Recuperação financeira dá nova chance para clubes tradicionais do Brasil se reerguerem 

Nos últimos meses, torcedores de clubes tradicionais do futebol brasileiro têm sido “surpreendidos” com as notícias de que seus times do coração deram entrada em pedidos de recuperação judicial. O espanto não se deve propriamente à descoberta de que as situações financeiras das agremiações são ruins. Afinal, a maioria delas vem atravessando momentos econômicos pra lá de turbulentos, que acabam se refletindo em campo.  

O que chama a atenção nesse movimento dos clubes solicitando recuperação judicial é que, enfim, eles passam a buscar meios de sanear e reestruturar suas finanças. Entre os clubes que resolveram tentar essa segunda chance recentemente estão alguns que já brilharam nos gramados do Brasil e da América do Sul, caso do Cruzeiro, bicampeão da Libertadores da América e detentor de diversos títulos de expressão estadual e nacional.  

Goleiro Rafael Cabral tem sido um dos destaques da campanha do acesso do Cruzeiro à Série A – Reprodução / Twitter (@Staff_images)

Também integram a lista dos que pediram recuperação judicial Santa Cruz (que deu entrada nesta semana), Coritiba, Chapecoense, Paraná e Joinville. Isso sem contar o Figueirense, pioneiro no Brasil em buscar um acordo extrajudicial com os credores para equacionar suas dívidas. 

Alternativa à falência

De acordo com Fred Luz, diretor da A&M Sportainment, área de esporte e entretenimento da consultora Alvarez & Marsal, a recuperação judicial é um dispositivo criado inicialmente para empresas que atravessam graves dificuldades financeiras, como forma de garantir que elas possam criar condições de pagar seus credores.  

“Antes disso, o que existia era a falência, que encerrava as atividades da empresa e utilizava seu patrimônio para garantir o pagamento das dívidas. O problema é que, naquele modelo, muitos credores ficavam sem receber”, afirmou Luz.  

A recuperação judicial representaria, dessa forma, uma maior segurança tanto para quem deve, que pode programar o pagamento dos débitos, sem correr o risco de ter suas receitas confiscadas, quanto para o credor, que passa a contar com um plano de pagamento da dívida homologado pela Justiça.  

A lei da recuperação judicial entrou em vigor em 2005 e, em seus primeiros anos, não foi utilizada em casos envolvendo associações sem fins lucrativos (caso dos clubes de futebol). Com o passar do tempo, hospitais filantrópicos e instituições de ensino passaram a buscar acordos mediante esse dispositivo, mas esses episódios representavam exceções.  

Lei das SAFs

A lei que criou as Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) alterou essa realidade, abrindo caminho para que clubes em sérias dificuldades financeiras pudessem recorrer à recuperação judicial. O pioneiro no Brasil em buscar esse tipo de acordo, ainda que de maneira extrajudicial, foi o Figueirense. 

No ano passado, o clube catarinense foi rebaixado à Série C do Campeonato Brasileiro, mas possuía dívidas equivalentes às de agremiações da Série A. Naquelas condições, explicou Luz, os débitos do clube não eram pagáveis.  

Com a recuperação extrajudicial, homologada em dezembro de 2021, o Figueirense conseguiu carência para fazer a quitação dos débitos e manter suas portas abertas. Em 2023, já com a dívida equacionada, o time poderá contar com o aumento em suas receitas, principalmente se conseguir subir para a Série B do Brasileiro do ano que vem. O jogo decisivo para o acesso será disputado neste sábado (24), diante do ABC, no Estádio Orlando Scarpelli. Além de vencer, o time catarinense ainda precisa de um tropeço do Vitória diante do Paysandu, em Belém (PA).  

Figueirense terá jogo decisivo contra o ABC na tentativa de subir à Série B – Reprodução / Twitter (@FigueirenseFC)

Em julho deste ano, o time iniciou o acerto para criar sua SAF. “Hoje, o Figueirense tem um investidor que sabe o tamanho da dívida do clube e também o de seu patrimônio”, disse Luz, que participou da implementação desse acordo de recuperação extrajudicial.

Cruzeiro

O Cruzeiro, que amargou três anos seguidos na Série B, também precisou recorrer à recuperação judicial para sanear suas finanças. Em abril deste ano, o clube criou sua SAF, que passou a ter o ex-jogador Ronaldo Nazário como principal acionista.  

O plano de recuperação do clube envolveu mudanças no perfil de contratações, com a montagem de um elenco modesto, porém eficaz para a realidade cruzeirense. Além da redução da folha salarial, foi implantado um plano de pagamento das dívidas e controle dos gastos.  

“A mudança estrutural que o clube passou foi extremamente necessária. Isso já deveria ter acontecido há muitos anos. Apesar desse processo de aprendizado, com a nova gestão da SAF, a direção atual sabe qual patamar pode alcançar”, afirmou Renê Salviano, CEO da Heatmap, que já foi diretor de marketing e comercial do Cruzeiro

Atualmente, o pedido de recuperação judicial do time mineiro está sendo analisado pelos credores. Apenas com a aprovação deles o acordo poderá ser homologado pela Justiça. Além disso, é necessário que um juiz defira a recuperação, depois de analisar se o plano de pagamento dos débitos cumpre os requisitos legais. Um deles é que a proposta do devedor seja compatível com suas condições de saldar os débitos. 

Coritiba

O Coritiba, campeão brasileiro de 1985, é outro caso de um clube tradicional que encontrou na recuperação judicial uma saída para seus dramas financeiros. A proposta do time já foi aceita pelos credores, em assembleia realizada no fim do mês passado. Agora, o plano depende apenas da homologação de um juiz para entrar em vigor.  

Atualmente, o Coritiba é o 16º colocado da Série A do Brasileirão – Guilherme Griebeler / Coritiba

A dívida do Coritiba é avaliada em R$ 260 milhões. Em agosto, o clube divulgou que “a aprovação do plano de recuperação judicial representa mais um importante passo do nosso projeto de reestruturação. Junto com a constituição da SAF [Sociedade Anônima do Futebol] e a busca por um investidor estratégico, o clube garante condições de se reequilibrar economicamente”. 

A busca de um investidor é uma das condições para que o clube possa reorganizar suas finanças.

“Queremos ter alguém com a mesma preocupação de pagamento da dívida, um parceiro que queira fazer um projeto sustentável a longo prazo, que tenha vontade de formar jogadores, busque ganhos esportivos e crescimento da torcida, e respeite as tradições do clube”, afirmou Lucas Pedrozo, head administrativo e financeiro do Coritiba, em entrevista concedida à Máquina do Esporte no início do mês passado.

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