Paris, França, 27 de setembro de 2022. O Estádio Parque dos Príncipes, do Paris Saint-Germain (PSG), recebe o último amistoso do Brasil antes da Copa do Mundo do Catar. Antes do início do jogo contra a Tunísia, os atletas brasileiros posam para a foto com uma faixa: “Sem nossos jogadores negros, não teríamos nossas estrelas. A Seleção Brasileira é contra o racismo”, dizia a peça assinada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o Itaú, patrocinador oficial do time.
A iniciativa teve enorme repercussão e seria coroada com a vitória avassaladora, por 5 a 1, sobre a Tunísia. Mas outro episódio acabou chamando atenção: a banana atirada no gramado, em direção a Richarlison, no momento em que o atacante comemorava um dos gols brasileiros.
A atitude racista de um torcedor acabou gerando revolta no Brasil e motivou a publicação de uma nota de repúdio por parte da CBF. Esse episódio, aliado a tantos outros ocorridos no passado e em tempos recentes, soa como uma ferida aberta, em um país onde a escravidão de pessoas negras vigorou por quase 400 anos.
A partir desta sexta-feira (30), a Máquina do Esporte traz uma série de três matérias especiais que abordarão o problema do racismo no futebol e as medidas que estão sendo tomadas (ou pelo menos deveriam) para coibir essa prática.
Racismo lá e aqui
O caso registrado no último jogo da seleção ocorreu dias depois do episódio envolvendo Vinícius Júnior, do Real Madrid, alvo de comentários racistas feitos pelo agente de jogadores Pedro Bravo. No último dia 15 de setembro, o empresário afirmou, em um programa de TV, que o brasileiro deveria “deixar de fazer macaquice”.
No dia 18, torcedores do Atlético de Madrid, presentes ao estádio para acompanhar o dérbi da capital espanhola, entoaram cânticos racistas contra o atacante, situação que motivou uma denúncia da LaLiga ao Comitê Disciplinar da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) e à Comissão Antiviolência do Estado.
Todos esses episódios resultaram em uma indignação quase unânime entre os torcedores brasileiros. Postura que cria a falsa impressão de que o racismo no futebol é um problema circunscrito a outros países, e não ao nosso.
Números do Observatório da Discriminação Racial no Futebol demonstram o contrário. Com base na pesquisa de casos denunciados pela mídia, é possível verificar que o racismo está presente (e com força) no futebol brasileiro.
Em 2014, quando a entidade iniciou seu levantamento, foram constatadas 25 denúncias de racismo nos gramados brasileiros. Em 2019, o total havia saltado para 70. Em 2020 e 2021, por conta da pandemia, que paralisou campeonatos e obrigou a realização de jogos sem a presença de torcedores, houve uma queda nos casos.
Ainda assim, no ano passado, que conviveu com impactos da Covid-19 nos estádios, foram registradas 64 denúncias de racismo no futebol brasileiro. Em 2022, faltando três meses para o ano acabar, o Observatório já constatou mais de 70 casos de discriminação.
Clubismo
Apesar de 54% da população do país declarar-se negra, segundo dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o racismo é parte estrutural da nossa sociedade, estando presente em todas as áreas, inclusive no futebol. Na avaliação do pesquisador Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, o esporte tem um complicador, que é o clubismo.
“Pela visão geral que se criou por aqui, racista é sempre o outro: o argentino, o uruguaio, o europeu. Nunca o brasileiro”, analisou Marcelo.
A postura negacionista adotada por uma parte da nossa população serve para naturalizar e varrer para debaixo do tapete os casos de discriminação ocorridos no esporte.
Mudança de atitude
Nos últimos tempos, porém, a percepção dos torcedores em relação à questão racial começou a mudar. Ações de promoção da igualdade realizadas pelos clubes, por exemplo, começaram a despertar o olhar das pessoas para esse problema.
“Por mais que as medidas ainda ocorram de maneira isolada, elas ajudam a chamar atenção para essas pautas, que eu chamo de humanitárias, pois dizem respeito ao direito de pessoas negras, mulheres e da população LGBT irem aos estádios sem sofrer violência”, afirmou Carvalho.
Na opinião dele, os patrocinadores podem ter um papel decisivo para essa mudança de mentalidade e de atitudes.
“A transformação vai se dar pelas marcas. Isso ficou muito evidente na Conmebol, que recentemente se viu pressionada pelos patrocinadores a adotar medidas de combate à discriminação em seus torneios”, destacou Carvalho.
Para o pesquisador, a tendência é que as empresas deixem de atrelar suas marcas a competições, instituições ou personalidades que incorrem em práticas racistas. Seja pelo lado social da questão, na medida em que fica claro que o racismo é uma prática inaceitável, seja pelo lado econômico, já que, no fim das contas, as empresas precisam comercializar seus produtos, e a população negra representa um mercado consumidor para lá de considerável no Brasil.