Punição a Athletico-PR e Coritiba escancara filão imenso, mas inexplorado pelo futebol

Nesta semana, o Campeonato Paranaense de Futebol atraiu os holofotes da mídia de todo o Brasil por conta das partidas envolvendo seus dois principais clubes, o Athletico-PR e o Coritiba. O que chamou a atenção não foi necessariamente nada que tenha ocorrido dentro dos gramados, mas sim nos entornos.

Ambientes tradicionalmente hostis a pessoas que não se enquadrem no padrão de homem adulto, cisgênero e heterossexual, os estádios de futebol no Brasil (e mesmo no exterior) ainda são pouco frequentados por crianças e mulheres.

Por esse motivo, os jogos do Coritiba diante do Aruko, no último dia 15, e do Athletico-PR contra Maringá e depois Foz do Iguaçu, nos dias 21 e 25 deste mês, chamaram tanto a atenção. É que ambos contaram justamente com esse público que tradicionalmente tende a ser excluído dos estádios de futebol, fato que escancarou um filão de mercado que é inexplorado pelo esporte mais popular do Brasil.

Com plateias formadas apenas por mulheres e crianças de até 12 anos, os dois jogos tiveram bom número de torcedoras. A vitória suada do Coritiba sobre o Aruko atraiu cerca de 8.878 pessoas ao Estádio Couto Pereira. Essa marca é bem próxima, por exemplo, à registrada pelo arquirrival Athletico-PR ao longo de todo o Campeonato Paranaense do ano passado, com plateias majoritariamente masculinas (9.664 de média).

Os números do jogo com plateia feminina/infantil do Coritiba são mais expressivos quando consideramos que ele ocorreu na fase inicial da competição. Em 2022, por exemplo, a média inicial do clube nas primeiras partidas em casa do Campeonato Paranaense ficou em 10.458 torcedores.

No caso do Athletico-PR, a retirada dos homens fez disparar a média de público nos jogos em casa. Na partida contra o Maringá, foram 32 mil pessoas na Arena da Baixada. Contra o Foz do Iguaçu, o estádio recebeu 37.197 mulheres e crianças. Isso representa o dobro do que foi alcançado pelo clube no Campeonato Brasileiro do ano passado (18.450 torcedores de média) e quatro vezes mais do que o registrado nas partidas em casa durante o Estadual de 2022.

A restrição à testosterona nos estádios foi a “pena alternativa” encontrada pelos dois clubes para a punição imposta pelo Tribunal de Justiça Desportiva do Paraná (TJD-PR), por conta do conflito generalizado ocorrido entre torcedores no clássico Atletiba do ano passado. Inicialmente, Coritiba e Athletico-PR teriam de jogar com portões fechados.

A permissão para que apenas mulheres e crianças comparecessem aos estádios foi a alternativa encontrada pelos times para driblar a punição, mas acabou se mostrando uma sacada e tanto de marketing, na medida em que encontrou boa adesão por parte desses públicos.

Desafios

Por enquanto, os clubes não anunciaram se pretendem repetir a experiência em datas futuras. E não é possível afirmar que a iniciativa inspirará outras equipes no Brasil ou no mundo. Em todo caso, para que a ideia possa ser repetida ou aprimorada, alguns desafios terão de ser encarados pelos times, patrocinadores e organizadores dos campeonatos.

Um deles reside na seguinte questão: como fazer para tornar os estádios seguros e atrativos para crianças, mulheres e outros públicos, sem apelar para medidas de restrição a homens adultos, que acabariam por afastar torcedores que tradicionalmente apoiam e geram receita para os clubes?

Para quem pensa que se trata de um simples detalhe, o primeiro jogo do Coritiba em casa, com o retorno dos homens, registrou um público total de 24.170 pessoas, das quais 23.338 pagaram ingresso em dinheiro.

Se bem que afastar ou impor restrições aos homens talvez nem seja a grande questão a ser enfrentada, mas talvez adotar medidas e criar estruturas que garantissem maior segurança, conforto e bem-estar às mulheres e crianças. Isso fica mais claro quando lembramos que muitos estádios brasileiros não contam com espaços como fraldários, salas de amamentação ou áreas de recreação para crianças menores, por exemplo.

O fato de muita gente não enxergar sequer a relevância dessa discussão já demonstra o quanto tende a ser complexo o caminho para a inclusão de outros públicos nas arenas esportivas.

Preço dos ingressos

O outro desafio para a inclusão é financeiro. Nas partidas restritas a mulheres e crianças realizadas no Paraná, Coritiba e Athletico-PR optaram por não fazer cobrança em dinheiro pelos ingressos. O valor da entrada foi 1kg de alimento não perecível.

No Campeonato Paranaense deste ano, o preço do ingresso para os jogos do Coritiba em casa custam, em média, R$ 150 a inteira e R$ 75 a meia-entrada. Esse é o valor que os torcedores de ambos os gêneros pagarão, por exemplo, para assistirem ao jogo entre o Coxa e o Azuris, de Pato Branco, no próximo domingo (29), no Couto Pereira.

No Campeonato Brasileiro do ano passado, os ingressos dos jogos do Athletico-PR na Arena da Baixada custavam R$ 200 a inteira e R$ 100 a meia. Esses valores são uma amostra de que os clubes talvez não estejam com tanto fôlego (nem disposição) para seguirem adiante com a estratégia de trocar ingressos por alimentos, ainda que ela favoreça uma causa nobre.

A sustentabilidade financeira será uma questão relevante a ser equacionada para que as partidas inclusivas possam prosperar no futebol. O primeiro passo foi dado, ainda que como resposta a uma punição da Justiça Desportiva. Resta saber até que ponto os clubes e seus patrocinadores estarão dispostos a avançar na ideia de trazer novos públicos aos estádios.

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