Mulheres Líderes da Indústria Esportiva: Fernanda Dias, fundadora da #DeixaElaTreinar 

Empreendedora Fernanda Dias é a criadora da marca esportiva #DeixaElaTreinar - Divulgação

O ano era 2019. Fernanda Dias Coelho pedalava com uma amiga no acostamento de uma rodovia, quando um motorista aproximou-se e tentou passar a mão em seu corpo. Sentindo-se invadida pela situação, resolveu fazer um desabafo no Instagram ao chegar em casa. Foi quando descobriu que muitas mulheres já haviam enfrentado o mesmo tipo de situação: assédio sexual durante a prática de atividades físicas.  

Em alguns casos, mulheres relataram que o assédio veio de onde esperavam receber apoio e incentivo. Inconformada, Fernanda pensou em alguma forma de transformar a raiva em combustível para algo maior. Diante da série de depoimentos recebidos na rede social, decidiu criar uma campanha que posteriormente virou sua marca: #DeixaElaTreinar. 

Fernanda é nascida em Três Corações (MG), terra natal de Pelé, e hoje reside em Juiz de Fora (MG). Atuou por um tempo na área acadêmica, onde conviveu com o arrocho salarial, até resolver se aventurar no empreendedorismo, como remédio para a ferida causada pelo episódio de assédio. Da rede de apoio conquistada pelo movimento, surgiram suas primeiras clientes. 

Com um investimento inicial de R$ 150, Fernanda comprou alguns pares de meias específicos para atividades físicas. Por ser um item de alta versatilidade em diversas modalidades, revendeu todos os pares pelo Instagram, com uma margem de lucro mínima. Após a primeira remessa, reinvestiu e repetiu a fórmula até ter o capital suficiente para criar a empresa #DeixaElaTreinar, que foi registrada assim, tudo junto e com hashtag.  

A ação de Fernanda chamou a atenção de outras mulheres praticantes de esportes. Com o reconhecimento da marca, começaram a chegar clientes de fora da bolha. Foi quando a empreendedora viu a necessidade de investir em uma identidade visual, na ampliação do mix de produtos (que hoje conta com blusas, shorts, bandanas, viseiras e muito mais) e em uma plataforma de e-commerce, onde atualmente 95% dos pedidos são feitos por mulheres.   

#DeixaElaTreinar, fundada por Fernanda Dias em 2019, planeja faturar seu primeiro milhão neste ano – Divulgação

No primeiro ano de atividade, 2019, o faturamento foi de R$ 80 mil. Com o sucesso repentino, Fernanda viu a oportunidade de se inscrever no programa Shark Tank Brasil. Foi aprovada e convidada para apresentar seu negócio para um time de cinco investidores do reality show do Sony Channel.  

A princípio, saiu de lá sem o aporte financeiro, ouvindo argumentos como “negócio imaturo” ou “você tem um movimento, e não uma empresa”. Entretanto, a investidora Carol Paiffer, praticante assídua de esportes, ofereceu a possibilidade de ser embaixadora de sua marca e de mentorear Fernanda, que aceitou a parceria. 

Um ano após o episódio ir ao ar e de conhecer melhor os números e o modelo de operação da empresa, Paiffer decidiu fazer um aporte e se tornar sócia-investidora da #DeixaElaTreinar.   

Fernanda Dias e sua sócia-investidora Carol Paiffer – Divulgação

Vascaína fanática, foi Carol quem abriu as portas para que a marca pudesse patrocinar o Vasco. O contrato de licenciamento prevê que 10% dos royalties sejam investidos no time de futebol feminino.

“Somos a única marca do mundo fazendo isso”, afirmou Fernanda.  

Em 2022, a #DeixaElaTreinar cresceu 100% em relação ao ano anterior. Para 2023, a meta é faturar o primeiro milhão. Fernanda garantiu que novidades em relação a patrocínios estão chegando, mas disse que pretende definir todos os detalhes antes de divulgá-los.

“Estamos fechando contratos com outros times da Série A, que serão divulgados ao longo do ano”, revelou.  

#DeixaElaTreinar é patrocinadora do time feminino de futebol do Vasco – Divulgação

Como mãe solo, empreendedora e acadêmica, Fernanda afirmou que seus planos vão além de apenas patrocinar.

“Meu objetivo é incentivar e inspirar outras meninas e mulheres a empreenderem e a praticarem atividade física”, enfatizou.  

Além do trabalho 

Fernanda Dias é formada em Educação Física pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), possui pós-graduação em Fisiologia e Cinesiologia do Exercício, mestrado em Educação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e agora cursa MBA em Marketing e Gestão de Negócios Digitais.  

Mas isso não é tudo. Fernanda, que sempre estudou atletas transgêneros, também precisou aprofundar-se na história da mulher no esporte. Atualmente, é doutoranda, e sua tese de doutorado analisa gênero e educação física.  

“Apenas 4% da mídia é destinada ao esporte feminino. Menos de 20% dos cargos de liderança no meio esportivo são ocupados por mulheres. A #DeixaElaTreinar vem com o objetivo de tornar as mulheres mais protagonistas do esporte”, explicou ela, citando dados de sua pesquisa.  

Atenção com o meio ambiente 

Segundo Fernanda, o cuidado com o meio ambiente é uma das prioridades da empresa. Prova disso é que 80% do tecido utilizado pela empresa é produzido com água de reúso. Além disso, o processo de sublimação e estamparia não descarta tinta na natureza.  

“Precisamos de um ambiente agradável e limpo para continuar treinando. É justamente na natureza que promovemos o nosso bem-estar, que cuidamos da nossa saúde mental. Quem pratica atividade física tem que se ligar nessa questão”, destacou.  

Olhando para o futuro 

“Nosso objetivo é nos consolidarmos como a marca da mulher dentro do esporte. Até o fim de 2023, esperamos ser uma marca de referência voltada para o empoderamento feminino no esporte”, reforçou. 

Fernanda considera que o Brasil ainda tem muito a avançar no cenário esportivo.

“Vejo uma desigualdade muito grande no futebol feminino. Exemplo disso é o que aconteceu com o Ceará, que perdeu por 14 a 0 para o Corinthians no Brasileirão [em fevereiro deste ano]. Uma vez que o clube estava com problemas financeiros, acharam melhor cortar o caixa do time feminino, e não do masculino, colocando o time de base para jogar contra Flamengo e Corinthians. Isso acaba com o sonho de qualquer jogadora de base”, analisou. 

Por fim, Fernanda revelou que, ao tratar de patrocínios, percebe uma melhor negociação quando há mulheres no comando dos clubes. Ela defende uma maior presença de mulheres cuidando do futebol feminino no Brasil e cobra dos veículos de comunicação um espaço maior para a cobertura das competições femininas.  

Segundo Fernanda, a inclusão é um dos pilares do seu negócio e, por isso, a empresa está investindo para lançar, em breve, uma linha de produtos de gênero neutro, que poderão ser usados tanto por homens como por mulheres. 

“O esporte é o lifestyle de muita gente. Se as mulheres não se posicionarem assim, com uma ajudando e patrocinando as outras, vai ser mais difícil ainda chegar aonde a gente quer”, concluiu a empreendedora.  

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