Fifa limita relatório sobre direitos humanos na Arábia Saudita a pedido da federação local

Jedá, na Arábia Saudita, deverá ser uma das cidades anfitriãs da Copa do Mundo de 2034 - Divulgação / Visit Saudi

A Fifa decidiu limitar o relatório sobre a situação dos direitos humanos na Arábia Saudita, elaborado pelo escritório de advocacia AS&H Clifford Chance, a pedido da federação de futebol do país.

O documento foi preparado para municiar os delegados da Fifa, que em 11 de dezembro devem confirmar o país como sede da Copa do Mundo de 2034. Não há nenhum outro país candidato a abrigar o evento.

Parte do processo de aprovação é a área de direitos humanos, que, de acordo com as regras de candidatura da Fifa, necessita da elaboração de um relatório independente sobre o tema. O documento é submetido, então, aos membros da Fifa que votarão pela aprovação do país-sede.

Segundo o jornal The Observer, a AS&H Clifford Chance concordou em limitar o escopo do relatório após um pedido da Federação Saudita de Futebol (Saff). O requerimento contou com a anuência da Fifa, o que restringiu a abordagem do documento aos direitos humanos reconhecidos pela Arábia Saudita, mais restritos em relação aos estabelecidos pela entidade que comanda o futebol mundial.

Segundo a Clifford Chance, no item sobre a metodologia do relatório, o escopo do documento foi “determinado pela Saff em concordância com a Fifa”.

De acordo com o The Observer, o documento foi elaborado em apenas seis semanas e se baseou exclusivamente em entrevistas com membros do governo saudita. Nenhum grupo de direitos humanos ou pessoas afetadas por possíveis abusos, como trabalhadores migrantes, foram consultados para a elaboração do documento.

A Clifford Chance, por sua vez, possui um braço de negócios significativo na Arábia Saudita, além de ter entre seus clientes o Fundo de Investimento Público (PIF), investidor público da Arábia Saudita, e várias autarquias do governo local.

Polêmica

O relatório causou mal-estar entre as demais unidades da Clifford Chance espalhadas pelo mundo. O escritório tem forte reputação por seu trabalho na área de direitos humanos, tendo como um de seus sócios um dos presidentes da Associação de Advogados Empresariais e de Direitos Humanos.

De acordo com uma fonte ouvida pelo The Observer, “isso criou uma tempestade de m… interna” na empresa.

“É um trabalho de má qualidade. Teria sido um erro para qualquer pessoa confiável assumir essa tarefa, dado que os parâmetros foram delimitados de forma tão restrita. Dadas as condições, não havia como fazê-lo de forma ética”, analisou outra fonte da empresa, que falou de forma anônima.

Indignação

Nada menos do que 11 organizações de direitos humanos, incluindo a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, reagiram ao relatório de maneira indignada.

“A avaliação não contém nenhuma discussão substancial sobre abusos extensos e relevantes na Arábia Saudita documentados por várias organizações de direitos humanos e órgãos da ONU [Organização das Nações Unidas]”, afirmaram essas entidades, em um comunicado conjunto.

As ONGs acusam a Clifford Chance de agir de maneira seletiva em relação aos direitos humanos e conclusões de órgãos da ONU para a avaliação e não incluir perspectivas externas, já que a Fifa e a Saff determinaram quais temas seriam submetidos à avaliação.

“Está claro há mais de um ano que a Fifa está determinada a remover todos os obstáculos potenciais para garantir que possa entregar a Copa do Mundo de 2034 ao príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman”, criticou James Lynch, codiretor da organização de direitos humanos FairSquare, em um comunicado à imprensa.

“Ao produzir um relatório chocantemente ruim, a AS&H Clifford Chance, parte de um dos maiores escritórios de advocacia do mundo, que faz grande parte de sua expertise em direitos humanos, ajudou a remover um obstáculo final importante”, acrescentou.

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