Para consultor, escolha do perfil do investidor precisa ser considerada nas SAFs

Em apenas 60 dias, entre o fim de dezembro e fevereiro, nada menos que três dos maiores clubes do país mudaram de dono, ou melhor, passaram a ter dono. Se antes eram associações, com sócios decidindo sobre piscinas, quadras e equipe profissional, agora Cruzeiro, Botafogo e Vasco passaram a ter quem manda, e que não precisa compartilhar decisões.

E se muito tem se falado sobre os clubes, dívidas, contratações e até mesmo sobre quem está comprando, pouco tem se falado sobre perfis de investidores e como vender o clube para a pessoa certa é determinante para um futuro de sucesso, não apenas financeiramente, mas com títulos. Pelo contrário, vender para a pessoa errada pode resultar em muito barulho e confusão com a torcida.

Na última semana, a principal torcida organizada do Cruzeiro, a Máfia Azul, usou seu perfil no Instagram para protestar contra os rumos que o clube tem tomado. Entre as reivindicações, a torcida declarou que “o Cruzeiro não é empresa”. O desabafo do torcedor levantou novamente o debate sobre a criação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e o futuro que existirá para os clubes de grande torcida no Brasil no instante em que seu futebol passa a ser gerenciado sob a lógica empresarial.

Os acordos de Cruzeiro, Botafogo e Vasco (ainda pendente de confirmações comuns do mundo dos negócios) representam os primeiros do novo modelo administrativo proporcionado pela aprovação da SAF, por meio de uma lei promulgada em agosto do ano passado que criou mais facilidades para clubes de futebol se transformarem em empresas. Outros clubes já aparecem na lista dos próximos acordos, como Bahia, Atlético-MG e até mesmo o São Paulo, que já contratou a Alvarez & Marsal, consultoria especializada em gestão e reestruturação de empresas, para estudar a abertura de uma SAF.

Iguais e diferentes

Se os três acordos possuem muitas similaridades, o que difere muito entre eles é o perfil do comprador. Ronaldo (Cruzeiro), John Textor (Botafogo) e 777 Partners (Vasco) têm perfis e histórias diferentes, sendo que apenas a do primeiro tem ligação com o futebol.

“O Ronaldo tem ligação com o Cruzeiro e quer usar a imagem e credibilidade dele para transformar e recuperar o clube. O John Textor não é do futebol, apesar de ter comprado alguns clubes recentemente. Ele pretende se beneficiar de uma rede de clubes para captar, formar e vender jogadores”, afirmou Cesar Grafietti, economista e especialista em gestão e finanças do esporte.

O especialista ainda acrescentou que Textor já é dono de um clube na Bélgica e busca uma equipe para investir em Portugal, dois países conhecidos por serem de passagem, ou seja, compram jogadores de Brasil e Argentina, por exemplo, e vendem para grandes clubes europeus por valores bem superiores aos pagos.

“No caso da 777 Partners, que ainda não tem experiência no futebol, eu vejo o investimento no Vasco nos moldes do que acontece em private equity, que é quando um fundo compra uma empresa com receita subdimensionada, faz o saneamento financeiro, estrutura a administração e investe para crescer e vender depois de cinco ou sete anos”, explicou Grafietti, que não vislumbra o fundo americano sediado em Miami ficar 10 ou 15 anos no Vasco.

Morando na Itália há vários anos, Grafietti acompanha in loco o caso do Genoa, que pertence à 777 Partners desde setembro do ano passado.

Eles foram recebidos pelos torcedores no aeroporto com grande festa, mas erraram muito no início e tentam agora corrigir o rumo. Porém, não devem evitar o rebaixamento da equipe para a segunda divisão neste ano.

A 777 também tem uma participação acionária minoritária no Sevilla, da Espanha.

Perfis de investidores

Se o valor e as condições da venda de uma empresa são fundamentais para o futuro dela, a definição correta do modelo e do perfil do comprador também são muito importantes para a continuidade dos negócios. No mundo do futebol, Grafietti define em três os tipos de investidores que compram clubes: aquele que não busca apenas ganhos financeiros, mas também ganhos de imagem; investidores locais com alguma ligação com o clube; e investidores financeiros que pensam na valorização do ativo para venda futura.

Para o especialista, o Brasil não deve ver (em um primeiro momento) o cofre sem fundo dos árabes ou outras pessoas físicas que, até a guerra da Ucrânia, tinha russos como grande destaque.

Acredito que teremos mais investidores como o John Textor em clubes brasileiros

Na Europa, alguns clubes como Bayern de Munique (Adidas, Audi e Allianz) e PSV (Philips) têm empresas proprietárias, mas esse cenário não deve se repetir no Brasil. “Esses casos acontecem porque esses clubes tinham ligações com a empresa há muito tempo. O Wolfsburg é um clube da associação dos funcionários da Volkswagen. O que vejo que pode acontecer no Brasil são empresas locais comprarem ou terem clubes em cidades menores”, explicou Grafietti.

Outro modelo existente no Velho Continente, clubes negociados em bolsa de valores, como Benfica, Manchester United, Ajax e Borussia Dortmund, deve demorar para acontecer no Brasil. Se acontecer. Para Grafietti, esses clubes abrem capital em bolsa buscando um aporte financeiro inicial, mas, principalmente, para mostrar transparência e garantir governança.

“SAF não é a solução para todos os clubes brasileiros. Para clubes como Corinthians ou Flamengo, a abertura de SAF para um investidor pode não ser a melhor opção”, argumentou, citando os casos de Real Madrid e Barcelona, dois dos maiores clubes do mundo que são geridos como associação.

Fernando Antunes é jornalista especializado em finanças e marketing, com passagens pelo on-line da Folha de S. Paulo e Exame, além de assessoria do banco BV e de outras empresas nas agências FSB e Ideal

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