O mercado de licenciamento esportivo, em especial no futebol, está fechado. Essa é a visão de Martin Lanusse, country manager da Pro Entertainment, agência argentina que ingressou no Brasil em 2001 e tem como clientes 35 clubes brasileiros, desde potências nacionais, como Corinthians e Flamengo, até membros da Série C.
Em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte, o executivo argentino aponta escassez de agências voltadas para a área de produtos licenciados no pais. “A maioria dela é pequena, e quem quis entrar não conseguiu”, avalia Lanusse, que se mudou para o Brasil há uma década para gerenciar a unidade brasileira da empresa.
De qualquer modo, embora afirme que o mercado esportivo está crescendo de maneira generalizada, também em razão da proximidade de grandes eventos esportivos, como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, a área de licenciados, diz ele, dificilmente irá representar fatia significativa da receita dos clubes de futebol locais.
“Sem dúvida, quem mais gera renda com licenciados no Brasil são Corinthians e Flamengo, em função do número de torcedores que eles têm, mas 95% das receitas sempre serão oriundas patrocínios, vendas de jogadores, bilheterias e contratos de televisão”, afirma o executivo. O Internacional também é um exemplo positivo.
Entre outros assuntos, Lanusse, cujo sotaque espanhol ainda permanece intacto, embora entenda a língua portuguesa perfeitamente, explicou como é o processo de desenvolvimento de produtos licenciados. O gerente detalhou minuciosamente qual é o papel da Pro Entertainment, dos clubes e das fabricantes nesses negócios.
Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:
Máquina do Esporte: Como surgiu a Pro Entertainment e o que ela faz no Brasil?
Martin Lanusse: A Pro nasceu há 13 anos, na Argentina, dentro do grupo Torneos Y Competencias, que tinha todos os direitos da Fox na América Latina e do Campeonato Argentino. Era uma mistura de Globo com Traffic. A Pro nasceu dentro desse negócio para lidar com licenciamento em clubes de futebol. Eles criaram o Torneos Y Competencias Entertainment, na época, para fazer merchandising de clubes, como fazemos hoje com os brasileiros. Um dos sócios caiu, mas mantivemos todos os clientes. Era desconfortável continuar com o mesmo nome, então abrimos duas unidades de negócio, uma de esportes e uma de entretenimento, voltada para eventos, sobretudo para o público infantil.
ME: E quando você vieram para o Brasil?
ML: Em 2001, abrimos escritório no Brasil. Em 2002 e 2003, já tínhamos um portfólio de dez clubes de futebol. A estratégia da Pro foi fazer licenciamento esportivo, por meio de quase todos os clubes brasileiros. Em 2004 e 2005, já tínhamos quase todos os principais. Fizemos um acordo com a antiga FBA [ex-responsável por gerir a segunda divisão brasileira] e representávamos os 20 clubes da FBA, mais Vasco, Botafogo, Fluminense, Cruzeiro, Atlético-MG, Internacional, Grêmio, Coritiba, Atlético-PR, Paysandu, Remo, enfim, clubes em todas as regiões.
ME: Vocês também trabalham com entretenimento no Brasil?
ML: Há três anos, assim como na Argentina, depois de posicionar a empresa na área de esportes, decidimos abrir a unidade de entretenimento. Já representamos a LG, a saga Crepúsculo e alguns desenhos animados muito conhecidos.
ME: Dá para unir esporte e entretenimento? Como?
ML: Embora nosso core business seja licenciamento, ou seja, o que mais e melhor a gente faz, temos também a união entre entretenimento e esporte. A gente abriu opções de negócio para trabalhar o conteúdo que geramos. Na Argentina, há um departamento de pré-temporadas e amistosos muito forte.
ME: Vocês já tentaram fazer isso no Brasil?
ML: Na área de eventos, sempre temos propostas para que times brasileiros joguem fora do Brasil, mas nunca deu certo, porque o calendário, de alguma forma, não ajuda. Neste mês, mesmo, houve proposta para o Santos jogar fora, mas o calendário não deixou. Há demanda, mas nunca conseguimos. O ano já começa com Estaduais, Libertadores, Copa do Brasil, depois tem Brasileiro, Sul-Americana, de quatro em quatro anos ainda tem Copa América no meio, tudo isso com 12 dias de férias, então teríamos de lidar também com sindicatos. Não funciona.
ME: Atualmente, qual é o alcance da Pro Entertainment no Brasil?
ML: Hoje, trabalhamos com 35 clubes. De alguma forma, com todos os principais. Há até clubes da Série C, que agora estão na terceira divisão, mas que representam de alguma maneira oportunidade de negócio para nós. O América-MG, por exemplo, que não esteve na primeira divisão nos últimos anos, em Minas Gerais, é muito forte. Precisamos deles no nosso portfólio.
ME: Qual é o serviço que a Pro Entertainment oferece?
ML: Criamos um processo de trabalho no qual fazemos captação, negociação, seja por Lei de Incentivo ou não, mandamos para o cliente verificar o produto, traduzimos o que é licenciamento de forma muito visual, fazemos contratos, digitalizamos todos os documentos, algo que nos coloca à frente de outras agências e até dos clubes.
ME: Como está o mercado de licenciamento no Brasil atualmente, do ponto de vista das empresas?
ML: O mercado hoje tem muito poucas agências. A maioria é pequena, e quem quis entrar não conseguiu. Há barreiras naturais, como a troca de presidências dos clubes, com mandatos muito curtos, que fizeram com que quem quisesse entrar no licenciamento esportivo não tivesse muito sucesso. Só nós estamos há tanto tempo, dez anos.
ME: O que é preciso para trabalhar nessa área com clubes, que muitas vezes têm ambientes políticos conturbados?
ML: Para trabalhar com clube, precisa ter know-how muito forte, conhecer bem as pessoas dentro do dele, saber quem será o novo presidente, quem é a diretoria de marketing, os funcionários, saber se a imagem do clube é boa, se a gestão é eficiente, se trabalha com alguma agência ou consultoria, enfim, é um conjunto de características que torna possível trabalhar com clubes. Hoje, há alguém no Palmeiras, por exemplo, e amanhã terá outra pessoa, e depois outra, e depois outra, e só quem está no mercado há tanto tempo consegue se adaptar rápido a essas mudanças.
ME: Como funciona a parceria entre clube e empresa responsável por fabricar o licenciado?
ML: O clube faz contrato de cessão de marca. Ele cede a marca para a empresa, que paga renda fixa, uma garantia mínima. Depois, recebe royalties, de acordo com as vendas, e esse valor é abatido da renda mínima.
ME: Onde a Pro Entertainment entra nesse negócio?
ML: Em tudo isso, a Pro ganha comissão. A Pro faz um trabalho ativo de captação de empresas. Ficamos o dia inteiro ligando para empresas de vários segmentos. Com o mailing que vamos comprando e atualizando, dividimos as empresas de forma racional, entre as que já conhecem o que é licenciamento, e essas são as que têm mais chance de dar certo, as que têm distribuição nacional, as regionais e as que nunca ouviram falar em licenciamento. Apresentamos ao clube como ele pode usar a própria marca para penetrar em mercados diferentes, em redes que ele não conseguiria entrar sem essa estratégia, e ele topa ou não.
ME: Como funciona a divisão dos ganhos?
ML: Negociamos com a empresa que ela terá de produzir produtos para determinados times, que ela terá de pagar valor mínimo para cada um deles, mais uma porcentagem de royalties para cada um deles, sempre com um contrato para cada clube envolvido na negociação – normalmente, mais de um. Os contratos envolvem as três partes, nos quais há renda mínima, royalties, cortesias para o clube usar em eventos, e em tudo isso existem propoções de divisão entre o time e a Pro, como 75% para o clube e 25% para nós em todos esses quesitos.
ME: O clube tem alguma função nesse processo?
ML: A Pro se torna a agência administradora do contrato, e isso significa que o cliente tem de nos enviar comprovantes de pagamento, para apurar os royalties a serem pagos, enfim, todas essas burocracias. O clube não tem de trabalhar. O princípio básico de ter agência é terceirizar uma área que a empresa tem mais eficiência, foco e resultados.
ME: E aí o clube pode se concentrar em outras áreas.
ML: Sim. Nós dizemos: deixe que a gente faz, e você pode focar nos negócios que sabe fazer melhor, que é captação de patrocínios, vendas de jogadores, pensar nas bilheterias e negociar contratos de televisão. Deixe o licenciamento conosco, que estamos muito bem montados, já comprovamos no mercado que somos o que mais faz licenciamento no Brasil e vamos gerar mais resultado, e você tem menos custo, menos dor de cabeça.
ME: Quanto representa o licenciamento no orçamento dos clubes?
ML: De qualquer maneira, 95% das receitas ainda são patrocínios, vendas de jogadores, bilheterias e contratos de televisão. Mas sempre vai ser assim. De qualquer forma, quando o mercado esportivo cresce, o licenciamento cresce junto, mas sempre será muito menor que outras receitas. Posso dizer, com segurança, que Corinthians e Flamengo faturam hoje dez vezes mais do que faturavam há cinco anos com licenciamento.
ME: Qual é o clube que melhor lida com licenciamento? O Internacional?
ML: O Inter, sem dúvida, tem uma gestão muito boa. O torcedor colorado consome muito, confia na marca e embarca em qualquer conceito que o clube lança. O Internacional tem um sócio-torcedor que é um dos maiores do mundo, com sócios cadastrados, adimplentes, ativos. Mas, sem dúvida, quem mais gera com licenciamento é Flamengo e Corinthians. Eles conseguem contratos maiores, em valores, e projetos especiais porque têm muitos torcedores. São Paulo, Vasco, Internacional e Palmeiras também vão bem, mas são os dois que mais conseguem.
ME: Os valores devem variar, mas dá para estimar quanto esses clubes ganham?
ML: O licenciamento de clube grande de futebol fatura mais ou menos na mesma faixa que uma marca infantil mediana, buscando referências no nosso trabalho em eventos, porém menos do que uma grande marca infantil, como Homem-Aranha.