Com os “pés no chão”, Fortaleza constrói hegemonia no Nordeste e avança no cenário nacional

Torcedores do Fortaleza durante partida na Arena Castelão - João Moura / Fortaleza

O ano até poderia ter sido melhor para o Fortaleza. Mas os torcedores quase não têm do que reclamar. O clube terminou o Brasileirão 2023 no meio da tabela, em 10º lugar, com 54 pontos, acima de times tradicionais como São Paulo, Corinthians, Cruzeiro, Vasco e Santos.

Em uma cultura que tende a valorizar apenas os campeões, isso talvez possa não parecer muito, mas garantiu mais um feito histórico ao Leão, que, em 2024, se tornará a primeira equipe da Região Nordeste a permanecer por seis temporadas consecutivas na Série A. De 2003 para cá, o clube soma oito participações na competição.

Neste ano, o Fortaleza já havia alcançado outra marca relevante para o futebol nordestino, ao chegar à final da Copa Sul-Americana, contra a LDU (que acabou sendo campeã nos pênaltis). Foi a primeira vez, desde 1999 (quando o CSA disputou o título da antiga Copa Conmebol contra o Talleres, da Argentina), que uma equipe da região decidiu uma competição continental.

Se nas duas vezes a taça não veio, no caso do time cearense o que se pode observar é a continuidade de um projeto que vai, aos poucos, consolidando a hegemonia do clube no futebol nordestino e obtendo cada vez mais projeção no cenário nacional. É fato, no entanto, que o Fortaleza não possui (ainda) troféus de expressão nas competições de elite, como os de Bahia e Sport.

O time de Pernambuco, campeão da Copa do Brasil de 2008 e do polêmico Campeonato Brasileiro de 1987 (fato que rende muito debate com o Flamengo), continua a ser um dos líderes no ranking das equipes do Nordeste com mais participações, de um modo geral, na primeira divisão nacional, desde que o formato de pontos corridos foi adotado, em 2003. No total, foram 11. Porém, no ano que vem, seguirá na Série B, divisão para a qual caiu em 2021.

Vencedor da Taça Brasil de 1959 (título posteriormente unificado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF)) e do Brasileirão de 1989, o Bahia por enquanto tem também um total de 11 participações na Série A desde 2003. A partir de 2017, o time chegou a engatar cinco edições consecutivas na primeira divisão, mas acabou caindo para a Série B em 2021.

Em seu retorno à Série A neste ano, mesmo com os investimentos milionários feitos pelo City Football Group em contratações, a equipe não deslanchou e só conseguiu fugir do rebaixamento na última rodada, realizada nesta quarta-feira (6), graças, diga-se de passagem, à ajuda providencial do Fortaleza, que derrotou o Santos em plena Vila Belmiro, por 2 a 1, garantindo a combinação de resultados necessária para salvar o Bahia (que também fez sua parte, ao golear o Atlético-MG por 4 a 1).

O Fortaleza, além de permanecer na Série A do Brasileirão (contando com a companhia do Vitória e do próprio Bahia, os outros dois representantes do Nordeste, para 2024), está garantido em mais uma edição da Copa Sul-Americana.

A presença do Leão do Pici na competição internacional está longe de ser um ponto fora da curva. Em 2022, o clube já havia feito história ao se tornar o primeiro time cearense a jogar a Copa Libertadores (sendo o primeiro do Nordeste a obter a vaga via Brasileirão de pontos corridos). A equipe chegou às oitavas de final da competição continental e ainda conseguiu garantir nova vaga para a edição seguinte.

Trabalho de muitas mãos

Em entrevista exclusiva à Máquina do Esporte, o presidente do Fortaleza, Marcelo Paz, comentou sobre o processo que transformou o clube em um modelo elogiado de gestão pelo Brasil afora.

Logo no início da conversa, o dirigente fez questão de não puxar para si os louros pela boa fase vivida pela equipe.

“É difícil estabelecer um marco inicial de quando iniciou o processo, porque não quero trazer todos os méritos para a atual gestão. Acho que é uma construção coletiva. Quando se inicia o trabalho de uma gestão no clube, sempre tem prós e contras do que vem lá de trás. Eu acho que é um trabalho de muitas mãos”, afirmou.

A postura de Paz, nessa resposta, reflete o clima político do clube, que tende a ser mais propenso ao diálogo e à conciliação.

“Hoje, o Fortaleza é um clube de ótima relação política interna. As pessoas se dão bem, os ex-presidentes participam, estão presentes em jogos, em camarotes, em viagens. Não temos um ambiente hostil ou tóxico na gestão”, disse.

Série C

O grupo liderado por Paz está à frente do Fortaleza desde 2017. Antes dele assumir o cargo, o Fortaleza já havia experimentado o que era jogar lado a lado dos grandes clubes do país, com idas e vindas para a Série A, nos primeiros anos deste século.

Isso até o clube entrar em declínio a partir de 2006 e ir parar na Série C do Brasileirão, onde permaneceu por oito anos.

“Isso causou danos, porque eram baixíssimos os investimentos. Não havia dinheiro para estrutura, para categoria de base ou para grandes contratações. Então, quando a gente iniciou essa retomada, existiam déficits em todas as áreas: estrutural, base, hotelaria do clube, campo, academia, maquinário, tecnologia”, explicou Paz.

Essa fase complicada também afetava a própria relação do Fortaleza com o mercado.

“Tinha seus limitadores, porque não era um clube que estava na primeira prateleira. Então, é um processo que foi evoluindo. Ano a ano, fomos recuperando a estrutura, fomos colocando no nível que, hoje, é bastante elogiado por quem está no futebol. E sabendo que temos de seguir melhorando, não dá para parar. E também continuar ganhando credibilidade no mercado, com agentes, com clubes e com os jogadores”, destacou Paz.

Centro de Excelência

Em 2018, sob o comando do treinador e ex-goleiro Rogério Ceni, o Fortaleza conquistou o título da Série B e, consequentemente, a vaga na primeira divisão do Brasileirão no ano seguinte. À época, a equipe já sentia os primeiros resultados das transformações trazidas pela gestão liderada por Paz.

Segundo o presidente, o avanço estrutural vivido pelo clube a partir do fim da última década foi decisivo para que o Fortaleza pudesse passar a reter talentos no futebol.

“O que foi feito no Pici (modo como é mais conhecido o estádio do clube, em referência ao bairro onde está localizado), transformando no Centro de Excelência, isso foi de extrema importância. Muita coisa foi feita lá: novo vestiário, nova academia, novo setor de recuperação, novo gramado, nova hotelaria, refeitório, área de lazer para os jogadores, tudo. A partir daí, com os avanços e o time disputando competições maiores, cresceu o programa de sócio-torcedor, aumentaram outras receitas, e passamos a poder fazer investimentos maiores na aquisição de jogadores”, disse.

Apesar dos bons resultados trazidos por esses investimentos, Paz prefere ser adepto de uma postura bem cautelosa ao definir as estratégias do time.

“É um processo de passo a passo, mas sempre com os pés no chão e respeitando o orçamento do clube, sabendo que a conta vai chegar e tem que ser paga. Não é fazendo por empolgação ou sem o nível de comprometimento e de responsabilidade”, enfatizou.

Patrocínios

De acordo com o dirigente, a presença prolongada na Série A e as recorrentes participações em torneios internacionais têm ajudado na atração de parcerias comerciais para o Fortaleza.

“O patrocinador quer a sua marca exibida em grandes competições, para muitos jogos, em outros mercados”, afirmou.

Paralelamente a isso, segundo ele, o Fortaleza realiza um trabalho interno buscando qualificar seu departamento comercial para atuar não somente na prospecção de clientes e na comercialização de cotas de patrocínio, mas também na relação pós-venda.

“A ideia é atingir os objetivos do patrocinador. Não basta exibir a marca na camisa e achar que está bom, não. Temos de provar para ele que é um grande investimento, de modo que ele queira permanecer ou até mudar o espaço na camisa. Às vezes, o patrocinador entra com um espaço menor, vê que é bom e migra para um espaço maior”, explicou.

SAF diferente

Neste ano, o Fortaleza aprovou a criação de sua Sociedade Anônima do Futebol (SAF), mas que segue um modelo distinto do adotado pela maioria dos grandes clubes brasileiros que resolveram trilhar esse caminho, como Cruzeiro, Botafogo, Vasco, Bahia e Coritiba. Estes cinco entregaram o controle de seus capitais para investidores de fora dos clubes.

“É uma SAF que nasce diferente: 100% dela pertence ao Fortaleza Esporte Clube. Criamos a figura jurídica da SAF para termos um foco maior no futebol, uma gestão ainda mais moderna e profissional, com acesso ao mercado, a crédito e a uma possível emissão de debêntures”, afirmou Paz.

Ele admitiu, porém, que o clube está aberto à possibilidade de negociar partes das ações de sua Sociedade Anônima na bolsa de valores.

“No caso do Fortaleza, não há nenhuma intenção de venda de controle, ou seja, de negociar mais do que 50% das ações. O que queremos, quem sabe mais à frente, é encontrar parceiros que invistam na aquisição de 10% ou 20% do capital e façam parte da gestão. Porque é natural, quando se faz esse tipo de investimento, ter algum assento na gestão, como ocorre no mundo empresarial”, explicou Paz.

De acordo com ele, porém, essa decisão, se vier, não será colocada em prática imediatamente.

“Não é algo para janeiro”, afirmou.

Mas, na visão de Marcelo Paz, a Sociedade Anônima, por si só, não é a certeza da continuidade dos bons resultados do Fortaleza, nem dentro nem fora de campo.

“A SAF vem para que o clube siga evoluindo em termos de gestão. Mas isso não garante resultado. Não dá para dizer que a SAF vem para o time se manter em competição internacional. A SAF não é um fim, mas sim um meio. São as pessoas que fazem a diferença. São elas e o trabalho que podem gerar mais resultados. Mas entendemos que esse meio, a SAF, é uma forma de dar mais competitividade e trazer melhorias à governança. E assim, quem sabe, manter o clube no caminho do sucesso esportivo”, finalizou o presidente.

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