Desde o início de 2023, o termo “demissão em massa” passou a ser cada vez mais frequente nos portais de economia no mundo. No pós-pandemia, o bonde puxado pelas gigantes de tecnologia, como Meta e Google, parece ter embalado e feito com que outras empresas pegassem carona na redução da força de trabalho em larga escala.
O portal especializado em negócios e tecnologia Computer World traçou uma linha do tempo de todos os anúncios de demissões em massa feitos neste ano. Iniciado pelas big techs, os desligamentos foram migrando para outras áreas, como operadoras de telefonia, bancos digitais e grandes portais de mídia.
Diversas gigantes globais aparecem na lista, entre elas Alphabet (conglomerado do Google), Dell, Microsoft, PayPal, IBM e Yahoo. No entanto, o maior de todos os cortes é o da Amazon. Em janeiro deste ano, foram mais de 18 mil funcionários desligados, com o número ainda podendo chegar, escalonadamente, a 20 mil.
Mas será que essa série de reduções nas forças de trabalho podem afetar o esporte de alguma maneira? É o que veremos a seguir.
Golpe resvala no streaming mais importante dos e-Sports
Em 2014, a Amazon adquiriu a promissora rede de streaming de games Twitch (à época, com apenas três anos de vida) por um montante de US$ 970 milhões (cerca de R$ 4,9 bilhões, na cotação atual).
O unicórnio sediado em São Francisco, na Califórnia, ganhou notoriedade global durante o período pandêmico. Especialmente no Brasil, as transmissões do jogo “Among Us” fizeram muito sucesso, atraindo diversos públicos até mesmo de fora da bolha gamer. Entretanto, passado o período crítico da pandemia de Covid-19, o público passou a minguar.
De acordo com o Stream Charts, a média de audiência da Twitch em 2023 tem sido menor em relação ao mesmo período de 2022. Em março deste ano, o número de visualizadores caiu 4,8% em comparação com março de 2022. Em relação aos meses de fevereiro deste ano e de 2022, a queda foi de 11,46% na média de visualizadores.
Os números logo resultaram em mudanças internas. No mês passado, a Twitch passou por modificações em seu corpo diretivo. Emmett Shear, cofundador da plataforma, deixou o cargo de CEO no último dia 17.
Dan Clancy, que ocupou cargos de direção na Nasa, Nextdoor e Google, era o então presidente da subsidiária e logo assumiu a função que era de Shear. Um de seus primeiros atos foi a redução da força de trabalho, com a demissão de 400 funcionários.
De acordo com o portal londrino Esports Insider, o anúncio está diretamente ligado à rodada mais ampla de demissões anunciada pela Amazon, em que mais de 9 mil funcionários deixaram seus cargos de forma escalonada.
Ainda segundo o portal, a queda da Twitch resultou, por sua vez, na demissão de jornalistas e produtores de conteúdo de e-Sports do conglomerado Gamurs Group, que é dono de 15 portais de esportes eletrônicos, como Dot Esports, PC Invasion e AOTF.
O menor número de produtores de conteúdo cobrindo as transmissões da Twitch pode justificar a queda na audiência da plataforma, que agora trabalha para manter a relevância no circuito de transmissões de games.
Vale destacar que um comunicado foi publicado logo após o corte.
“Levamos essa responsabilidade incrivelmente a sério e, às vezes, precisamos tomar decisões extremamente difíceis para garantir a proteção dos nossos negócios para que a Twitch permaneça por muito tempo”, afirmou a nota oficial.
Financeiro pesa para o cenário
De acordo com a agência de notícias Reuters, a Twitch reduziu 20% do lucro dos maiores streamers da plataforma. Antes, os jogadores ganhavam 70% da receita das assinaturas dos fãs em seus canais. No entanto, a empresa ajustou sua política em setembro de 2022 e anunciou que, após os primeiros US$ 100 mil ganhos, a receita da assinatura dos fãs cairia para 50%.
A mudança fez com que os maiores produtores da plataforma desertassem. Tyler Ninja, maior streamer da Twitch, tem transmitido suas jogatinas no YouTube.
Outro fator que contribui para o cenário é o aparecimento de concorrentes. Em fevereiro de 2023, por exemplo, o TikTok anunciou um novo programa de remuneração de criadores.
A rede social chinesa, que vem causando transtornos no mercado norte-americano, divulgou os critérios para atingir os ganhos: vídeos originais em alta qualidade e com mais de 1 minuto. Com essa facilidade, a comunidade gamer vem aderindo à rede da ByteDance.
A facilidade das empresas para anunciar na plataforma também atrai muito dinheiro por meio de publicidade, tornando o custo por visualizações ou por clique muito menor do que em plataformas de anúncios on-line mais tradicionais, como Meta Ads e Google Ads.
O resultado? Os produtores (bem como as empresas) migram para o mercado mais promissor. De 2017 para cá, o TikTok se tornou a segunda maior rede social do mundo, dando um salto para mais de 1 bilhão de usuários ativos e ficando atrás apenas do Facebook.
Do lado de cá
No Brasil, este fenômeno também pode ser notado, ainda que em menor escala. Gigantes da mídia como o Grupo Globo vêm se desfazendo de seus pilares de comunicação esportiva, como Galvão Bueno e Cléber Machado, e extinguindo quadros como a Central do Apito, que também culminou na demissão de Sandro Meira Ricci e Fernanda Colombo.
Os demitidos estão migrando cada vez mais para o streaming e para o digital, como fez Cléber Machado ao assinar com o Prime Video, da Amazon, enquanto os outros dessa leva endossaram a estreia do Canal GB, de Galvão Bueno, no YouTube.
Na mesma toada, o canal Flow Sport Club transmitiu a ida e transmitirá a volta da final do Campeonato Carioca, bem como a Cazé TV exibirá os jogos da Copa do Mundo Feminina deste ano com a participação de Fernanda Gentil, outra ex-Globo.
Se antes o futebol era consumido apenas na TV e no rádio, hoje a história é outra. Com um alto número de opções gratuitas comprando os direitos de transmissão, as cotas de patrocínio devem ficar mais baratas, fazendo com que os próprios veículos faturem menos.
Neste modelo, a compra de direitos pelas empresas de streaming para transmitir torneios deve entrar em cheque. Resta ao mercado entender como estará após essa série de desligamentos nos conglomerados de mídia e, ao mesmo tempo, analisar onde a audiência está se concentrando, de olho em como mover suas próximas peças.