Contratos de mídia, SAFs, apostas: Entenda por que os clubes brasileiros dominam o futebol sul-americano

Quem vencer a final da Libertadores 2024, entre Atlético-MG e Botafogo, garante vaga no Super Mundial de Clubes - Reprodução / X (@Libertadores)

Quem vencer a final da Libertadores 2024, entre Atlético-MG e Botafogo, garantirá vaga no Super Mundial de Clubes - Reprodução / X (@Libertadores)

As competições continentais da América do Sul, Copa Libertadores e Copa Sul-Americana, conheceram os finalistas de 2024 nos últimos dias e reforçaram a hegemonia brasileira. Assim como nos anos anteriores, as decisões dos torneios da Conmebol terão ao menos um representante brasileiro.

Na Libertadores, Atlético-MG e Botafogo se enfrentarão no dia 30 de novembro, em Buenos Aires (ARG). Nas semifinais, escancararam sua superioridade com classificações tranquilas contra River Plate e Peñarol, respectivamente.

Em 2023, a principal competição do continente viu o Fluminense escrever seu nome na história pela primeira vez. No Maracanã, o Tricolor Carioca derrotou o Boca Juniors, única equipe de fora do Brasil a alcançar a final da competição desde a edição de 2020.

Os anos anteriores contaram apenas com brasileiros. Em 2022, o Flamengo superou o Athletico-PR, em Guayaquil (EQU). Na edição anterior, o time carioca havia sido derrotado pelo Palmeiras, em Montevidéu (URU). O clube alviverde, por sua vez, também levantou a taça em 2020, ao bater o Santos no Maracanã.

De 2020 a 2024, portanto, quatro edições da Libertadores tiveram finais apenas com clubes brasileiros. Antes deste período, além do próprio Brasil, apenas a Argentina havia levado dois times para a decisão do torneio, em 2018, quando River Plate e Boca Juniors se enfrentaram.

Copa Sul-Americana

Na Copa Sul-Americana, não há hegemonia de títulos, mas a presença de clubes brasileiros nas finais se destaca. O Brasil tem ao menos um representante na decisão desde 2021.

Neste ano, Cruzeiro e Racing se enfrentarão na final, que acontecerá no dia 23 de novembro, em Assunção (PAR). O Racing, aliás, foi o responsável por impedir uma final brasileira, ao derrotar o Corinthians nas semifinais.

Em 2023, o Fortaleza alcançou a decisão do torneio pela primeira vez, mas foi superado pela LDU, em Maldonado (URU). Antes, o São Paulo também chegou à final, porém parou no Independiente del Valle, em Córdoba (ARG).

No ano anterior, a final foi completamente brasileira. Athletico-PR e Red Bull Bragantino se enfrentaram em Montevidéu (URU). Os paranaenses ficaram com o título.

Contratos de mídia

Considerando-se as fontes tradicionais de renda dos clubes, os valores recebidos pelos direitos de transmissão das competições que disputam têm grande responsabilidade na hegemonia brasileira na América do Sul.

Em 2024, o Brasileirão e a Copa do Brasil geraram em torno de R$ 2,7 bilhões em direitos de transmissão para os clubes que disputaram as competições. Na cotação atual, esse valor equivale a aproximadamente US$ 470 milhões. Vale lembrar que, diferentemente de outras ligas da América do Sul, os clubes negociam individualmente seus contratos de mídia no Brasil. Nos outros países, a venda é centralizada nas confederações nacionais.

Para efeito de comparação, a Associação do Futebol Argentino (AFA) teve uma receita total de US$ 214,6 milhões na temporada 2023/2024. Este valor, inferior ao que a CBF recebeu em 2023 apenas com direitos de transmissão, inclui todas as frentes da entidade, incluindo as seleções nacionais.

A Federação Equatoriana de Futebol (FEF), por sua vez, recebeu, em 2022, US$ 30,3 milhões (R$ 175 milhões, pela cotação atual), o que representa aproximadamente 15 vezes menos.

O Campeonato Paraguaio, por sua vez, gerou um valor ainda menor para a Associação Paraguaia de Futebol (APF) em 2023, de US$ 17,6 milhões, o equivalente a pouco mais de R$ 100 milhões na cotação atual.

SAFs

A regularização das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) contribuiu para a hegemonia brasileira na América do Sul. A adoção do modelo permitiu a alguns clubes do país acesso a grandes investimentos, que potencializaram o desempenho esportivo.

A final da Libertadores de 2024 terá duas SAFs em campo. O Atlético-MG, que não chegava tão longe na competição desde 2013, quando conquistou seu único título, aprovou o modelo em julho de 2023.

O Galo vendeu 75% de suas ações por R$ 600 milhões e a amortização de suas dívidas com a família Menin e Ricardo Guimarães, ambos compradores do clube. O Atlético-MG passou a pertencer à Galo Holding, composta pela família Menin (dona da MRV), Ricardo Guimarães (dono do Banco BMG) e dois fundos de investimento.

Já o Botafogo passou por uma mudança ainda maior. Comprado pelo empresário norte-americano John Textor, dono de outros clubes espalhados pelo mundo, por cerca de R$ 400 milhões, a equipe carioca passou a figurar entre os melhores times do Brasil. 

Apenas em 2024, o Botafogo investiu R$ 323 milhões em transferências de jogadores. Com isso, alcançou a primeira final de Libertadores de sua história e tem chances reais de se tornar campeão do Brasileirão, o que não ocorre desde 1995.

Para “ajudar”, a Argentina, país cujo futebol nacional mais se aproxima do nível brasileiro, vive uma briga política pela imposição do modelo de Sociedades Anônimas Desportivas (SADs), que funcionariam de uma maneira semelhante às SAFs. Javier Milei, presidente argentino, é um defensor ferrenho do modelo e protagoniza uma guerra com a AFA em busca de transformar todos os clubes do país em SADs.

Recentemente, Milei atacou os benefícios fiscais que eram garantidos às equipes como forma de atingir Claudio Tapia, reeleito como presidente da entidade que comanda o futebol argentino.

Apostas

O futebol brasileiro também observou a invasão das casas de apostas no universo dos patrocínios. Dos 20 clubes que disputam a primeira divisão do Brasileirão, apenas o Cuiabá não possui acordos com empresas deste segmento, enquanto 15 carregam marcas do tipo no espaço máster da camisa.

Considerando-se os acordos dos 19 clubes da Série A, as casas de apostas são responsáveis, em 2024, por mais de R$ 600 milhões em patrocínios para a elite do futebol brasileiro.

Para se ter uma ideia da injeção de dinheiro, o Flamengo recebeu R$ 82,7 milhões em 2018 com receitas de patrocínio e publicidade. No ano seguinte, quando foi campeão da Libertadores, obteve R$ 78,8 milhões. Em 2024, apenas com o patrocínio máster da casa de apostas Pixbet, o time rubro-negro embolsará R$ 117 milhões. O valor ainda se soma ao restante dos acordos carregados pelo clube na camisa, que envolvem empresas como Mercado Livre, Banco BRB, Assist Card e Zé Delivery.

O Fluminense, campeão da Libertadores em 2023, faturou R$ 9,3 milhões em 2019 com patrocínios e publicidade. Atualmente, possui um contrato de R$ 52 milhões por ano com a Superbet, outra casa de apostas.

Entre os brasileiros que tiveram a chance de disputar a final da Copa Sul-Americana, observa-se a mesma tendência. O Corinthians, derrotado pelo Racing na semifinal, recebeu R$ 73,3 milhões em patrocínios e publicidade em 2019. Em 2024, o time paulista faturará R$ 103 milhões apenas com o acordo assinado com o Esportes da Sorte.

Os crescentes valores de patrocínios possibilitados pela entrada das casas de apostas permitem que os clubes aumentem o investimento em infraestrutura e transferências. Assim, os brasileiros ficam ainda mais distantes do resto da América do Sul.

Transferências

Diferentemente de outros países do continente, o Brasil tem sido o destino de diversos nomes de peso do futebol mundial. À frente em estrutura e capacidade de pagamento de salários em comparação com os rivais continentais, o país se torna um destino cobiçado para atletas sul-americanos.

De acordo com um levantamento realizado pelo veículo Somos Fanáticos, os clubes brasileiros classificados para a Libertadores gastavam, em média, US$ 19,4 milhões com salários em 2020. Os times da Argentina, país que mais se aproxima do Brasil, gastavam US$ 19,3 milhões, ou seja, 0,6% a menos.

Desde 2020, porém, essa diferença disparou. Em 2024, Fluminense, São Paulo, Grêmio, Botafogo, Flamengo, Palmeiras e Atlético-MG direcionam, em média, US$ 34 milhões para o pagamento de salários. Os argentinos, por sua vez, gastam US$ 16,1 milhões, 52,7% a menos.

Com isso, jogadores que apresentam um bom desempenho nos países sul-americanos e não se transferem para a Europa são frequentemente contratados por clubes brasileiros.

Segundo o Centro Internacional de Estudos Esportivos (CIES), havia 55 jogadores argentinos atuando no Brasil em maio de 2024. Este número representa um aumento de 139% desde 2020.

O levantamento ainda mostra que não há nenhum país da América do Sul entre os 15 principais destinos de jogadores brasileiros. A lista conta com oito países europeus, cinco asiáticos, um da América do Norte e outro do Oriente Médio.

Libertadores Feminina

A hegemonia brasileira atinge com ainda mais intensidade o futebol feminino. A Libertadores Feminina foi criada pela Conmebol em 2009 e, desde então, demonstra a grande defasagem dos países sul-americanos em relação ao Brasil na categoria.

Das 16 edições realizadas até o momento, apenas três não foram vencidas por clubes brasileiros. O Corinthians, pentacampeão do torneio, acumula, sozinho, mais títulos que todos os clubes de Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela juntos.

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