Quando se fala em Independiente del Valle, do Equador, a primeira ideia que pode vir à mente é a da equipe que vem sendo motivo de alegria e tristeza para o povo brasileiro (o que depende do time do coração de cada um). Nesta semana, por exemplo, o clube equatoriano derrotou o Corinthians em plena Neo Química Arena, em jogo válido pela fase de grupos da Copa Libertadores.
Antes de ocasionar desgosto aos corintianos, o mesmo Independiente del Valle já havia sido algoz de São Paulo, Flamengo, Grêmio, América-MG e Atlético-MG, em diferentes competições internacionais. Os que acompanham de longe apenas para zombar dos adversários ou aqueles que sofrem com as derrotas do próprio time, já devem ter notado que há algo de diferente nesse clube que, apesar do nome e dos recorrentes memes que surgem nas redes sociais, nada tem a ver com a marca de sucos do Grupo Coca-Cola.
Por trás do Independiente del Valle há, sim, uma empresa, ou melhor, uma holding chamada Sociedad Farlay S.A, a qual tem como principal investidor o bilionário equatoriano Michel Deller, que enriqueceu com negócios no ramo imobiliário. Uma lenda mais recente afirma que, se a pessoa entrar em algum shopping moderno em uma cidade grande do Equador, são grandes as chances do empreendimento pertencer ao magnata. Ele também é dono das redes de supermercado San Luis e Quicentro, duas das maiores do país, e comanda as operações locais de franquias internacionais como o KFC.
No futebol, Deller e a Farlay S.A caminham para transformar o Independiente del Valle no primeiro multiclube (ou, para quem prefere termos internacionais, multi-club ownership (MCO)) gestado na América Latina. Nesta semana, o grupo que administra o bicampeão da Copa Sul-Americana selou a compra do Club Atlético Huila, da Colômbia.
Fundado em 1990, o time colombiano tem sua sede em Neiva, cidade de cerca de 350 mil habitantes e capital do departamento (equivalente aos nossos estados) de mesmo nome. Seu estádio, atualmente, tem capacidade para pouco mais de 20 mil torcedores, e o time nunca conquistou um título de expressão, embora dispute atualmente a primeira divisão do futebol do país.
Nada que pareça ser capaz de barrar os planos de Deller. Em um passado não tão distante, ele conseguiu transformar uma equipe desconhecida do Equador em uma verdadeira potência continental. A expectativa, na Colômbia, é de que ele repita a dose no Atlético Huila.
Origens humildes
Nos dias que correm, sob a batuta de Deller e seus métodos avançados de gestão desportiva, o provável primeiro MCO genuinamente latino-americano ostenta o pomposo nome de Club de Alto Rendimiento Especializado Independiente del Valle.
Para isso, porém, ele precisou passar por um processo para lá de complexo, que envolveu o Ministério do Esporte do país e também a Federação Equatoriana de Futebol. A nova denominação foi oficializada apenas em 2014.
Se analisarmos a história da agremiação, encontraremos nela elementos típicos das “jornadas do herói” que os “self made men” adoram destacar em suas autobiografias. Tal como estes, o Independiente del Valle também veio de baixo. Bem de baixo.
Seu fundador era um sapateiro chamado José “Pepe” Teran, que, em 1958, resolveu reunir um grupo de amigos da “cidade dormitório” de Sangolquí, na região metropolitana de Quito, para fundar um time amador em homenagem ao Independiente, da Argentina. Ele nem fazia ideia de que, no milênio seguinte, seu clube também se tornaria um “bicho-papão” da América do Sul.
Em 1975, o fundador da equipe (e que também foi jogador e capitão) acabou falecendo. Dois anos mais tarde, seus amigos resolveram homenageá-lo e mudaram o nome do clube para Independiente José Teran. A partir daí, o time oscilaria entre o amadorismo e as divisões inferiores do futebol profissional do Equador. Mas tudo mudaria a partir da primeira década deste século, com o início da gestão de Deller.
Era de Ouro
A chegada do bilionário ao Independiente equatoriano é conhecida como “Era de Ouro” pela torcida do clube. A partir desse momento, já tendo excluído de sua alcunha oficial a homenagem ao sapateiro, o del Valle entrou em uma jornada de ascensão até se estabilizar no topo, convertendo-se em um dos modelos mais bem-sucedidos do futebol sul-americano na atualidade.
Da conquista da Série C do Equador, em 2007, até a primeira final continental, não se passaram nem mesmo dez anos. Em 2016, já com o nome de Independiente del Valle, a equipe seria vice-campeã da Copa Libertadores, perdendo justamente para um time colombiano, o Atlético Nacional.
Hoje, o del Valle já acumula oito títulos oficiais, sendo três continentais (duas Sul-Americanas e uma Recopa) e cinco nacionais, dos quais três podem ser considerados de elite no país.
“Colonizando” a Espanha e a América do Sul
Antes de investir no mercado colombiano, a Sociedad Farlay S.A já havia voltado seus tentáculos para a Europa, mais especificamente para a Espanha, país que, aliás, colonizou o Equador. O escolhido para integrar a “Família del Grupo Independiente” foi o Deportivo Numancia de Soria, da comunidade autônoma de Castela e Leão, que atualmente disputa a terceira divisão do campeonato do país.
Por ora, a “estrada de tijolos amarelos” que se apresenta diante do filho espanhol dessa família futebolística aparenta ser bem mais sinuosa e repleta de obstáculos do que a do Atlético Huila, que já está na divisão de elite de seu país, neste momento em que os equatorianos, depois de iniciarem o movimento em direção à Europa, resolveram também “colonizar” a América do Sul.
Até agora, os valores envolvidos na negociação entre Deller e o Atlético Huila não foram divulgados oficialmente. Nas redes sociais da Colômbia, dependendo da fonte, circulam quantias que variam entre US$ 6 milhões e US$ 7 milhões. Nada que se compare às cifras bilionárias relativas aos contratos das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) no Brasil.
O Atlético Huila vendeu 97,203% das ações de sua Sociedade Anônima, das quais 95% foram adquiridas pela Farlay S.A. O elenco atual do clube conta com 37 jogadores, e a idade média deles é inferior a 26 anos. A folha de pagamento dos atletas está abaixo dos US$ 930 mil, e a principal promessa da equipe é o lateral-esquerdo John Mendez, que tem 18 anos e atualmente está avaliado em € 100 mil.