No Game of Thrones da vida real que se tornou a encarniçada luta pelo comando do futebol brasileiro, o dirigente Ednaldo Rodrigues contou com apoio providencial de um salvador trajado de capa escura meio esvoaçante (ou melhor toga), para retornar ao “trono” do qual fora derrubado no fim de 2023.
Na tarde desta quinta-feira (4), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar determinando o retorno de Rodrigues à presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
O retorno do cartola embaralha ainda mais os já intrincados jogos do poder que passaram a marcar o futebol brasileiro nos últimos meses. A decisão de Mendes foi motivada por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), que contestou a sentença proferida pela 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 7 de dezembro de 2023, e que afastou Rodrigues do comando da CBF.
O argumento utilizado pelos magistrados para derrubar Rodrigues era de que o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado por ele junto ao Ministério Público, logo que assumiu a presidência – na esteira da renúncia de Rogério Caboclo (envolvido em denúncias de assédio sexual) -, seria ilegítimo, uma vez que o órgão não teria prerrogativa de intervir numa entidade privada com esse tipo de acordo.
A “regência” da CBF passou para as mãos do presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), José Perdiz. Inicialmente, estava previsto que ele permaneceria na presidência com a missão de convocar uma nova eleição para a entidade, dentro do prazo de 30 dias.
Aproveitando essa brecha surgida com o afastamento de Rodrigues, o presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF), Reinaldo Carneiro Bastos, conseguiu articular diversos clubes e federações, em torno de uma candidatura para esse pleito, que agora tem grandes chances de nem mesmo ocorrer.
O que diz a sentença
O PC do B já havia tentado anular anteriormente o afastamento de de Rodrigues, sem êxito, mas resolveu realizar nova investida nesta semana, alegando a existência de fatos novos. No caso, a hipótese de a seleção brasileira de futebol ficar de fora dos Jogos Olímpicos de Paris, uma vez que Fifa e Conmebol não reconhecem Perdiz como representante legítimo da CBF (portanto, ele não estaria apto a inscrever o time nacional na competição).
A Adin proposta pelo PC do B contou com pareceres favoráveis tanto da Procuradoria-Geral da República (PGR) quanto da Advocacia-Geral da União (AGU). Esta última afirmou, em sua manifestação, que decisão da Justiça do Rio e a nomeação de Perdiz como presidente da CBF não seriam “constitucionalmente adequadas e consentâneas com a autonomia desportiva constitucionalmente assegurada”.
Rodrigues tinha como advogado José Eduardo Cardozo, que foi ministro da Justiça no governo de Dilma Rousseff e também vereador e deputado federal pelo PT.
Rodrigues chegou à presidência da CBF em 2021, como interino. No ano seguinte, seria eleito para o cargo. Foi justamente graças ao TAC firmado com o Ministério Público que ele conseguiu concorrer e vencer nessa eleição, mais tarde contestada pela Justiça do Rio.
Disputa pelo poder
A decisão de Mendes não é definitiva, pois se trata de uma liminar. Nos bastidores, essa sentença provisória já era aguardada, uma vez que o STF está em recesso e deverá apreciar o caso, de maneira colegiada, apenas no começo de fevereiro.
Apesar de retomar o cargo, a tendência é que Rodrigues enfrente muitas dores de cabeça nesse retorno. O cartola já vinha sofrendo desgastes, que se tornaram escancarados nas últimas semanas.
A novela em torno da definição do técnico da seleção brasileira masculina é apenas um dos casos mais evidentes. Em tempos recentes, o Brasil vinha observando uma situação confusa, com Fernando Diniz dividindo-se entre o Fluminense e o comando interino do time verde e amarelo, que, por sua vez, aguardava a chegada de Carlo Ancelotti, em definitivo.
A espera pelo técnico salvador durou meses, até que, no apagar das luzes de 2023, o italiano decidiu renovar com o Real Madrid, abandonando a CBF “no altar”.
Mas o desgaste de Rodrigues tem a ver também com os interesses econômicos de grupos que disputam a hegemonia sobre os direitos comerciais e de mídia das principais competições de futebol do país, em especial do Campeonato Brasileiro.
Grupos em disputa
Conforme revelou a Máquina do Esporte, a ascensão e queda de Ednaldo Rodrigues no comando da CBF coincidiu com a mudança na correlação de forças entre os grupos que tentam dominar os direitos comerciais e de mídia das principais competições do país.
A Brax, que hoje controla os direitos comerciais da Copa do Brasil, Série B do Brasileirão, Copa do Nordeste e a publicidade estática da Série A, experimentou grande crescimento no período em que Rodrigues esteve na presidência da CBF.
Uma das prejudicadas com essa situação foi a LiveMode, que perdeu para a Brax os direitos da Copa do Nordeste, justamente por influência de Rodrigues.
Não por acaso, Carneiro Bastos contaria com o apoio da LiveMode, em sua tentativa de conquistar a presidência da entidade. O outro candidato seria Flavio Zveiter, ex-presidente do STJD e um dos principais articuladores da Liga do Futebol Brasileiro (Libra), um dos grupos que tentam conduzir o processo de criação de uma eventual liga desse esporte no país.
Para se candidatar à presidência da CBF, um dirigente precisa contar com os endossos de, no mínimo, oito federações e cinco clubes. Segundo a projeção da Máquina do Esporte, com base nos apoios divulgados, Carneiro Bastos seria favorito para se eleger ao cargo.
Os votos das federações estaduais têm peso três, enquanto os dos clubes da Série A valem dois e os da B possuem peso 1. Diante da intensa mobilização ocorrida pelo grupo de Carneiro Bastos nos últimos dias, é muito difícil acreditar que Rodrigues terá vida tranquila para permanecer por mais dois anos no cargo, até o fim do mandato.
Sobretudo porque, no manifesto divulgado em 29 de dezembro, o grupo fez críticas duras à atual gestão da CBF.
“O futebol sofre, como nunca antes, ingerências que tumultuam o já complexo ambiente do esporte, a pretexto de interesses individuais duvidosos”, afirma um trecho do texto.
Na próxima segunda-feira (8), é aguardada a vinda de uma comitiva com representantes da Fifa e da Conmebol ao Brasil. O grupo deve visitar a sede da CBF e reunir-se com Rodrigues e, possivelmente, Perdiz, para então tomar uma decisão a respeito da polêmica.