Neosaldina, que tem Endrick como embaixador, é proibida pela Agência Mundial Antidoping

Atacante do Palmeiras, Endrick é o novo embaixador da Neosaldina - Divulgação

Na última sexta-feira (8), o atacante Endrick, do Palmeiras, foi anunciado como embaixador da Neosaldina, marca da Hypera Pharma, também dona da Neo Química, patrocinadora do Corinthians. A droga é considerada doping pela Agência Mundial Antidoping (Wada).  

O isometepteno, uma das substâncias contidas na fórmula da Neosaldina, está na página 14 da última lista de substâncias proibidas da entidade que comanda a luta antidoping no mundo. Ela aparece no item S6 B, que lista os estimulantes específicos.

“O Endrick deve ter recebido convite da indústria farmacêutica, só que não se atentaram para essa situação. O isometepteno pode gerar resultado adverso. Houve falta de conhecimento da matéria. Devem ter feito contrato, mas não viram se estava certo ou não”, afirmou Thomaz Mattos de Paiva, advogado especialista em doping.

Ingenuidade

Para ele, apesar da pretensa ingenuidade do caso, o atleta corre o risco de sofrer algum tipo de sanção, caso a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) decida abrir um procedimento contra o atleta.

“Não vejo como incentivo [ao uso de doping], vejo como desconhecimento. A assessoria dele poderia ter se aprofundado mais. Às vezes, se preocupou mais com o marketing do que com essa situação. Há um risco eventual. Não considero incentivo, mas pode ser enquadrado em algum dispositivo da regra”, analisou Paiva.

Para o advogado, o atleta pode ser enquadrado na seção XI, artigo 127 do Código Brasileiro Antidopagem (CBA), que prevê sanção ao atleta que incentivar “uma violação de regra antidopagem, tentativa de violação de regra antidopagem ou violação dos artigos 169 a 171 por outra pessoa”.

Sem se atentar às questões éticas de um atleta fazer propaganda de substância dopante, teoricamente Endrick correria o risco de ser enquadrado nesse artigo. Na prática, um procedimento usando essa regra seria pouco usual em um caso assim, já que a pena do CBA é bastante severa: de 2 a 30 anos de suspensão.

Esse dispositivo é uma referência a outro artigo, esse do Código Mundial Antidoping (CMA). Trata-se do 2.9, que discorre sobre “cumplicidade ou tentativa de cumplicidade por parte de um atleta ou outra pessoa”. O dispositivo diz que “ajudar, encorajar, conspirar, encobrimento ou qualquer outro tipo de cumplicidade intencional ou tentativa de cumplicidade envolvendo uma regra antidoping, violação, tentativa de violação ou violação de regra antidoping do Artigo 10.14.1 por outra pessoa”.

Nesse caso, o “período de inelegibilidade imposto será de no mínimo dois (2) anos, até a inelegibilidade vitalícia, dependendo da gravidade da violação”.

Histórico

A primeira lista de drogas e métodos proibidos no esporte foi feita em 1967, pela Comissão Médica do Comitê Olímpico Internacional (COI). No ano seguinte, foi implantado o exame antidoping nos Jogos Olímpicos da Cidade do México.

Já a Wada foi criada em 1999 como órgão independente para centralizar a luta contra o doping no esporte mundial. Sua primeira lista de substâncias proibidas foi publicada quatro anos depois, em 2003, com vistas aos Jogos de Atenas 2004. Há 20 anos, o isometepteno já constava como droga proibida nesse documento.

A lista é renovada ano a ano. A relação válida para 2024 foi publicada na última quinta-feira (7), um dia antes do anúncio de Endrick como embaixador da Neosaldina. Nela, o isometepteno continua proibido.

No Brasil, há um histórico de vários casos de doping relacionados ao uso de isometepteno. Em 2007, por exemplo, o tenista Marcelo Melo, um dos maiores duplistas da história do país, foi flagrado para a substância durante a disputa do Torneio de Queen’s, em Londres, sendo suspenso por dois meses. Ele havia feito uso do medicamento para melhorar de uma dor de cabeça.

Segundo um levantamento da Máquina do Esporte com incidentes de doping no esporte brasileiro desde 1973 (ano do primeiro caso oficial), a droga chegou a gerar um boom de exames positivos em 2009, quando cinco atletas foram flagrados em testes (três no futebol, uma no atletismo e um na natação). Normalmente, a pena para essa droga é mais branda, em torno de alguns meses de suspensão.

Outro lado

Procurado, Fábio Wolff, diretor da Wolff Sports & Marketing, que desde 2022 gere os contratos publicitários e comerciais do jogador do Palmeiras, afirmou que a agência trabalha na construção da imagem do atleta a longo prazo. Mas não comentou especificamente o caso da Neosaldina.

“Estamos trabalhando há dois anos na implementação do plano estratégico de imagem do Endrick. É uma satisfação poder tangibilizar os resultados. Isso demonstra que a estratégia, o trabalho que vem sendo realizado, bem como a performance surreal dele em campo, estão sendo muito bem recebidos pelo mercado corporativo”, afirmou ele.

“Costumo dizer que o telefone não toca, temos que ser sempre proativos. Entretanto, o momento é tão bom que estamos sendo procurados por grandes players do mercado. Vale ressaltar que o número de parceiros é limitado, pois a premissa do plano é lastreada em poucos parceiros, contratos de longo prazo e histórias verdadeiras, empresas que tenham ‘fit’ com o Endrick. O foco é o de construção de imagem, troca de atributos com os parceiros”, acrescentou.

Já a Neosaldina afirmou que o atacante palmeirense foi escolhido como embaixador porque se relaciona com o público que utiliza o medicamento no dia a dia.

“O Endrick entrega mais do que esporte. Ele é um exemplo de brasileiro que leva a vida com muito bom humor e é superconectado com o público da Neosaldina”, afirmou a marca.

“A questão principal não é sobre ele consumir ou não o medicamento, mas sim sobre o potencial que ele tem de gerar awareness [conhecimento], transmitindo os valores da marca de forma sincera, leve, alegre e espontânea. Ele não usa o produto, mas sua família, sim”, acrescentou o comunicado.

Na semana passada, quando ocorreu o anúncio de Endrick como embaixador da marca, o jogador realmente contou que pessoas próximas da família usavam o medicamento.

“É uma marca muito boa. Minha mãe e minha namorada sofrem com muita dor de cabeça, e vai ajudar elas [sic] bastante”, revelou.

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