Nos últimos meses, torcedores de clubes tradicionais do futebol brasileiro têm sido “surpreendidos” com as notícias de que seus times do coração deram entrada em pedidos de recuperação judicial. O espanto não se deve propriamente à descoberta de que as situações financeiras das agremiações são ruins. Afinal, a maioria delas vem atravessando momentos econômicos pra lá de turbulentos, que acabam se refletindo em campo.
O que chama a atenção nesse movimento dos clubes solicitando recuperação judicial é que, enfim, eles passam a buscar meios de sanear e reestruturar suas finanças. Entre os clubes que resolveram tentar essa segunda chance recentemente estão alguns que já brilharam nos gramados do Brasil e da América do Sul, caso do Cruzeiro, bicampeão da Libertadores da América e detentor de diversos títulos de expressão estadual e nacional.
Também integram a lista dos que pediram recuperação judicial Santa Cruz (que deu entrada nesta semana), Coritiba, Chapecoense, Paraná e Joinville. Isso sem contar o Figueirense, pioneiro no Brasil em buscar um acordo extrajudicial com os credores para equacionar suas dívidas.
Alternativa à falência
De acordo com Fred Luz, diretor da A&M Sportainment, área de esporte e entretenimento da consultora Alvarez & Marsal, a recuperação judicial é um dispositivo criado inicialmente para empresas que atravessam graves dificuldades financeiras, como forma de garantir que elas possam criar condições de pagar seus credores.
“Antes disso, o que existia era a falência, que encerrava as atividades da empresa e utilizava seu patrimônio para garantir o pagamento das dívidas. O problema é que, naquele modelo, muitos credores ficavam sem receber”, afirmou Luz.
A recuperação judicial representaria, dessa forma, uma maior segurança tanto para quem deve, que pode programar o pagamento dos débitos, sem correr o risco de ter suas receitas confiscadas, quanto para o credor, que passa a contar com um plano de pagamento da dívida homologado pela Justiça.
A lei da recuperação judicial entrou em vigor em 2005 e, em seus primeiros anos, não foi utilizada em casos envolvendo associações sem fins lucrativos (caso dos clubes de futebol). Com o passar do tempo, hospitais filantrópicos e instituições de ensino passaram a buscar acordos mediante esse dispositivo, mas esses episódios representavam exceções.
Lei das SAFs
A lei que criou as Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) alterou essa realidade, abrindo caminho para que clubes em sérias dificuldades financeiras pudessem recorrer à recuperação judicial. O pioneiro no Brasil em buscar esse tipo de acordo, ainda que de maneira extrajudicial, foi o Figueirense.
No ano passado, o clube catarinense foi rebaixado à Série C do Campeonato Brasileiro, mas possuía dívidas equivalentes às de agremiações da Série A. Naquelas condições, explicou Luz, os débitos do clube não eram pagáveis.
Com a recuperação extrajudicial, homologada em dezembro de 2021, o Figueirense conseguiu carência para fazer a quitação dos débitos e manter suas portas abertas. Em 2023, já com a dívida equacionada, o time poderá contar com o aumento em suas receitas, principalmente se conseguir subir para a Série B do Brasileiro do ano que vem. O jogo decisivo para o acesso será disputado neste sábado (24), diante do ABC, no Estádio Orlando Scarpelli. Além de vencer, o time catarinense ainda precisa de um tropeço do Vitória diante do Paysandu, em Belém (PA).
Em julho deste ano, o time iniciou o acerto para criar sua SAF. “Hoje, o Figueirense tem um investidor que sabe o tamanho da dívida do clube e também o de seu patrimônio”, disse Luz, que participou da implementação desse acordo de recuperação extrajudicial.
Cruzeiro
O Cruzeiro, que amargou três anos seguidos na Série B, também precisou recorrer à recuperação judicial para sanear suas finanças. Em abril deste ano, o clube criou sua SAF, que passou a ter o ex-jogador Ronaldo Nazário como principal acionista.
O plano de recuperação do clube envolveu mudanças no perfil de contratações, com a montagem de um elenco modesto, porém eficaz para a realidade cruzeirense. Além da redução da folha salarial, foi implantado um plano de pagamento das dívidas e controle dos gastos.
“A mudança estrutural que o clube passou foi extremamente necessária. Isso já deveria ter acontecido há muitos anos. Apesar desse processo de aprendizado, com a nova gestão da SAF, a direção atual sabe qual patamar pode alcançar”, afirmou Renê Salviano, CEO da Heatmap, que já foi diretor de marketing e comercial do Cruzeiro.
Atualmente, o pedido de recuperação judicial do time mineiro está sendo analisado pelos credores. Apenas com a aprovação deles o acordo poderá ser homologado pela Justiça. Além disso, é necessário que um juiz defira a recuperação, depois de analisar se o plano de pagamento dos débitos cumpre os requisitos legais. Um deles é que a proposta do devedor seja compatível com suas condições de saldar os débitos.
Coritiba
O Coritiba, campeão brasileiro de 1985, é outro caso de um clube tradicional que encontrou na recuperação judicial uma saída para seus dramas financeiros. A proposta do time já foi aceita pelos credores, em assembleia realizada no fim do mês passado. Agora, o plano depende apenas da homologação de um juiz para entrar em vigor.
A dívida do Coritiba é avaliada em R$ 260 milhões. Em agosto, o clube divulgou que “a aprovação do plano de recuperação judicial representa mais um importante passo do nosso projeto de reestruturação. Junto com a constituição da SAF [Sociedade Anônima do Futebol] e a busca por um investidor estratégico, o clube garante condições de se reequilibrar economicamente”.
A busca de um investidor é uma das condições para que o clube possa reorganizar suas finanças.
“Queremos ter alguém com a mesma preocupação de pagamento da dívida, um parceiro que queira fazer um projeto sustentável a longo prazo, que tenha vontade de formar jogadores, busque ganhos esportivos e crescimento da torcida, e respeite as tradições do clube”, afirmou Lucas Pedrozo, head administrativo e financeiro do Coritiba, em entrevista concedida à Máquina do Esporte no início do mês passado.