Para organizar uma Copa do Mundo, o Brasil não pode adotar planos ousados e deve projetar um Mundial do seu tamanho, de acordo com a sua atual condição econômica e social. Dentro dessa mentalidade, o ideal seria reformar e não construir novos estádios, para poupar gastos. Essa é a receita do deputado federal Silvio Torres (PSDB-SP), criador do Estatuto do Desporto.
Para o deputado, que foi reeleito nas últimas eleições, a organização dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro, serve como um alerta para uma possível Copa do Mundo no Brasil.
“A realização do Pan já está mostrando como o esporte no Brasil é desorganizado. São vários segmentos envolvidos, Estado, iniciativa privado, o Comitê Olímpico, e estamos correndo o risco de ter instalações que não estarão acabadas até o Pan. Por isso eu acredito que a organização de um evento como a Copa do Mundo não pode ficar na mão da CBF e do Estado”, afirma Torres.
Além de criticar a forma como o projeto para sediar a Copa do Mundo de 2014 está sendo feito, o deputado federal também não poupa críticas a possível escolha de Pelé como presidente do Comitê Organizador do Mundial.
“Tudo que ele já administrou não o credencia para isso. Ele pode ser uma pessoa importante, mas não podemos entregar a ele um projeto de uma Copa do Mundo. Nem a ele, nem à CBF”, completa o deputado federal.
Em entrevista à Máquina do Esporte, Silvio Torres fala dos entraves na aprovação do Estatuto do Desporto, comenta sobre a Bancada da Bola, além de criticar a Timemania, a CBF e o modelo administrativo atual dos clubes.
Leia a seguir a entrevista completa:
Máquina do Esporte: O Estatuto do Desporto, criado pelo sr., já está pronto. Por que ele ainda não foi aprovado?
Silvio Torres: O projeto foi aprovado no ano passado, na comissão especial, e só falta ser votado. Mas o que ocorre é que não há um consenso. Mesmo depois de ter sido tão debatido, existem resistências de setores, tanto do futebol, quanto de outras áreas. Existem resistências às mudanças que o Estatuto propõe, pois ele incorpora o Estatuto do Torcedor, a Lei de Moralização, Bolsa-Atleta.
ME: Os maiores opositores são os clubes?
ST: Existe uma grande resistência dessa cartolagem enraizada em determinados setores. Porque se mudarmos algumas coisas, eles temem perder o poder que tem. Temos algumas propostas que o futebol fica fora. Nós podemos discutir esses pontos sem problema.
ME: Qual foi a posição do governo em relação ao projeto?
ST: Eu não acho que o governo tem muito interesse em aprovar o projeto. O ex-ministro do Esporte, Agnelo Queiroz, nunca demonstrou qualquer interesse no projeto. Tanto é que chegamos a mandar algumas vezes alguns projetos de lei para a Câmara, mexendo na Lei do Passe, que já estava contida no próprio Estatuto e ele quis separadamente. Demonstrou que não tinha interesse em votar.
ME: Em relação à Timemania, o sr. acredita que ela realmente poderá ajudar o futebol brasileiro?
ST: A Timemania é um tapa-buraco do governo, como muitos outros. Vou pegar um exemplo bem próprio. As estradas estão todas esburacadas e eles resolveram tapar os buracos pensando que estavam resolvendo o problema do transporte no Brasil. É assim que eles estão pensando que vão resolver os problemas do futebol no Brasil. A Timemania é mais uma chance que foi dada aos clubes para que eles pagassem as dividas com o governo. E eles já tiveram inúmeras chances. Porém, não foi exigida nenhuma contrapartida, sem nenhuma garantia que os clubes voltem a se endividar. Nós perdemos a oportunidade de introduzir uma exigência que pudesse avançar a legislação, principalmente para o futebol. Eu fiz a emenda que permitia que houvesse no máximo uma reeleição, além de uma em que os clubes participantes deveriam abrir suas contas junto ao Ministério Público.
ME: A mudança para clube-empresa poderia tornar a Timemania mais justa?
ST: Era o que eu queria. Era a forma que eu acho que deveria fazer o futebol brasileiro mudar. Se não responsabilizar os dirigentes por aquilo que eles fizerem na gestão, se não der transparência e se você não modernizar as relações, não tem saída para o futebol brasileiro.
ME: Por quê?
ST: O futebol brasileiro está quebrado. A maioria das federações está quebrada. Noventa e nove por cento depende de mesada da CBF. A CBF pega o botim todo pra ela, boa parte é desviada e tudo isso continua acontecendo. Ela é muito mal administrada, não presta contas a ninguém, publica balanço e ninguém confia nele. Então o futebol brasileiro resiste porque é uma coisa muito forte. Tem um manancial de atletas que acaba projetando o Brasil, seja através da seleção, seja através dos clubes. Mas se você for ver, estamos perdendo um grande potencial, o de fazer do futebol brasileiro uma alavanca, não apenas social e cultural, mas sim econômica. Pois ele mexe com muito dinheiro, mas poderia mexer com dez vezes mais se fosse administrado de uma forma mais seria e profissional.
ME: Existe algum clube brasileiro que o sr. acredita ser um modelo de administração atualmente?
ST: Eu gosto do modelo do São Paulo. O clube vem sendo bem administrado, apesar das brigas internas que tem, mas eu acho que eles adotaram um modelo mais profissional. Um dos mais próximos daquilo que acredito que poderíamos evoluir.
ME: E um mau exemplo?
ST: Isso é complicado. Pega um time como o Flamengo, que apesar de todo o aporte que teve, das parcerias que teve, deixa uma divida de R$ 120 milhões só com o governo. Pega um modelo como o Vasco, em que o Eurico Miranda está acima da lei, acima de tudo. Esses são os modelos que precisamos mudar. Em São Paulo também temos modelos que precisamos mudar. Mas parece que no Rio de Janeiro a coisa é mais grave.
ME: Como funciona o trabalho da chamada Bancada Bola no Congresso?
ST: O futebol tem um poder muito grande na sociedade. Existem cartolas que viram políticos e políticos que se associam aos cartolas em busca da popularidade que o futebol tem. O esporte tem um certo glamour. Então as pessoas se envaidecem e cedem. A bancada é formada por gente que se sensibiliza com acordos. Muitos representam os cartolas ou eram de clubes ou federações e são manipulados pela própria CBF, que é quem comanda todo o atraso no futebol brasileiro. Pessoas que se deixam levar, e não só na política, mas também no judiciário. Existem muitas pessoas que protegem essa cartolagem. A chamada Bancada da Bola é uma mistura de tudo isso.
ME: E como combatê-los?
ST: Falta moralização para enfrentar a CBF. Fazer crescer o número de apoios em prol da modernização do esporte. Eu vou lutar por isso. Hoje a relação da CBF com o Lula é muito boa. Aliás, desde que o Lula assumiu, o governo estabeleceu uma relação próxima com a CBF, dando cobertura. Porém, os atuais governantes jamais se interessaram em promover qualquer coisa que pudesse significar um avanço, no sentido de melhorar as relações no futebol.
ME: O sr. acredita então que a realização dos Jogos Pan-Americanos e de uma Copa do Mundo no país pode maquiar esses problemas o esporte brasileiro?
ST: A realização do Pan já está mostrando como o esporte no Brasil é desorganizado. São vários segmentos envolvidos, Estado, iniciativa privado, o Comitê Olímpico, e estamos correndo o risco de ter instalações que não estarão acabadas até o Pan. Por isso eu acredito que a organização de um evento como a Copa do Mundo não pode ficar na mão da CBF e do Estado. Uma mostra disso é que o pacto assinado inicialmente para o Pan tinha um custo de R$ 500 milhões. Hoje já está em R$ 5 bilhões.
ME: Nesse sentido, a criação de um grupo interministerial que ficará responsável pelo projeto do Brasil para a Copa do Mundo de 2014 é um ponto positivo?
ST: O que precisa ser feito é um Comitê Organizador que tenha representatividade da sociedade civil com o governo. Entregar para as pessoas certas e que todos possam confiar, não só pelo direcionamento de recursos, mas também pela competência de vencer esse desafio que é sediar a Copa do Mundo. Uma Mundial colocará um grande holofote sob o país. Na Alemanha, foram meses e meses de divulgação de como é o país, de como funciona a sociedade, a política. Vai acontecer a mesma coisa no Brasil. O país vai ser dissecado pela opinião pública internacional. Depois vem a própria realização, que se não for um sucesso, pode acabar com a imagem do país. É quase uma questão de Estado a realização de uma Copa no Brasil.
ME: Mas a Copa do Mundo deveria então ser realizada apenas com verba da iniciativa privada?
ST: Tem que ter uma parceria. O Estado precisa garantir determinadas condições estruturais, como segurança, saúde, transporte coletivo…
ME: E a questão dos estádios. O Brasil deveria construir novas arenas ou reformar as existentes?
ST: Essa questão dos estádios é complicada. O que nós vamos fazer com os estádios depois? O governo vai construir e depois entregar para a iniciativa privada? Os nossos estádios já são ociosos, e ainda querem fazer mais elefantes brancos. Eu sou favorável a reforma dos estádios. Temos fazer a Copa do tamanho do Brasil. O Brasil não é a Alemanha, então não tem que fazer um Mundial como eles. A África fará uma Copa diferente da realizada pelos alemães. Não podemos querer construir, fazer investimentos que não temos condições de fazer.
ME: O sr. acredita que o orçamento da Copa do Mundo do Brasil poderá estourar como aconteceu com o Pan?
ST: A dúvida é se eles vão gastar para uma Copa da Alemanha e farão uma Copa da África. Temos que projetar para fazer uma Copa que atenda todas as necessidades, mas sempre se lembrando que cada país tem a sua limitação. Não podemos desviar recursos e não ganharemos tudo da iniciativa privada. Podemos investir muito menos recuperando alguns estádios, por exemplo. Temos outras prioridades para pensar. Imagina se a aviação comercial brasileira está preparada para receber uma Copa do Mundo. Imagina o transporte coletivo. Temos oito anos para avançar na direção de um projeto bem definido. Mas temos que colocar uma administração suprapartidária, alguém desvinculado de interesses pessoais para conduzir o projeto, pessoas que tenham capacidade para aglutinar.
ME: O Pelé seria um bom nome?
ST: O Pelé não. Tudo que ele já administrou não o credencia para isso. Ele pode ser uma pessoa importante, mas não podemos entregar a ele um projeto de uma Copa do Mundo. Nem a ele, nem à CBF.