Ameaça contra meninas e mulheres aumenta mais de 20% em dias de jogos de futebol

Os boletins de ocorrências de ameaça contra mulheres aumentam em 23,7% quando um dos times de futebol da cidade joga. A informação foi levantada na pesquisa “Violência contra mulheres e o futebol”, idealizada pelo Instituto Avon e encomendada ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Para entender a relação entre o esporte e o enfrentamento às violências contra mulheres e meninas, o estudo analisou bases de dados de violência com informações de todos os dias de jogos do Campeonato Brasileiro entre 2015 e 2018 em cinco capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre.

“A pesquisa demonstra que há uma relação entre jogos de futebol e aumento de registros de violência doméstica”, contou Beatriz Accioly, coordenadora das áreas de pesquisa, impacto e enfrentamento às violências contra meninas e mulheres do Instituto Avon.

“Naturalmente, não estamos sugerindo que a causa seja o jogo de futebol, que é uma paixão nacional. Mas esse pode funcionar como uma espécie de catalisador das desigualdades de poder entre homens e mulheres, ao interagir com valores ligados a masculinidade, competitividade, rivalidade, hostilidade, pertencimento, virilidade e, por vezes, frustração”, acrescentou.

Aumento da violência

Entre os registros de lesão corporal dolosa, o aumento em dias de jogos dos times das regiões observadas é de 20,8%. Já nos dias em que o clube é o mandante da partida e joga na própria cidade e estádio, o levantamento identificou o aumento de 25,9% de registros policiais.

O estudo “Violência contra mulheres e o futebol” também revela que, em sua maioria, os responsáveis pelas violências são os companheiros e ex-companheiros.

“A pesquisa demonstra que há uma relação entre jogos de futebol e aumento de registros de violência doméstica”

Beatriz Accioly, coordenadora da pesquisa

“A violência relacionada ao futebol não é uma exclusividade brasileira e tampouco acontece apenas entre torcidas organizadas”, explicou Beatriz.

“No mundo, em países como a Inglaterra, por exemplo, quando a seleção perde, a violência doméstica aumenta até 38%, segundo uma análise feita entre os anos de 2012 e 2013. Nos Estados Unidos, o mesmo é observado na final do campeonato de futebol americano [Super Bowl], que representa um dos piores dias de registros de violência contra meninas e mulheres, com aumento de 40% de casos, segundo um estudo realizado em 1993”, complementou.

Estudo de gênero

A diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, lamenta que poucos estudos do gênero tenham sido realizados no país até o momento, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos e na Inglaterra.

“Infelizmente, a violência doméstica é uma realidade não só dos brasileiros, como demonstram os levantamentos realizados no exterior”, destacou.

“Mas é uma pena que ainda há poucos trabalhos no Brasil fazendo uma correlação com o futebol. Olhamos pouco para o que ocorre além das quatro linhas, e espero que esse estudo possa induzir um debate sério sobre o tema, ainda mais em ano de Copa do Mundo”, acrescentou.

Faixa etária

O estudo revela que os boletins de ocorrências por ameaça são maioria entre mulheres de 30 a 49 anos em São Paulo e Rio de Janeiro com percentuais de 49,7% e 49,6%, respectivamente, seguidas por Belo Horizonte com 48% de registros.

“Infelizmente, a violência doméstica é uma realidade não só dos brasileiros, como demonstram os levantamentos realizados no exterior”

Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Na análise de ocorrências por agressão física, a faixa etária mais afetada é de mulheres entre 18 e 29 anos, principalmente em Porto Alegre, cujo percentual corresponde a 37,4% dos casos. São Paulo vem na sequência, com 36,3%, seguida por Rio de Janeiro (35,9%) e Belo Horizonte (35,4%).

Perfil racial

O perfil racial das ocorrências é liderado por mulheres negras em Salvador e Belo Horizonte, que correspondem a mais da metade dos registros por ameaças e agressões.

Na capital baiana, o índice ultrapassa 80%. Já no Rio de Janeiro, elas representam 5 em cada 10 mulheres.

“O esporte e a paixão pelo time não podem abrir procedentes para violências contra meninas e mulheres. Para evitar que isso aconteça, é importante e necessário o debate sobre o assunto, principalmente com os homens. Para isso, precisamos contar com os próprios clubes e times”, pediu Beatriz.

Coalizão dos clubes

Recentemente, o São Paulo e o Sport passaram a integrar a Coalizão Empresarial Pelo Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas, assumindo o compromisso de intensificar ações internas em todas as categorias, com potencial de impacto na sociedade.

Os clubes integrarão as agendas de treinamentos de lideranças; ações para funcionários, categorias de base e time principal; e implementação de canais e projetos de apoio às suas profissionais para ambientes de trabalho seguros e que priorizem a equidade de gênero.

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