Uma disputa judicial que tramita na Suprema Corte dos Estados Unidos apresenta o potencial de minar ainda mais o poder que a Federação Internacional de Futebol (Fifa) exerce sobre o esporte mais popular do planeta.
Nesta quinta-feira (21), o governo do presidente Joe Biden resolveu embarcar de cabeça no processo movido pelo Relevent Sports Group contra a Fifa e a Federação de Futebol dos Estados Unidos (US Soccer).
A disputa teve início em 2018, quando a empresa firmou um contrato de 15 anos com a LaLiga, com o objetivo de promover partidas oficiais da primeira divisão do Campeonato Espanhol em território norte-americano.
Naquele ano, a partida escolhida seria entre Barcelona (que contava com craques como Lionel Messi e Luis Suárez) e Girona. Porém, a US Soccer apelou à Fifa para que não sancionasse esse confronto, com base no princípio de que jogos oficiais de uma liga nacional devem ocorrer no território onde a associação se localiza.
Um dado curioso, porém, é que neste mesmo ano, por exemplo, a Supercopa da Espanha, envolvendo Real Madrid (que se sagrou campeão), Barcelona, Atlético de Madrid e Osasuna, pôde ser realizada na Arábia Saudita, sem qualquer questionamento aos clubes por parte da entidade máxima do futebol.
No caso do acordo da LaLiga com o Relevent, a Fifa endureceu o jogo, fazendo com que o Barcelona desistisse da ideia de atuar na Flórida.
Essa ação chegou a ser rejeitada por um tribunal federal em 2021. Mas a sentença posteriormente seria anulada, passando a tramitar na Suprema Corte, agora com o reforço do Governo Biden.
Em uma carta de 23 páginas elaborada pela procuradora-geral de Justiça, Elizabeth Prelogar, o governo solicitou ao tribunal que decida em favor do Relevent e condene Fifa e US Soccer por monopólio e concorrência desleal.
Prelogar alega que a US Soccer, quando articulou o veto à realização do jogo da LaLiga em território norte-americano, não agiu de forma independente.
“Em vez disso, participou de uma associação de membros que adotou uma política vinculando os membros da associação, e invocou essa política como sua justificativa declarada para negar a aprovação dos jogos propostos”, argumentou a procuradora-geral.
Precedentes
Neste mês, uma grande organização esportiva mundial viu-se obrigada a firmar um acordo milionário na Justiça norte-americana, a fim de se livrar de uma acusação parecida à que atinge Fifa e US Soccer, baseada na legislação antitruste dos Estados Unidos.
Conforme noticiou a Máquina do Esporte, o Ultimate Fighting Championship (UFC) aceitou pagar a quantia de US$ 335 milhões a ex-lutadores que moviam uma ação judicial contra a organização sediada em Nevada, acusando-a de promover concorrência desleal, buscando diminuir, de maneira artificial, os salários e demais direitos desses profissionais.
Se fosse condenada, a TKO, holding que reúne UFC e World Wrestling Entertainment (WWE), poderia ser condenada a pagar US$ 1,6 bilhão (R$ 7,95 bilhões, pela cotação atual). Esse acordo, embora tenha sido comemorado pelas partes envolvidas no processo, ainda depende de um aval do juiz que analisa o caso para ser considerado válido.
Nova “Lei Bosman”?
Vale lembrar que esta não é a primeira disputa jurídica que questiona o monopólio da Fifa sobre a modalidade esportiva.
No fim do ano passado, a entidade e a União das Associações Europeias de Futebol (Uefa) foram condenadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que considerou ilegais as ameaças feitas pelas duas instituições aos clubes que tentaram articular a criação da Superliga no continente.
Batizada popularmente de lei, na verdade trata-se de uma decisão judicial proferida pelo mesmo TJUE, no ano de 1995, em favor do jogador belga Jean-Marc Bosman.
Com base nos artigos 48, 85 e 86 do Tratado de Roma, o tribunal decidiu que Fifa, Uefa e demais entidades que comandam o futebol no continente não poderiam impor restrições à contratação de jogadores estrangeiros que receberam cidadania da União Europeia.
Com o fim dessa barreira, alguns clubes da Europa passaram a monopolizar os principais talentos do futebol mundial.
Em entrevista concedida à Máquina do Esporte no último mês de dezembro, Frederico Pena, CEO da divisão brasileira da agência Roc Nation Sports, analisou os possíveis efeitos que a mais recente decisão do TJUE poderia ocasionar para os times.
“Os clubes poderão decidir seu destino, sem estarem sujeitos a ameaças e sem precisarem pagar pedágio às federações”, disse.
Um aspecto lembrado pelo executivo foi de que, atualmente, os clubes dependem de autorização da Fifa e das entidades locais e continentais para decidirem quais competições disputarão.
“Times grandes do Brasil, por exemplo, são obrigados a participar de campeonatos estaduais contra adversários que não mobilizam o público. Dessa forma, você tem um produto sem apelo e incapaz de competir com torneios de outros mercados em um mundo globalizado”, afirmou Pena.
A nova ação judicial que ameaça dinamitar de vez o poder da Fifa de ditar o destino do futebol mundial ainda não tem data para ser analisada pela Suprema Corte dos Estados Unidos.