O retorno de Neymar ao Santos, neste ano, tem movimentado o futebol brasileiro, não apenas por conta da comoção gerada pela presença do jogador em campo, mas também pelas bandeiras que ele resolveu levantar, nas últimas semanas.
Depois de desferir duras críticas à bola oficial do Paulistão, fabricada pela Penalty, o atacante que, tem 229 milhões de seguidores no Instagram, resolveu iniciar uma campanha contra a utilização de grama sintética nos estádios de futebol do país.
O conteúdo foi publicado por outros jogadores de grandes clubes brasileiros, como Lucas Moura (que seria o idealizador do movimento), do São Paulo; Gabigol, do Cruzeiro; Memphis Depay, do Corinthians; e Phillipe Coutinho, do Vasco. Nas publicações, além de clamarem contra o uso da grama sintética, os atletas exigem ser ouvidos acerca da qualidade o piso utilizado nos estádios.
Todos esses jogadores têm em comum o fato de atuarem por clubes que utilizam grama natural em seus respectivos estádios. Atualmente, o piso sintético é adotado por Palmeiras, no Allianz Parque e na Arena Barueri; Botafogo, no Estádio Nilton Santos; Athletico-PR, na Ligga Arena; e Atlético-MG, na Arena MRV. Isto sem contar a Mercado Livre Arena Pacaembu.
A má qualidade dos gramados brasileiros é um problema antigo, a ponto de já ter rendido até ditados populares, como aquele segundo o qual a profissão de goleiro seria tão ingrata, que onde ele pisa não nasce grama.
Quem se der ao trabalho de buscar vídeos de partidas dos anos 1970 ou 1980 em grandes estádios brasileiros fatalmente irá se deparar com pequenas áreas desprovidas de qualquer cobertura vegetal. Isto sem contar cenas recorrentes de goleiros sendo traídos pelos chamados “morrinhos artilheiros”, nos chutes a longa distância.
Muito antes de existir grama sintética, portanto, gramados já representavam um problema não apenas no Brasil, mas em outros lugares do mundo. Quem não se recorda dos lamaçais que eram os campos de futebol da Inglaterra, antes da Premier League ser constituída, nos anos 1990?
Como funciona nas grandes ligas europeias?
Tão logo viralizaram os posts dos jogadores criticando os gramados sintéticos, a mídia especializada resgatou uma tendência observada em algumas ligas da Europa, que tem procurado banir esse tipo de piso em suas competições.
Na Holanda, por exemplo, os gramados sintéticos serão proibidos a partir da temporada 2025/2026. O modelo era muito utilizado pelos clubes menores, por acarretar numa diminuição de custos de manutenção, em comparação ao piso natural.
A futebol escocês é outro que irá banir a grama sintética de seus estádios, na temporada 2026/2027. O que pouco se comenta nesses debates, porém, é que a realidade dessas ligas difere da brasileira, numa série de aspectos.
No Brasil, por exemplo, os estádios de futebol das grandes cidades acabaram se tornando o espaço preferencial para a realização de shows e grandes eventos não esportivos, pois são os poucos locais que contam com estrutura necessária para receber dezenas de milhares de pessoas de uma vez.
Na Europa, por outro lado, as cidades mais importantes contam com espaços próprios para a realização de shows. Estádios de futebol que recebem eventos com mais frequência, como o caso de Wembley, em Londres, o Stade de France, em Paris, não são utilizados de maneira recorrente pelos clubes locais.
Na prática, eles acabam sediando poucos jogos de futebol ao ano, o que propicia melhores condições para a recuperação de seus gramados naturais.
Mesmo no caso de estádios que são utilizados por clubes, como London Stadium, casa do West Ham, que receberá o show do Iron Maiden em 28 de junho, ou o San Siro, de Internazionale e Milan, que terá duas apresentações de Bruce Springteen, os eventos não esportivos acabam sendo mais esporádicos e se concentram na metade do ano, período que coincide com as férias nas principais ligas europeias.
A tecnologia utilizada atualmente em alguns desses locais facilita e muito a presença de grama natural, mesmo numa arena multiuso. É o caso do Tottenham Hotspur Stadium, onde jogou Lucas Moura, antes de seu retorno ao São Paulo.
O estádio do Tottenham, com capacidade para 62 mil torcedores, possui gramado natural retrátil, que pode ser substituído automaticamente por um piso sintético, sempre que necessário.
Graças à tecnologia, arena poderá receber seis shows da popstar Beyoncé, em junho deste ano, sem temer qualquer dano ao seu gramado.
Esse sistema está presente na Veltins-Arena, do Schalke 04, e será utilizada no novo Santiago Bernabéu, do Real Madrid.
Outro fator que deve ser considerado é o próprio calendário de competições em vigor no Brasil e na Europa. Vencedor das últimas edições da Champions League e da LaLiga, o Real Madrid realizou, por exemplo, um total de 56 partidas na temporada 2023/2024.
Já o Botafogo, que ganhou a Copa Libertadores e o Brasileirão do ano passado, entrou em campo 75 vezes em 2024, o que equivale a 33% mais partidas que o time espanhol.
O calendário mais intenso representa um problema adicional na equação da qualidade dos gramados brasileiros.
Padrão
Na Europa, vigoram regras específicas bem detalhadas, que definem um padrão para os pisos no futebol profissional. A Champions League, por exemplo, determina que a altura da grama não pode ultrapassar 30 milímetros de altura, com essa medida podendo ser reduzida, caso árbitro ou delegado da partida considerem necessário.
O regulamento estabelece até mesmo como e quando o gramado pode ser molhado. Na Premier League, a altura máxima de 30 milímetros também vigora, mas as regras de irrigação são mais flexíveis.
Por aqui, o Regulamento Geral de Competições da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) diz que compete ao clube mandante “tomar as necessárias providências para que a iluminação do estádio, os gramados e demais condições de estrutura estejam em plenas condições de uso, inclusive para partidas noturnas e transmissões”.
Clubes defendem seus estádios
Palmeiras e Atlético-MG emitiram notas, nesta terça-feira (18), defendendo a qualidade de seus gramados sintéticos.
Confira a nota do Atlético-MG:
Referente às publicações realizadas por alguns atletas a respeito da utilização de gramados artificiais no Brasil, o Atlético informa que:
O Clube respeita a opinião desses atletas, porém ressalta que não há estudos científicos que comprovem aumento do risco de lesões em gramados artificiais.
O gramado sintético que está sendo implementado na Arena MRV é o Quality Pro Stadium, que possui autenticação da FIFA Quality Pro, a mais alta certificação mundial para gramados sintéticos de futebol.
O Atlético reforça a necessidade de um amplo debate sobre a qualidade dos gramados no Brasil, sejam eles naturais ou sintéticos, para que o produto futebol seja cada vez mais valorizado.
Nota do Atlético-MG
Confira a nota do Palmeiras:
Diante da publicação realizada conjuntamente por alguns jogadores contra a utilização de gramados artificiais no futebol brasileiro, a Sociedade Esportiva Palmeiras esclarece que:
– O campo sintético do Allianz Parque é certificado pela Fifa, que realiza inspeções anuais desde a sua implementação, em 2020, a fim de aferir que o piso siga os mesmos parâmetros de um campo de grama natural em perfeito estado;
– Não há qualquer comprovação científica de que o risco de lesão em campos artificiais seja maior do que em campos naturais. Pelo contrário: recente estudo publicado pela revista “The Lancet Discovery Science” aponta que a incidência de contusões em jogos de futebol disputados em gramados artificiais é inferior à de lesões em campos naturais;
– Diferentes levantamentos realizados por veículos de imprensa mostram que o Palmeiras, ao longo dos últimos cinco anos, é o clube da Série A do Campeonato Brasileiro com menor número de lesões;
– O clube respeita a opinião dos atletas que manifestaram preferência por campos de grama natural e considera urgente o debate sobre a qualidade dos gramados do futebol brasileiro; este problema, contudo, não será solucionado com críticas rasas e sem base científica.
Nota do Palmeiras
O que diz o fabricante
A Máquina do Esporte conversou com Ricardo Leyser Gonçalves, assessor da diretoria da Soccer Grass, empresa que fornece o gramado sintético do Allianz Parque.
De acordo com ele, as críticas ao produto seriam baseadas no preconceito, com base em tecnologias que já estão ultrapassadas. “O número de lesões ocorridas no Allianz Parque é inferior ao dos demais estádios brasileiros”, afirmou.
Ainda segundo ele, o estádio do Palmeiras seria o único que, nos dias atuais, atenderia aos padrões da Federação Internacional de Futebol (Fifa).
“Se o laboratório da Fifa viesse amanhã fazer um teste nos estádios brasileiros, a maioria seria reprovada. Menos o Allianz Parque”, disse.
Na avaliação do executivo, o conceito de arena arena multiuso só pode ser viável no Brasil, com a utilização do gramado sintético.
“O tempo de recuperação do gramado natural após um grande show pode chegar a 15 dias. No caso do piso sintético, é possível realizar uma partida seis horas depois do evento, sem precisar trocar nada. Quando o Palmeiras adotou a grama sintética, ganhou sete jogos a mais em casa, por temporada. Sem shows, a conta dos clubes não fecha”, disse Leyser.
Neymar já foi adepto da grama sintética
Apesar das duras críticas feitas à grama sintética, o atacante Neymar já utilizou o produto em diversos de seus empreendimentos particulares.
O piso sintético está presente, por exemplo, na Arena Soccer Grass Neymar Jr., localizada em São Paulo (SP).
A empresa, que é fornecedora do Allianz Parque, também foi responsável por instalar grama artificial no campo de futebol do Instituto Neymar Jr., que atende a crianças em Praia Grande (SP).
No perfil do Instagram da Arena Soccer Grass Neymar Jr. há um post datado de março de 2021, que trata de mais uma aquisição de grama sintética feita pelo jogador junto à empresa.
Segundo a publicação, Neymar instalou grama artificial, do mesmo modelo utilizado na época no Allianz Parque, em sua casa localizada no Rio de Janeiro (RJ).