no texto quais medidas a Fifa, como entidade organizadora da competição, pretende tomar em relação ao ocorrido em Brasil x Argentina.

Publicação feita por Gianni Infantino, presidente da Fifa, nos stories do Instagram – Reprodução / Instagram (@gianni_infantino)

Argentina

Na Argentina, o episódio ocorrido no Maracanã vem sendo tratado como de repressão policial a torcedores do país. Esse foi o tom adotado pelo Olé, do Grupo Clarín, e o La Nación.

Ambas as publicações procuraram resgatar casos recentes em que as autoridades brasileiras teriam usado violência desmedida em relação não apenas a torcedores argentinos, mas também de outros países, como o Paraguai, em jogos de competições sul-americanas realizados no Brasil.

Nenhuma menção ao caso de racismo contra a funcionária do Maracanã foi feita. A bem da verdade, o principal assunto que hoje pauta o jornalismo esportivo na Argentina não é a violência ocorrida na partida diante do Brasil, mas sim o mistério em torno da permanência ou não de Lionel Scaloni, técnico campeão da última Copa do Mundo, à frente da seleção do país.

Entre os jogadores argentinos, a comemoração pela vitória histórica (foi a primeira derrota do Brasil em casa, em todas as edições já realizadas das Eliminatórias) dividiu espaço com as queixas pela repressão policial.

Foi o caso do zagueiro Nicolás Otamendi, autor do gol da vitória da seleção albiceleste. “É uma pena que mais uma vez nós, argentinos, soframos uma represália dessa dimensão cheia de ódio, com famílias, crianças chorando e com medo de que algo lhes aconteça. Isso tem que acabar de uma vez por todas”, publicou, em seu Instagram.

Leandro Paredes dedicou a vitória sobre o Brasil “aos torcedores que sofreram represálias por fazerem respeitar o nosso hino”. A confusão começou no momento em que brasileiros começaram a vaiar a execução do hino da Argentina. Vários atletas se enveredaram pelo discurso com ares nacionalistas.

Outros optaram por um tom mais conciliador, caso de Alexis Mac Allister. “O que aconteceu fora de campo não pode mais acontecer, todos temos que contribuir para dar uma boa imagem da América do Sul para o mundo”, publicou.

Um dos posicionamentos mais contundentes em relação ao ocorrido veio de Lionel Messi, maior ídolo da Argentina. “Grande vitória no Maracanã, embora seja marcada pela repressão aos argentinos, mais uma vez, no Brasil. Isso não pode ser tolerado, é uma loucura e tem que acabar agora!!”, afirmou.

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