Dentro de algumas horas, os atletas do Maringá entrarão no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro (RJ), para aquele que pode ser considerado o jogo da vida do clube, fundado em 2010. Depois de vencer o Flamengo por 2 a 0 em casa, na partida de ida da terceira fase da Copa do Brasil, o time paranaense tem a chance de conquistar uma classificação histórica diante do atual campeão da competição nacional.
O Maringá pode perder por um gol de diferença que ainda assim ficará com a vaga. A direção do clube sabe que não será tão simples assim conseguir esse feito e opta por um discurso “pés no chão”, mas sempre procurando avançar. Postura que, aliás, tem marcado o atual momento da gestão da equipe, pioneira na adoção do modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF) no país.
O presidente do Maringá, João Vitor Mazzer, está na capital fluminense para acompanhar a decisão diante do Flamengo. Na tarde desta terça-feira (25), ele concedeu entrevista exclusiva à Máquina do Esporte, na qual comentou sobre todo o caminho que o clube percorreu até chegar a este momento em que recebe as atenções da mídia e dos torcedores de todo o país.
Saneando o Maringá
Com cerca de 450 mil habitantes, Maringá é a maior cidade em uma região que abrange cerca de 1,2 milhão de moradores no norte do Paraná (é a terceira mais populosa do estado). Apesar do amplo predomínio dos clubes da capital Curitiba, o município já teve seus dias de glória no Campeonato Paranaense, com o antigo Grêmio Esportivo Maringá (GEM), que inclusive foi bicampeão nas edições de 1963 e 1964 da primeira divisão do Estadual, além de haver participado da Taça Brasil em 1964 e 1965.
Extinto em 1971, o GEM, que mandava suas partidas no Estádio Willie Davids (hoje palco dos jogos do Maringá), deixou para trás um vácuo esperando para ser preenchido. Foi assim que, em 2010, surgiu o clube atual, com o objetivo de resgatar o futebol na cidade. Não demorou muito e logo o time surpreendeu a todos, deixando para trás os favoritos Athletico-PR (que se chamava Atlético, na época) e Coritiba, e chegando à final do Estadual de 2014, diante do Londrina, que se sagrou campeão.
Nos anos seguintes, contudo, a coisa desandou. O Maringá afundou-se em dívidas e caiu para a segunda divisão do Paranaense.
“Quando assumi, as dívidas deixadas pela antiga gestão estavam na casa de R$ 1 milhão. Precisei fazer 19 acertos trabalhistas”, recordou-se Mazzer.
Além das pendências trabalhistas, o Maringá também acumulava débitos cíveis e tributários. O primeiro passo da gestão de Mazzer foi realizar uma auditoria para “pôr na ponta do lápis” qual era a real situação do clube e, a partir daí, sanear suas contas.
“Montamos um projeto para dar certo na parte financeira”, explicou o dirigente.
SAF
Outro ponto importante para a recuperação do Maringá foi a ideia do presidente de convidar empresários locais a investirem no clube. Mas a proposta foi diferente da que costuma ser vista em equipes tradicionais, em que um torcedor provido de muito dinheiro surge disposto a investir a fundo perdido no futebol.
“A proposta do Maringá nunca foi o mecenato”, enfatizou Mazzer.
Um ponto crucial para o modelo pensado pelo presidente era de que os empresários que apostassem no projeto pudessem obter retorno do investimento. Mas isso esbarrava nas limitações legais do modelo de gestão em vigor no país.
“Na sociedade esportiva, não havia como oferecer garantia de retorno do investimento. A coisa funcionava na base da confiança”, disse.
A partir de 2018 e 2019, porém, com o avanço dos debates em torno da regulamentação das SAFs, a direção passou a vislumbrar novas perspectivas para avançar em seu projeto de profissionalização e modernização do Maringá. Assim que o novo formato de gestão foi oficializado, o clube passou a explorar seus potenciais e os do próprio município onde está sediado.
“Tínhamos diante de nós um mercado inexplorado para o futebol. E também um estádio localizado na área central da cidade, que ocupa um dos metros quadrados mais caros de Maringá e de fácil acesso, pronto para ser utilizado”, explicou o presidente.
As experiências de rivais como Londrina e Operário, de Ponta Grossa, que chegaram à Série B do Brasileirão e ali permaneceram (o Operário foi rebaixado em 2022 e disputará a Série C em 2023), também serviram de inspiração para o projeto que se iniciava.
“Vimos que era um objetivo possível de ser alcançado”, lembrou.
Receitas e despesas
Quando comparado aos dos clubes da Série A do Brasileirão ou mesmo de equipes medianas dos campeonatos Paulista ou Carioca, o orçamento do Maringá pode parecer pequeno. Mas essas comparações tendem a ser muito relativas. Na disputa do Estadual deste ano, quando a equipe terminou em quarto lugar, a folha de pagamento do elenco girou em torno de R$ 280 mil. Para a disputa da Série D de 2023, que terá início em maio, os gastos com essa finalidade saltaram para R$ 420 mil.
Nos últimos tempos, porém, a equipe soube transformar a Copa do Brasil em uma fonte e tanto de receitas. Apenas por haver avançado à terceira fase da competição para encarar o Flamengo, o Maringá já abocanhou o valor bruto de R$ 3,75 milhões. Desse montante, cerca de 10% fica retido para o pagamento de taxas, enquanto outros R$ 760 mil foram para bancar a premiação dos atletas.
Se fazer história derrubando o todo-poderoso atual campeão da Libertadores, o Flamengo, time que mais fatura no Brasil, não representar um incentivo suficiente para os jogadores, o “bicho” que os aguarda em uma eventual classificação para a próxima fase da Copa do Brasil certamente trará um ânimo a mais para o elenco do Maringá.
Caso essa hipótese venha a se concretizar, o clube paranaense garfaria mais R$ 3,3 milhões, dos quais R$ 300 mil iriam para taxas e R$ 650 mil seriam para o “bicho” dos atletas.
As premiações oferecidas pelas competições representam, atualmente, um componente importante das finanças do Maringá. No caso dos valores alcançados com a campanha da Copa do Brasil, eles quase cobrem todo o orçamento provisionado pela agremiação para as despesas com futebol em 2023, previstas em R$ 3,875 milhões.
Mas os prêmios estão longe de ser a única fonte de receita. A análise das finanças do Maringá mostra que o clube tem diversificado sua arrecadação. Em 2020, 84% do faturamento vinha dos patrocínios. Esse peso percentual foi caindo, até chegar a 65% no ano passado. Em termos absolutos, porém, a quantia só cresce, saltando de R$ 485 mil, em 2020, para os R$ 2,52 milhões projetados para 2023.
Também neste ano, o matchday (conjunto dos gastos feitos por torcedores nos jogos em casa) já responde por 26% do total faturado pelo Maringá. Em contrapartida, as rendas provenientes dos direitos de transmissão e da venda de jogadores correspondem a 4% cada uma.
Por fim, o programa de sócio-torcedor ainda tem participação pequena nas receitas do clube, mas o Maringá projeta crescimento para este ano. A meta é atingir 1.500 novos membros no programa, com tíquete médio de R$ 331 ao ano, perfazendo uma receita de R$ 496,5 mil.
Negociação de atletas
Historicamente, clubes de cidades do interior sempre tiveram o perfil de fornecer atletas às equipes maiores. Não por acaso, a venda de jogadores costuma ter um peso significativo na renda de algumas dessas agremiações. Mas, no caso do Maringá, conforme mostrado acima, essa fonte de receita ainda tem um impacto reduzido nas finanças do time.
Mazzer explicou que os recursos oriundos das negociações de atletas são tratadas como receitas extras não operacionais, pois não podem ser controladas pela gestão do clube, além de dependerem de um trabalho de longo prazo na formação de jogadores. Ainda assim, nos últimos anos, o Maringá tem ampliado seu faturamento proveniente dessa fonte.
No ano passado, seis jogadores foram negociados com times da Série B do Brasileirão, com opção de compra. Em 2023, o Maringá já emplacou quatro atletas na Série A, sendo três no Coritiba e um no Goiás, além de um no Juventude, que está na segunda divisão nacional. Para 2024, a projeção da equipe é faturar R$ 1 milhão com essas negociações.
Em busca de um lugar na Série B
Ao comentar sobre as chances de classificação de seu time diante do Flamengo, Mazzer optou por um tom comedido.
“Há vários fatores para serem analisados, a começar o formato da competição, que é um mata-mata. Estávamos em um dia muito feliz, com a cidade comovida, o time em boa fase. E ainda fomos favorecidos pelo adiamento da janela de transferência, de modo que pudemos contar com jogadores que não poderão ser usados na partida de volta. Além do mais, o Flamengo não estava tão bem e não conseguiu explorar todo seu potencial”, analisou.
“Por outro lado, se tivéssemos apenas empatado em casa contra o Flamengo, teríamos esperança de nos classificar”, ponderou.
No fim das contas, o presidente admitiu que tudo é possível.
“Nosso trabalho é aumentar as chances da nossa equipe”, disse.
Comedido o presidente também é ao fazer um prognóstico para o Maringá no futebol brasileiro. Para este ano, a meta é estar entre os clubes que disputarão uma vaga na Série C de 2024.
“Pelos estudos que fizemos com base na realidade da Série D, penso que temos condições de estar no grupo de dez equipes com chance de subir”, afirmou.
Mas o objetivo é ir além. Se não chegar ao primeiro escalão, ao menos figurar bem no segundo.
“Acreditamos que existe um lugar para nós na Série B, onde poderemos permanecer estabilizados”, declarou Mazzer.
As perspectivas “pés no chão” também se repetem quando o dirigente traça as metas para o clube no tema modelo de negócio.
“Queremos ter um clube superavitário, economicamente sustentável e que possa ser considerado um case de sucesso no interior do Brasil”, finalizou.