Para especialistas, roupa dada a Messi ao erguer taça da Copa foi ato invasivo e de propaganda

Uma imagem que causou estranheza no público que assistia à entrega da taça da Copa do Mundo ao capitão da Argentina, Lionel Messi, neste domingo (18), foi a vestimenta dada ao craque pelo xeque Tamim bin Hamad Al Than, emir do Catar.

A espécie de túnica preta transparente acabou sendo utilizada pelo jogador em um dos gestos mais tradicionais e fotografados da competição, o de erguer a Taça Fifa. Para a Argentina, esse momento era ainda mais especial, já que o país não conquistava o título da Copa do Mundo há 36 anos.

“Foi um gesto de extremo mau gosto. Foi impositivo para o Messi. Ditatorial. Descaracterizou o ato de entrega da taça. Maculou uma imagem clássica da Copa do Mundo que é o capitão erguendo a taça. É uma das imagens mais clássicas da história da Copa do Mundo”, lamentou Ary Rocco Júnior, professor da área de gestão esportiva da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (EEFE-USP).

A vestimenta usada por Messi, chamada de bisht, é utilizada sobre um thobe (túnica usada até o tornozelo no mundo árabe) em momentos especiais. É um símbolo da realeza e, no Catar, é bordada com fios de ouro. Na Copa do Mundo, porém, o elemento quebrou o protocolo.

“Depois da forma como o Catar foi escolhido sede da Copa, as denúncias sobre a eleição da Fifa, o recorde de morte de trabalhadores e o desrespeito aos direitos humanos, eu diria que a veste no Messi é a cereja do bolo”

Ary Rocco Júnior, professor da área de gestão esportiva da EEFE-USP

Constrangimento

Para Fernando Fleury, CEO da Armatore Market+Science e colunista da Máquina do Esporte, embora o bisht seja uma vestimenta usada como maneira de distinguir pessoas diferenciadas na cultura de países do Golfo Pérsico, o uso durante a cerimônia de premiação poderia ter criado um embaraço ainda maior.

“O ponto é que o Messi aceitou. Mas, dependendo do atleta, poderia ter gerado um desconforto grande”, analisou Fleury, lembrando casos como o de Kylian Mbappé, que escondeu a marca da Budweiser ao receber premiação de melhor jogador da partida durante a Copa do Mundo.

“Se temos atletas que estão escondendo patrocinadores relacionados a temas que eles não gostam ou concorrentes ao seus, poderíamos ter tido ali uma situação bastante constrangedora. No meu entendimento, não foi adequado e foi um grande erro de protocolo”, completou.

Messi retirou o bisht após a cerimônia de premiação – Reprodução/ Twitter (@FIFAWorldCup)

Propaganda política

Para o jornalista Carlos Massari, cocriador do “Copa Além da Copa”, projeto que discute questões geopolíticas ligadas ao esporte, a iniciativa do governo local vai muito além de querer mostrar um elemento tradicional do país.

“Não vou acreditar nunca que o Catar está fazendo alguma coisa de maneira inocente. Teve o fator propaganda política, exaltando aquele que pode ser visto por muitos como o maior [jogador] de todos os tempos”, criticou Massari.

“Vi análises que diziam que o Catar roubou para si o maior momento da carreira do Messi. Foi um jeito de colocar uma imagem do país nesta foto histórica”

Carlos Massari, cocriador do “Copa Além da Copa”

Estranheza

Rocco Júnior viu na iniciativa uma ação do governo do Catar de se apropriar de um momento que não era dele, gerando uma imagem icônica que ficará para a história.

“O teórico da comunicação Niklas Luhmann [1927/1998] dizia que, como a comunicação está muito padronizada, o que de fato comunica é o que causa estranheza, foge do padrão. Foi um gesto de muito mau gosto e que macula uma marca que está plenamente identificada com a Copa do Mundo”, complementou, referindo-se ao gesto de o capitão erguer a taça.

Sportswashing

De acordo com Massari, a quebra de protocolo e o fato de constranger Messi a usar a vestimenta tradicional catariana foi mais uma estratégia de utilização da Copa do Mundo como instrumento de propaganda. E não se pode esquecer o fato de que Messi joga no PSG, cujo dono é a Qatar Sports Investment (QSI), empresa de capital fechado subsidiária da Qatar Investment Authority (QIA), fundo estatal do governo do Catar.

No entanto, mesmo com toda essa imposição, o embaraço por usar a vestimenta no momento mais importante da carreira foi tão grande que o jogador retirou o bisht tão logo teve oportunidade.

“É uma ação de sportswashing. Uma maneira de exaltar o Messi, mas também de tomar os holofotes para o Catar. E utilizando um jogador do PSG”, apontou Massari.

Sportswashing é um termo utilizado para a prática de empresas e governos que usam o esporte para melhorar sua reputação desgastada por ações erradas como corrupção e desrespeito aos direitos humanos.

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