Em reunião realizada na noite desta segunda-feira (8), os membros do Conselho Deliberativo do Fluminense conheceram detalhes da proposta de investimento na Sociedade Anônima do Futebol (SAF), que sequer foi criada, mas que já vem sendo articulada pela atual diretoria, liderada pelo presidente Mário Bittencourt.
A apresentação foi feita por Carlos de Barros, sócio da Lazuli Partners e da LZ Sports, empresas que são responsáveis pela oferta. O evento contou ainda com a participação de Alessandro Farkuh, que comanda a área de fusões e aquisições do BTG Pactual, banco que assessora o clube no projeto da SAF.
Em linhas gerais, o modelo apresentado é bem próximo ao que foi noticiado no mês passado, pela Máquina do Esporte, consistindo na criação de um grupo de investidores (torcedores do Fluminense), que fariam os aportes para a aquisição da SAF.
Se a ideia inicial era reunir até 20 investidores, no fim das contas a LZ Sports (que é uma subsidiária da Lazuli Partners) conseguiu arrebanhar 40 tricolores com capital disponível para encarar essa empreitada. Entre eles, André Esteves, dono do BTG Pactual.

Qual será o aporte dos investidores na SAF?
Tal como havia informado a Máquina do Esporte, os investidores deverão aportar, inicialmente, um total de R$ 500 milhões, pela compra do capital majoritário da SAF do Fluminense.
Essa quantia garantiria ao grupo 65,8% das ações, enquanto os 34,2% restantes ficariam em poder do clube associativo.
Os percentuais, porém, estão diretamente relacionados ao tamanho da dívida do Fluminense, que, em dezembro do ano passado, estava em R$ 871 milhões.
Caso o passivo atinja um nível menor no ato da assinatura do contrato de venda da SAF, em decorrência de eventuais amortizações proporcionadas pela venda de atletas da base ou a premiação conquistada pelo time na Copa do Mundo de Clubes de 2025, a participação acionária da associação poderá aumentar, com um máximo estipulado de até 49%.

A proposta apresentada pela LZ Sports simulou cenários em que o grupo de investidores poderiam realizar um aporte adicional, a fim de obter o controle de 90% das ações da SAF.
Essa possibilidade poderia ocorrer até 2030, garantindo um investimento adicional que variaria de R$ 489 milhões a R$ 725 milhões, dependendo do percentual que já estivesse em mãos da LZ Sports.

Quanto vale de fato a SAF do Fluminense?
O valor da SAF do Fluminense é um tema complexo e influenciado por uma série de fatores. Como futebol envolve aspectos como paixão e emoção, que ultrapassam qualquer racionalidade de mercado, por vezes é difícil para um torcedor comum compreender como são estabelecidos tais números.
A proposta apresentada pela LZ Sports definiu o valor total das ações do Fluminense como sendo, hoje, de R$ 260 milhões.
Ocorre, porém, que o clube possui uma dívida líquida de R$ 871 milhões, que deve ser incluída no cálculo. Dessa forma, o valor bruto do Fluminense estaria em R$ 1,131 bilhão.
Se for somado a isso o aporte proposto pela LZ Sports, o valor do clube chegaria a R$ 1,631 bilhão.

O valor da dívida precisa ser incluído nessa soma, porque, em sua proposta, a LZ Sports se compromete a assumir o passivo, que hoje pertence ao clube associativo.
Carlos de Barros afirmou que a ideia é renegociar a dívida com os credores, até o fechamento da negociação.
A tendência é de que seja adotado o Regime Centralizado de Execuções (RCE), dispositivo previsto na Lei das SAFs e que garante prazos e condições mais vantajosas para uma equipe negociar e efetuar os pagamentos de suas dívidas.
Não está claro, ainda, se os recursos para o pagamento dessa dívida virão do bolso dos investidores ou se do caixa a ser gerado pelo Fluminense, ao longo dos próximos anos.
Quanto será investido de fato no Fluminense?
A proposta apresentada pela LZ Sports traz um compromisso de investimento de R$ 6,4 bilhões, ao longo de dez anos, que, somados ao aporte de R$ 500 milhões, resultaria em R$ 6,9 bilhões (cerca de R$ 690 milhões anuais).
Esse montante seria distribuído da seguinte forma: R$ 4,7 bilhões para folha salarial do elenco e da comissão técnica; R$ 1,1 bilhão na contratação de jogadores; R$ 359 milhões na formação de atletas, além de R$ 84 milhões para melhorias nos Centros de Treinamento e no complexo de Xerém; e outros R$ 143 milhões em royalties para o clube associativo.

A meta, segundo Carlos de Barros, é fazer a folha salarial da equipe saltar 40% até 2028, dos R$ 19,1 milhões mensais, registrados em 2024, para R$ 27,1 milhões.
Isso colocaria o Fluminense no “top 3 do Brasil” [em matéria de salários], nas palavras do executivo. “Estamos aqui para ganhar jogo”, declarou Barros.

De acordo com Carlos de Barros, a garantia de que esse montante virá de fato reside nas penalidades previstas aos investidores, entre elas, a suspensão nas eventuais distribuições de dividendos.
Vale observar que a atratividade de negócios envolvendo a compra de equipes esportivas, de um modo geral, tende a não ser baseada nos rendimentos distribuídos aos acionistas, mas sim no crescimento da operação em si. Ou seja, o investidor lucra não com dividendos, mas sim com a eventual valorização do time.
A questão das penalidades ainda não está fechada e poderá sofrer alterações até a definição do negócio da SAF.
Um aspecto interessante desse investimento de R$ 6,4 bilhões em dez anos, prometido pela LZ Sports, é que boa parte dele deverá vir das receitas que a própria SAF vier a gerar. Ou seja, da venda de atletas, dos contratos de patrocínio, dos acordos de mídia e de placas publicitárias e das possíveis premiações que vierem a ser obtidas durante esse período.
“Uma parte [dos investimentos] vem do aporte, obviamente. A outra vem da geração de caixa do clube”, afirmou Mattheus Montenegro, vice-presidente do Fluminense.
Em 2024, as arrecadação bruta do Fluminense ficou em R$ 684,176 milhões, segundo informações que constam no Demonstrativo Financeiro do clube.
O documento mostra que, no ano passado, a venda de atletas injetou R$ 268,169 milhões no caixa da equipe, situação que é potencializada graças às categorias de base do clube.
Pela proposta apresentada nesta segunda-feira, a SAF assumiria o controle das categorias de base, em Xerém (que hoje, representam o principal ativo do clube, gerando, em apenas um ano, mais da metade do valor que os investidores se propõem a aportar na equipe), além do futebol profissional masculino e feminino e do futsal. Enquanto isso, a sede nas Laranjeiras seguiria nas mãos da associação.
Como será o comando da SAF?
A proposta da LZ Sports prevê a criação de um Conselho de Administração da SAF do Fluminense, que contaria com a participação de oito membros indicados pelos investidores e dois representantes do clube associativo.
O Conselho Fiscal teria dois indicados pela LZ Sports e um nome ligado à associação. A diretoria da SAF contaria com um CEO, além de gestores nas áreas financeira, jurídica, comercial e de futebol.
Por enquanto, a LZ Sports não bateu o martelo, mas a tendência é que o cargo de CEO seja ocupado pelo presidente Mário Bittencourt, que deixará o cargo no clube associativo no fim deste ano e que foi o grande articulador do processo que poderá resultar na criação da SAF.

Para que a SAF seja criada e depois negociada com o grupo de investidores, porém, são necessárias as aprovações por parte do Conselho Deliberativo e depois da Assembleia Geral de Sócios do Fluminense.
Essas votações deverão ocorrer apenas depois de encerrada a eleição do clube, que está marcada para a segunda quinzena de novembro deste ano.
Atualmente, Bittencourt e Mattheus Montenegro são os principais fiadores da proposta da SAF no Tricolor.
Já o pré-candidato Luis Monteagudo, da oposição, tem criticado publicamente a negociação, apontando, inclusive, para um suposto conflito de interesse nessa operação.
O advogado, que lidera a chapa Tricolor de Coração, esteve ao lado de Bittencourt nas eleições de 2016 e 2019, tendo atuado recentemente em cargos de gestão no clube, incluindo o de diretor administrativo.
Outro pré-candidato da da oposição, Celso de Barros classificou os números apresentados pela LZ como “maquiagem” e definiu como “valor irrisório” a proposta de aporte, de R$ 500 milhões, feita pela empresa.