Em cinco anos, o Internacional passou de clube com risco de ser rebaixado no Campeonato Brasileiro para campeão do Mundial de Clubes, vencendo o Barcelona na final. Essa mudança dentro de campo é reflexo de uma grande organização que aconteceu fora dele e que teve como um de seus comandantes o então presidente Fernando Carvalho.
Com problemas para pagar os salários em dia e com a grande rotatividade de treinadores, o ex-mandatário do clube gaúcho apostou em um modelo de gestão empresarial, com uma filosofia de metas no curto, médio e longo prazo.
“Começamos a fazer um planejamento estratégico de gestão, com a participação de conselheiros, atletas e torcedores, e traçamos metas. Em 2005, conseguimos montar um grupo competitivo, mas não vencemos o Campeonato Brasileiro por questões de arbitragens nefastas. Apesar disso, conseguimos consolidar um trabalho e a nova filosofia passou a ser respeitada até hoje”, explica Fernando Carvalho.
Esse sucesso no Internacional permitiu que o ex-presidente se aventurasse em outro campo: o lucrativo universo das palestras. Apesar de não revelar quanto ganha por sessão, o ex-dirigente fechou acordo com uma empresa especializada e excursiona para diversas cidades do Brasil.
“Eu procuro contar histórias sobre o começo do meu trabalho no Inter, como ele transcorreu, algumas curiosidades. Essas palestras são voltadas às empresas, já que a gestão que fizemos no Inter foi empresarial. Então é feita uma correlação com criatividade, liderança, grupo de trabalho, mobilização, entre outros pontos. Essa comparação é feita com a minha experiência no Internacional”, conta Carvalho.
Nesta entrevista exclusiva à Máquina do Esporte, Fernando Carvalho faz um raio-x sobre os seis anos que esteve à frente do Internacional, opina sobre a tendência de atletas e treinadores se tornarem palestrantes e diz que, no Clube dos 13 – entidade em que ocupa o cargo de diretor -, existe uma corrente favorável à ruptura com a CBF e à criação de uma liga independente.
Leia a seguir a entrevista na íntegra:
Máquina do Esporte: Como foi o início do trabalho do senhor no Internacional?
Fernando Carvalho: Tivemos um primeiro ano com muitas dificuldades, pois tivemos que contratar muitos jogadores, por conta da Lei Pelé. Esses contratos, porém, eram na maioria de um ano. Isso criou muita dificuldade para motivar os atletas ao longo desse período, pois quando já estava chegando no fim do contrato eles ficavam pensando no ano seguinte. Eles não tinham um vínculo nem conosco nem com o clube que os emprestou. Por isso fomos campeões gaúchos, chegamos a ficar em quarto no Campeonato Brasileiro, mas no final tivemos que lutar contra o rebaixamento.
ME: Apesar de os contratos serem curtos, o clube teve algum problema financeiro naquela época?
FC: Tivemos um problema sério de atraso nos salários, pois as nossas receitas eram pequenas. A cota da TV, que era a nossa maior fonte de receita, era paga semestralmente. Então, quando recebíamos, já tínhamos um custo financeiro muito elevado, o que resultou nos problemas.
ME: Quando esse panorama mudou em sua administração?
FC: Em 2003 nós começamos a retomada. Passamos a fazer contratos mais longos, apostamos na filosofia de manutenção de um treinador e alguns jogadores foram promovidos com êxito das categorias de base. Então o trabalho passou a ter uma seqüência. Mantivemos esse espírito de convicção e continuidade.
ME: Mas logo no ano seguinte o Internacional mudou essa filosofia, pelo menos em relação aos treinadores…
FC: Houve um retrocesso em 2004, porque perdemos o Lori [Sandri] e o Joel [Santana]. Mas o Muricy [Ramalho] voltou e ficou até o fim do ano seguinte. Além disso, passamos a melhorar o Beira-Rio, pois ações no patrimônio mobilizam a nação colorada. Começamos a fazer um planejamento estratégico de gestão, com a participação de conselheiros, atletas e torcedores, e traçamos metas. Em 2005, conseguimos montar um grupo competitivo, mas não vencemos o Campeonato Brasileiro por questões de arbitragens nefastas. Apesar disso, conseguimos consolidar um trabalho, e essa nova filosofia passou a ser respeitada até hoje.
ME: Essa continuidade então foi determinante para as conquistas inéditas da Copa Libertadores e do Mundial de Clubes da Fifa?
FC: Em 2006, nós tivemos que contratar o Abel [Braga], mas continuamos seguindo a filosofia anterior. Apostamos na manutenção dos dirigentes e demais funcionários do futebol e fomos atrás do grande título. Nos preparamos detalhadamente para a disputa da Libertadores. Cuidamos de todos os aspectos, como a mobilização da torcida, que foi feita por meio de uma campanha publicitária. Além disso, assumimos publicamente a necessidade de se negociar um ou dois atletas para pagar os compromissos. Isso passou a integrar a nossa gestão e melhorou o nosso estágio administrativo. Pagamos os nossos compromissos em dia e avançamos.
ME: Em 2006 o Internacional também lançou o seu projeto de sócio-torcedor que acabou servindo como inspiração para diversos clubes do país…
FC: Nós conseguimos mais de 42 mil sócios e foi uma campanha que não foi exposta publicamente no início. Além disso, conseguimos essas associações de forma totalmente desvinculada dos resultados dentro de campo, o que foi importante para o clube como um todo.
ME: O mandato do senhor terminou no ano passado. Desde então, o senhor passou a dar palestras em diversos lugares do país. Como aconteceu essa transição?
FC: No final do ano passado, antes do Mundial, fui procurado por duas entidades para fazer palestras no início do ano. Aceitei, mas para mim foi uma coisa curiosa. Não tinha essa pretensão. Fiz uma, depois outra, e começou a aparecer convites constantemente. Como não estava muito organizado para isso, fui convidado por uma empresa chamada Ampla [Brasil Eventos]. Ela tem vários palestrantes e passou a promover algumas palestras minhas.
ME: Qual o tema de suas palestras?
FC: Eu procuro contar histórias sobre o começo do meu trabalho no Inter, como ele transcorreu, algumas curiosidades. Essas palestras são voltadas às empresas, já que a gestão que fizemos no Inter foi empresarial. Então é feita uma correlação com criatividade, liderança, grupo de trabalho, mobilização, entre outros pontos. Essa comparação é feita com a minha experiência no Internacional.
ME: Como o senhor vê o número cada vez maior de atletas e treinadores que se tornam também palestrantes?
FC: Eu acho extremamente positivo. No esporte, a gente vive um momento de grande angústia, dificuldade, alegria e estamos permanentemente sobre pressão e fiscalização da opinião pública. Essas passagens têm uma repercussão muito positiva em uma possível comparação com as empresas, pois os executivos também vivem em um mundo extremamente competitivo. Esse público não tem o foco da mídia ou do torcedor, mas tem o da concorrência, do cliente e para quem ele destina o seu trabalho. Pessoas que tenham tido uma trajetória que demonstre esse conteúdo, como Bernardinho, Felipão e Rogério Ceni, fatalmente terão sucesso nessa área. Porém, se a palestra não for adequada e bem feita, acaba se esvaziando. Então é preciso ter cuidado.
ME: Além de ser ex-presidente do Inter, o senhor é um dos diretores do Clube dos 13. Qual a importância dessa entidade para o futebol brasileiro?
FC: Ela é muito importante, pois representa os interesses dos clubes perante alguns órgãos, como a televisão, os patrocinadores. O futebol é tratado como um negócio, então é certo enfrentar esse tipo de situação de uma forma mais global em vez de cada um defender seus interesses individualmente.
ME: Pelo fato de negociar os interesses dos grandes clubes brasileiros, o Clube dos 13 pode ser considerado uma força paralela à CBF?
FC: O Clube dos 13 é uma força dos clubes que tem uma convivência pacífica com a CBF. Existe um respeito mútuo entre as duas partes.
ME: Existe a possibilidade ou mesmo o interesse de se montar uma liga apenas com os membros do C13?
FC: Isso é possível pela lei, já foi objeto de várias discussões internas, mas nunca avançou. Eu não acho adequado nesse momento, pois temos ótimas relações internas. Alguns membros acham essa uma boa idéia, mas eu não acho. A CBF tem uma relação com a Fifa importante, então cabe a ela ser a entidade dirigente.
ME: Mas um campeonato apenas com os membros do Clube dos 13 acabaria sendo mais viável economicamente para os clubes?
FC: Da maneira que existe o Clube dos 13, atualmente, em termos de exploração de marcas, assessoramento nas negociações, acho que está bom assim: a CBF vai dirigir as competições e nós continuamos representando os interesses dos clubes.