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Fifa transformará a Copa do Mundo de 2026 no maior teste de precificação dinâmica do esporte

Estratégia já está consolidada em segmentos como entretenimento, comércio eletrônico, aplicativo de transporte, viagens aéreas e hotelaria, mas consumidores e até políticos criticam a utilização dela no esporte

Ingresso para duelo entre Portugal e Marrocos na Copa do Mundo da Rússia 2018 - Reprodução / Guia da Copa do Mundo

A Fifa colocou a precificação dinâmica no centro do debate esportivo ao aplicar o modelo na Copa do Mundo de Clubes deste ano e anunciar que usará o modelo também na Copa do Mundo de 2026. A prática, comum em outros setores, ajusta o valor dos ingressos em tempo real segundo algumas variáveis, como demanda, e levanta o dilema entre maximizar receita e preservar o vínculo com os fãs.

No Mundial de Clubes, disputado em condições similares às da próxima Copa (sediada em grande parte nos Estados Unidos e com diversas partidas de baixa demanda, ainda mais com 48 seleções ao todo), a entidade precisou cortar em até 84% os preços da partida de estreia entre Inter Miami e Al Ahly. Além disso, investiu ainda mais na divulgação do evento, o que já deve ter servido como uma espécie de termômetro para a demanda do esporte por lá.

Já para a Copa do Mundo de seleções, apesar de não ter sido divulgado exatamente como será implementado o modelo, a projeção da Fifa é de que 6,5 milhões de ingressos sejam vendidos, com arrecadação de US$ 3 bilhões com bilheteria. Além disso, há um detalhe importante: a entidade é quem operará a plataforma de revenda, sem limites definidos para os valores no mercado secundário, aumentando ainda mais os ganhos “residuais”.

O modelo gera resistência dos consumidores e até de políticos: Zohran Mamdani, favorito à prefeitura de Nova York, lidera uma petição que pede para limitar os preços e reservar 15% dos ingressos a preços acessíveis, defendendo que o torneio não vire um produto exclusivo para quem pode pagar mais.

Como funciona

A precificação dinâmica é consolidada em outros setores. Companhias aéreas e hotéis ajustam preços conforme antecipação da compra, ocupação e sazonalidade. Plataformas como o Uber usam o “surge pricing” (“aumento de preços”, em tradução livre), elevando tarifas conforme a demanda (se você já tentou pedir uma corrida em dia de chuva e trânsito, conhece bem a prática).

Já no comércio eletrônico, empresas como a Amazon aplicam algoritmos que consideram comportamento do usuário, estoques e concorrência. E no entretenimento, a Ticketmaster, por exemplo, adota o modelo em shows de alta demanda.

No esporte, variáveis como clima, horário, setor do estádio, adversário e desempenho recente da equipe são levados em conta, além do fator tempo. O primeiro clube de futebol a testar o modelo foi o Derby County, da Inglaterra, lá em 2012. Um estudo publicado na European Sport Management Quarterly analisou as partidas e mostrou que os preços subiam conforme a proximidade do jogo: quanto antes a compra, menores os valores. A experiência gerou ganhos de receita, mas também mostrou que o modelo só funciona de forma sustentável em cenários de alta demanda.

Desafio

O desafio é equilibrar lucro e pertencimento. Como aponta Richard Thaler, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, consumidores tendem a rejeitar aumentos percebidos como “injustos”, e, no esporte, segmento em que a ligação emocional é central, essa percepção pode corroer a relação com os fãs. Transparência, segmentação justa e comunicação ativa são caminhos para mitigar o risco.

Se der certo na Copa do Mundo de 2026, a iniciativa da Fifa pode redefinir a gestão de receita em grandes eventos e acelerar a adoção do modelo por ligas e clubes.

No entanto, se fracassar, pode gerar críticas (como comentou David, leitor da Engrenagem, ao prever que torcedores brasileiros devem se surpreender com os preços bem mais altos dos jogos da seleção em relação às demais partidas) e reforçar a ideia de que os algoritmos e a ganância estão afastando quem dá sentido ao espetáculo: o torcedor.

O conteúdo desta publicação foi retirado da newsletter semanal Engrenagem da Máquina, da Máquina do Esporte, feita para profissionais do mercado, marcas e agências. Para receber mais análises deste tipo, além de casos do mercado, indicações de eventos, empregos e mais, inscreva-se gratuitamente por meio deste link. A Engrenagem conta com uma nova edição todas as quintas-feiras, às 9h09.