Apesar de não representar uma situação inédita no país, o caso Bruno Henrique, que foi indiciado pela Polícia Federal (PF) pela participação em um suposto esquema de manipulação de apostas esportivas, é o primeiro que envolve um atleta em atividade em um grande clube do futebol brasileiro.
Outros escândalos famosos, como os de Luiz Henrique e Lucas Paquetá, ocorreram em times do exterior.
Segundo a investigação da Operação Spot-fixing, o atacante do Flamengo teria forçado um cartão amarelo durante a partida contra o Santos, realizada em 1º de novembro de 2023, no Estádio Mané Garrincha, em Brasília (DF), válida pelo segundo turno da Série A do Brasileirão, com o objetivo de favorecer familiares que apostaram nesse palpite, nos valores máximos permitidos, em diferentes sites.
Na opinião de Pedro Porcaro, especialista na área de esporte e entretenimento do escritório Madrona Advogados, clubes e federações deveriam investir em um trabalho de conscientização, de modo a coibir o problema da manipulação de resultados.
“É fundamental que a CBF [Confederação Brasileira de Futebol], as federações e os clubes realizem um trabalho para conscientizar sobre os riscos dessa prática e também as punições que ela pode acarretar. Seria algo similar ao que já é feito para a prevenção ao doping”, afirmou Porcaro.
Para o especialista, os escândalos que eclodiram nos últimos tempos no país podem estar associados ao fato de a regulamentação do setor de apostas esportivas brasileiro ainda ser recente.
“A legislação tem cerca de um ano e meio de existência, mas está formalizada há pouco mais de 100 dias. É necessário que o mercado e os players amadureçam”, analisou.
O advogado lembra que, até o momento, o Brasil não registrou penas severas para atletas envolvidos em manipulação, como as vistas nos casos de doping, por exemplo.
Medidas de prevenção
Segundo Porcaro, a agenda reguladora da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF) prevê, para este ano, a adoção de mecanismos de autoexclusão nos sites que operam no país.
“A ideia é que, quando forem identificados CPFs de familiares e pessoas ligadas a atletas, esses usuários sejam automaticamente excluídos pelas casas de apostas”, afirmou.
O trabalho de monitoramento das apostas, como o que vem sendo feito atualmente pela Sportradar para entidades como Fifa e CBF, representa, para ele, outra importante medida de prevenção.
Porcaro lembra que, em fevereiro deste ano, a SPA firmou parceria com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, com o objetivo de coibir a atuação de plataformas ilegais e também as apostas irregulares.
O especialista observa que, hoje, o problema da manipulação e das fraudes mobiliza organismos internacionais.
No fim de 2024, por exemplo, a Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu o mercado esportivo como um motor de desenvolvimento sustentável, mas alertou para a urgência de combater ameaças como manipulação de resultados, apostas ilegais e crime organizado.
“Em janeiro deste ano, foi realizado, em Brasília (DF), o Seminário Internacional sobre Integridade e Prevenção à Corrupção no Esporte, promovido pelo Ministério do Esporte em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, com o objetivo de aumentar a conscientização sobre o tema no contexto brasileiro”, destacou Porcaro.
Riscos
O modo como o mercado de apostas esportivas se estruturou, a partir da experiência na Inglaterra, traz também fatores que acabam por contribuir com os grupos envolvidos em esquemas de manipulação.
No caso de Bruno Henrique, por exemplo, os responsáveis pela suposta fraude aproveitaram-se da possibilidade oferecida pelas próprias plataformas e apostaram em uma situação que dependia das ações individuais do jogador para se concretizar.
“O grande problema é que o mercado se construiu dessa forma. Na Inglaterra, as pessoas apostam em tudo, até mesmo se determinado jogador irá comer algo no intervalo da partida”, argumentou Porcaro.
O exemplo citado pelo advogado pode parecer um exagero, mas ocorreu, de fato, no Reino Unido, em 2017. Naquele ano, o goleiro Wayne Shaw, do Sutton United, gerou polêmica após ser filmado comendo um sanduíche, sentado no banco de reservas, enquanto aguardava o fim da partida de seu time, válida pela Copa da Inglaterra.
À época, uma casa de apostas ofereceu uma premiação de 8 para 1 para usuários que arriscassem (e acertassem) o palpite de que o goleiro seria flagrado comendo um sanduíche, durante a transmissão do jogo.
Ao longo da carreira, Shaw sempre conviveu com problemas de peso. Em 2017, aos 47 anos de idade, o goleiro estava com 115 quilos. Ele admitiu que tinha conhecimento dessa modalidade de apostas oferecida pelo site, mas disse não ter se beneficiado da situação.
O atleta acabou sendo multado em £ 375 e suspenso dos gramados por dois meses pela Football Association (FA), entidade que controla o futebol no país.
Para Porcaro, a proibição de apostas que dizem respeito a ações individuais de jogadores poderia frear a manipulação, mas não acabaria com o problema.
“Nos esportes coletivos, você proibir apostas sobre atos individuais talvez ajudasse a coibir as fraudes. Mas não vejo isso como uma solução. Até porque existe a possibilidade de se apostar em torneios desconhecidos de modalidades individuais e que estão fora dos holofotes da mídia. A manipulação continuaria ocorrendo. O essencial, a meu ver, é investir na conscientização dos atletas”, enfatizou.