O governo do Catar, nem em seus melhores sonhos, imaginava uma final tão perfeita para o projeto de visibilidade internacional do país com a Copa do Mundo de 2022. A França, do jovem Kylian Mbappé, enfrentará a Argentina, do experiente Lionel Messi, no próximo domingo (18), às 12h (horário de Brasília), no Lusail Stadium. Ambos são estrelas do Paris Saint-Germain, clube que possui relação umbilical com o Catar.
O PSG, como ficou conhecido o clube após seu processo de internacionalização, pertence à Qatar Sports Investment (QSI), empresa de capital fechado criada em 2005. A organização é subsidiária da Qatar Investment Authority (QIA), fundo estatal do Catar.
A compra do PSG fez parte do plano da empresa de diversificação de investimentos nas áreas de esporte, lazer e entretenimento. Foi a estratégia catariana de usar o esporte como uma forma de poder suave.
O termo, cunhado pelo cientista político Joseph Nye nos anos 1980, é usado nas relações internacionais para designar a capacidade de um Estado influenciar a opinião pública, usando elementos culturais e ideológicos para que seus objetivos sejam atingidos.
Pechincha
O Paris Saint-Germain foi adquirido em duas etapas. Na primeira, em junho de 2011, a QSI pagou € 50 milhões por 70% das ações do time. À época, o preço foi uma pechincha. O clube, criado em 1970, vivia mal das pernas, tinha desempenho pífio no Campeonato Francês (havia conquistado apenas duas vezes a competição) e dava prejuízo a cada temporada.
Para ficar com o controle do agora PSG, o fundo de investimentos catariano também assumiu os prejuízos daquela temporada, que haviam sido de € 19 milhões, e as dívidas acumuladas, estimadas entre € 15 milhões e € 20 milhões.
Em março do ano seguinte, a QSI comprou os 30% restantes por mais € 30 milhões. Nesse momento, o PSG já passava por profundas transformações, com o empresário catariano Nasser Al-Khelaifi tendo assumido a presidência da equipe.
Gastança
De primo pobre do futebol europeu, o PSG passaria a ser um dos clubes mais gastadores nas janelas de transferências. Nos anos seguintes, chegaram estrelas como Zlatan Ibrahimovic, David Beckham, Neymar, Kylian Mbappé e, mais recentemente, Lionel Messi.
Desde a compra do time, a QSI já desembolsou mais de € 1,3 bilhão em contratações de jogadores. Atualmente, o PSG possui o sexto maior faturamento do futebol mundial. O clube fechou a última temporada com € 619 milhões em receitas.
O PSG, porém, lidera outra incrível estatística: para manter seu elenco estrelado, é quem mais gasta com salários. O total chega a € 386,84 milhões por ano.
Obsessão
Principal instrumento de propaganda do Catar no mundo da bola, o PSG passou a dominar a Ligue 1, a primeira divisão da França. Desde a venda para a QSI, foram oito títulos do Campeonato Francês, que fazem do PSG, hoje, o clube com mais conquistas na competição ao lado do tradicional Saint-Étienne, que não ganha o torneio desde 1981.
A obsessão passou a ser a conquista da Uefa Champions League, título que ainda falta na galeria de troféus do PSG. O ápice, por enquanto, foi ter chegado à decisão da temporada 2019/2020. Naquele ano, a fase final foi inteiramente disputada em Lisboa (Portugal), com rígidas normas de segurança sanitária por causa da pandemia de Covid-19 que assolava o planeta.
Mesmo com um time já estrelado por Neymar e Mbappé (ainda sem Messi), o PSG não fez frente ao invicto Bayern de Munique, que venceu por 1 a 0, gol do francês Kingsley Coman. Por coincidência, um ex-jogador do próprio PSG e que está no elenco da França para a final da Copa de 2022.
Esforços
O governo do Catar, por sua vez, havia assumido um papel de protagonismo no mundo da bola em 2010. À ocasião, venceu uma disputa acirrada na licitação da Fifa para sediar a Copa do Mundo de 2022. Pela primeira vez desde o Mundial de 1934, o país anfitrião seria uma seleção que nunca havia disputado anteriormente a competição.
Nesse aspecto, pouca serventia tiveram os investimentos na seleção local, que fracassou nas tentativas de se classificar para os Mundiais de 2014, no Brasil, e 2018, na Rússia.
O desafio não se limitava aos gramados. O país precisava construir oito estádios de alto nível em escala global, além de erguer toda a infraestrutura básica: aeroporto internacional, rede hoteleira, restaurantes e estradas para receber torcedores, meios de comunicação, seleções e dirigentes da chamada “Família Fifa”.
Os gastos, financiados pelas grandes reservas locais de petróleo, são um recorde na história da Copa do Mundo: mais de US$ 220 bilhões. Como comparação, a edição do Brasil 2014, até então a mais cara de todos os tempos, havia consumido US$ 15 bilhões. O Catar gastou quase 15 vezes mais.
Direitos humanos
Para erguer toda a estrutura de que o país quase despovoado precisava, foi necessário a importação de mão de obra de países pobres, principalmente do sul da Ásia. Índia, Bangladesh, Paquistão, Nepal e Sri Lanka foram as nações que mais enviaram operários para o Catar.
Muitas vezes, porém, essa mão de obra pouco qualificada atuava no sistema de kafala, na qual uma empresa patrocinava a viagem do operário, retinha seu passaporte e, muitas vezes, obrigava-o a trabalhar em sistema análogo à escravidão. O Catar acabou proibindo esse sistema no país.
No entanto, ONGs como Human Rights Watch e Anistia Internacional fizeram várias denúncias de desrespeito aos direitos humanos no país, arranhando a imagem de festa e união que o Catar queria propagar ao planeta ao se tornar a primeira nação árabe a sediar uma Copa do Mundo.
Kylian Mbappé
Com o decorrer do Mundial da Fifa, as esperanças catarianas de redenção pela bola estão prestes a se tornar realidade. A competição se desenrolou sem maiores incidentes, apesar de manifestações políticas ocasionais de seleções e torcedores nas arquibancadas.
Os protestos por direitos LGBTQIAP+, proibidos no Catar, viraram coadjuvantes dos grandes feitos obtidos por Mbappé e Messi, ambos com cinco gols na competição e, portanto, também disputando a artilharia da Copa do Mundo, além da Taça Fifa.
Se o craque francês vencer a Copa do Mundo, conquistará seu segundo troféu do torneio com apenas 23 anos (completará 24 apenas dois dias após a final). Em 2018, foi um dos destaques na campanha vitoriosa na Rússia.
Em nível de clube, seu maior desafio ainda é conquistar uma edição da Champions League para o PSG e a Bola de Ouro de melhor jogador do mundo, troféus que não faltam para seu companheiro de clube na França e rival no torneio de seleções no Catar.
Lionel Messi
Aos 35 anos, Lionel Messi sabe que o Catar será a última oportunidade de coroar uma carreira vitoriosa em times europeus com a conquista da Copa do Mundo com a camisa de sua seleção.
Pela Argentina, Messi soma apenas dois títulos oficiais, ambos recentes. Em 2021, foi campeão da Copa América, vencendo a seleção brasileira na final, no Maracanã, por 1 a 0.
Neste ano, ganhou a Finalíssima, torneio que coloca em campo o vencedor da Copa América para enfrentar o campeão da Euro. Em Londres, em junho, a Argentina bateu a Itália por 3 a 0.
Ainda é muito pouco para quem possui no currículo 10 títulos do Campeonato Espanhol, 4 taças da Champions League e o recorde de 7 Bolas de Ouro de melhor jogador do mundo pela Fifa. A Copa do Mundo é a única conquista que falta na galeria de troféus daquele que é considerado um dos melhores de todos os tempos.