Duas medalhas de ouro, uma de prata e uma de bronze. O desempenho do Brasil no Mundial de Esportes Aquáticos, em Roma, foi o melhor da história, mas ainda assim a Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) sofreu críticas de parte da imprensa, que encarou o sucesso de César Cielo como um fato isolado. Para reverter esse quadro, a entidade fala em repatriar o velocista e ampliar a conversa com os principais clubes do país.
A promessa é de Coaracy Nunes, presidente da CBDA, que falou com exclusividade à Máquina do Esporte. Além de ressaltar o seu bom relacionamento com Minas Tênis Clube, Pinheiros e Santa Cecília, as três principais agremiações da modalidade, o mandatário adiantou que pode traçar projetos em conjunto.
?São clubes altamente bem administrados. Eu acho que não é nada demais se a confederação fizer uma operação triangular envolvendo recursos para melhorar os nossos atletas?, disse Coaracy.
O dirigente usa os quartos lugares de Thiago Pereira, Kaio Márcio e os revezamentos brasileiros como resposta às críticas. O dirigente não admite, inclusive, que a preparação no exterior tenha sido o diferencial para César Cielo conquistar o ouro nos 100m e 50m livre.
?Os outros nadadores não estão com o Brett [Hawke, técnico de Cielo em Auburn, nos Estados Unidos], e 16 fizeram finais. Os nossos técnicos são muito bons. Estudam e querem entender a nova tecnologia. Os outros resultados justificam que os nossos técnicos são excelentes?, disse Coaracy.
Leia a íntegra da entrevista a seguir:
Máquina do Esporte: Qual é o balanço que o senhor faz do Mundial para o Brasil?
Coaracy Nunes: A natação é um esporte exato. Você sabe qual atleta tem possibilidade de medalha ou de ir à final. Nós sabíamos que esse campeonato ia marcar uma nova era na natação brasileira. Nós estamos acompanhando isso perfeitamente. Eu informei à imprensa que era a equipe mais forte que estávamos levando para fora. Nós tínhamos o Thiago [Pereira] com bons tempos em duas provas. O Henrique [Barbosa] podia ter pegado até medalha. O Kaio [Márcio] foi quarto lugar. As meninas, com a Daynara [de Paula] e a Gabriela [Silva], também nos surpreenderam. Nós sabíamos que iríamos muito bem, surpreendendo o esporte brasileiro e mundial com 18 finais, o que prova que temos 18 atletas entre os melhores do mundo. Isso nos deu uma repercussão enorme, foi nota dez para a natação. Recebemos centenas de elogios e telefonemas. Os Correios, a Gol e a Penalty, os nossos patrocinadores, estão muito felizes. E estamos partindo para obter um novo patrocinador. O nosso contrato com os Correios não exige exclusividade. O resultado foi o maior instrumento de marketing da natação brasileira. O nosso revezamento, por exemplo, brigou em todos e ficou em quarto, mas à frente da Inglaterra e de diversos outros países de tradição. A repercussão aqui foi impressionante, dá para que a natação vai ficar cada vez mais popular. As empresas privadas vão ter de entrar em um esporte vitorioso como a natação. E os nossos nadadores que vem aí são tão bons ou melhores que esses que vem agora. Nós tivemos vários recordes no Campeonato infantil, no Juvenil e no Júnior. Acho que a nossa equipe em 2012 vai ser ainda mais forte.
ME: E como está essa negociação de patrocínio?
CN: Estamos em entendimento, mas não tem nada resolvido ainda. É um contrato que vai nos dar condições de criar projetos. A nossa ideia agora, por exemplo, é criar a natação à distância, pela internet. Hoje nós já temos um curso virtual de pólo aquático. Os atletas funcionam como modelos e são remunerados por isso, enquanto os técnicos são os professores.
ME: Qual a importância dos clubes para esse sucesso?
CN: Olha, o meu companheiro de competição foi o Toni Moreno, presidente do Pinheiros. Eu obtive duas credenciais VIP, e ele se sentou comigo em todas as provas. Estamos conversando com o Minas [Tênis Clube] também. São clubes altamente bem administrados. Amanhã eu posso fazer um convênio com o Pinheiros ou com o Minas. Como também com a Santa Cecília. Nós podemos estudar isso. Eu me dou muito bem com o Marcelo Teixeira [presidente do Santos e da universidade da Baixada Santista]. A única Maratona Internacional que eu faço no Brasil é em Santos, no aniversário da cidade. Eu acho que não é nada demais se a confederação fizer uma operação triangular envolvendo recursos para melhorar os nossos atletas. Nós já estamos fazendo isso. Toda a delegação foi para a Espanha e para Portugal, e nós que pagamos. Já o Cielo e o técnico dele quiseram ir para Cannes e Barcelona, e foram, também custeados pela CBDA. Mas o clube é a piscina do atleta, e gasta com cloro todo dia. Eles também têm custos. Eu quero fazer isso ficar cada vez mais forte.
ME: Qual é o papel do Cielo nessa geração?
CN: O Cielo é o maior nadador da história do Brasil e da América Latina. Eu só o comparo a um Popov e um Phelps. Fora isso, ele é fora de série e foi líder dentro e fora da piscina. Nós fazíamos reuniões todos os dias. Eu dizia que os atletas estão carentes, precisavam colocar isso para fora. Nas últimas reuniões, ele assumiu uma condição de líder, dizendo o que deveria ser feito. O papel dele foi importante pelas medalhas, mas também para a equipe. A equipe tinha o Cielo como um espelho, e ele assumiu a condição de capitão. Ele é perseverante e destemido, e definiu.
ME: Esse sucesso não é reflexo da preparação que ele faz nos Estados Unidos?
CN: Não sei. Nós estamos até estudando uma possibilidade de trazer o Brett [Hawke, técnico do nadador nos Estados Unidos] para o Brasil. Ele gosta de treinar aqui, mas esse técnico foi fundamental na evolução dele, e nós entendemos isso. Me parece até que nesse semestre ele vai treinar aqui.
ME: Mas é apenas o técnico o diferencial? Ele não sentiria uma diferença de estrutura?
CN: Não. Hoje somos nós que damos essa estrutura para ele. Quando ele quer viajar nós entendemos que temos de investir nele. O Cielo não teria nenhum problema aqui com a CBDA, que daria todas as condições para ele.
ME: Mas ele foi o nosso único medalhista de ouro, e treina lá nos Estados Unidos. Não seria uma mostra de que o nosso corpo técnico também precisa evoluir?
CN: Os outros nadadores não estão com o Brett, e 16 fizeram finais. Os nossos são muito bons. Eles estudam e querem entender a nova tecnologia. Os outros resultados justificam que os nossos técnicos são excelentes. O pessoal lá ficou espantado de ver os brasileiros nas finais toda hora. O nosso Thiago bateu na trave duas vezes, assim como o revezamento. Acho que com um pouquinho de sorte seria diferente.
ME: Essa diferença entre o quase e a medalha não seria exatamente uma diferença na preparação? Ou o senhor entende que realmente trata-se de sorte?
CN: Olha, o Thiago teve tudo o que ele pediu. Não faltou nada. Só que tirou o quarto lugar, e apertando. Esse leque de grandes nadadores tem tudo o que é necessário para a sua estrutura. É uma questão de tempo, ou sorte. É normal o nosso revezamento ficar seis centésimos da medalha de bronze? Ou o Thiago estar em segundo e ficar em quarto?