Imagine que o rebaixamento deixasse de existir na Série A do Brasileirão. Esse cenário representaria o mundo dos sonhos para alguns clubes considerados grandes e tradicionais, mas que deixaram de ser competitivos em tempos recentes, por conta de problemas administrativos e financeiros.
Por outro lado, o fim do rebaixamento sepultaria projetos promissores de equipes que estão nas divisões inferiores do futebol verde e amarelo.
Essa hipótese, que pode ser considerada impensável para o contexto brasileiro, tornou-se uma realidade no México.
Na temporada 2019/2020, a Federação Mexicana de Futebol (FMF) decidiu suspender os rebaixamentos no campeonato nacional, que tem o nome de Liga MX.
A medida, que seria válida por seis temporadas, deveria ter chegado ao fim em meados deste ano. Porém, o Campeonato Mexicano segue sem rebaixados ou promovidos.
Um brasileiro, o advogado Eduardo Carlezzo, foi escolhido por um grupo de clubes da segunda divisão, que se chamava Ascenso e hoje é conhecida como Liga Expansión, para dar fim a essa situação.
O profissional elaborou recurso apresentado à Corte Arbitral do Esporte (CAS), na Suíça, solicitando que o sistema de promoção e rebaixamento retorne à Liga MX.
O caso alcançou enorme repercussão no país, sendo considerado a maior disputa judicial da história do futebol mexicano.
Entenda a polêmica
Apesar do nome que possui, a Liga MX não é competição independente organizada pelos clubes. O campeonato é promovido pela FMF.
Até a década passada (o país segue o calendário europeu), a competição costumava rebaixar o último colocado. Ao mesmo tempo, a Liga Ascenso (hoje Expansión) promovia o campeão de cada edição.
“É um sistema incompreensível para nós, brasileiros, que estamos acostumados a quatro sendo rebaixados e quatro subindo. Estamos tendo de brigar para que pelo menos um caia e outro seja promovido. É totalmente desproporcional, no meu entendimento. Mas é o sistema”, diz Carlezzo.
Na temporada 2019/2020, por conta da pandemia da covid-19, a FMF decidiu suspender o rebaixamento na MX e a promoção na Ascenso.
À época, a medida contou com respaldo dos times da segunda divisão, porque era considerada necessária (diante o cenário de pandemia) e temporária.
Mas o tempo passou, o auge da pandemia chegou ao fim, os estádios foram reabertos e o retorno do rebaixamento caiu no esquecimento, pelo menos entre os clubes da Liga MX.
“Quem manda na Federação Mexicana são os times da Liga MX. Para eles, a situação se tornou cômoda”, explica Carlezzo.
De acordo com o advogado, o fim do rebaixamento na primeira divisão mexicana é parte de um movimento mais amplo dos grandes clubes do país, que tentam desvincular a Liga MX da FMF, criando um torneio independente e fechado, sem quedas ou acessos, nos moldes da Major League Soccer (MLS), dos Estados Unidos.
“Essa situação está matando não apenas os times pequenos do México, mas também o próprio futebol mexicano, que perde competitividade”, argumenta Carlezzo.
Currículo de peso
A apelação dos clubes da Liga Expansión à CAS foi protocolada em 19 de maio deste ano. Inicialmente, dez times (de um total de 15) subscreveram a ação: Alebrijes de Oaxaca, Atlante, Atlético La Paz, Cancun FC, Cimarrones de Sonora, Atlético Morelia, Jaiba Brava, Leones Negros, Mineros de Zacatecas e Venados de Mérida.
Carlezzo foi escolhido por conta de sua atuação em outros episódios de grande repercussão internacional na América Latina, que acabaram sendo judicializados.
Entre eles, o caso ocorrido em 2015 no Estádio de La Bombonera, em Buenos Aires, durante a partida de volta das oitavas de final da Copa Libertadores, quando jogadores do River Plate foram atingidos por gás pimenta, enquanto atravessavam o túnel de acesso aos vestiários.
No ano seguinte, Carlezzo, representando a Federação Chilena de Futebol (FCF), conseguiu que a Bolívia fosse punida e perdesse pontos nas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2018, por conta da escalação irregular do jogador Nelson Cabrera.
Pressão da FMF
Na atual disputa pelo retorno do rebaixamento à Liga MX, o grande obstáculo enfrentado pelo advogado brasileiro consiste na pressão feita pela FMF sobre os clubes que aderiram à ação.
“Ao longo dos dias, a Federação tem usado suas armas para fazer os times desistirem. Tanto que quatro optaram por sair da ação”, diz Carlezzo.
Atualmente, permanecem como autores da apelação Leones Negros, Venados FC, Atlético Morelia, Cancún FC, Club Atlético La Paz e Mineros.
No mês passado, Giovanni Solazzi, vice-presidente do Cancún FC, e Alberto Castellanos, presidente dos Leones Negros, foram notificados pela FMF, após darem declarações públicas criticando a entidade, por não haver retomado o sistema de rebaixamento.
A Federação ameaçou multar os clubes em Mex$ 450 mil, por suposta violação do código de ética da instituição.
Quando a suspensão do rebaixamento foi aprovada pelos 18 times da Liga MX, um dos fatores que ajudaram a convencer os times da Expansión a endossarem a medida foi a oferta de uma compensação financeira de US$ 8 milhões, feita pela FMF.
Desde que os clubes apresentaram a apelação à CAS, porém, deixaram também de receber os repasses referentes a esse valor.
“O acordo tem uma série de cláusulas, e uma dessas cláusulas é que, se alguém processa a Federação, no que diz respeito ao processo, não recebe nenhum tipo de subsídio. Essa é uma questão legal que está no acordo, não tem nada a ver com algo repentino, o acordo está apenas sendo seguido”, argumenta Ivar Sisniega, presidente da FMF.