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SAFiel quer tornar torcida a dona do futebol do Corinthians

Grupo de empresários articula a criação de uma Sociedade Anônima com controle majoritário de torcedores para gerir o clube

Torcida do Corinthians é o foco do projeto SAFiel - José Manoel Idalgo / Corinthians

Nas últimas semanas, o tema SAFiel tem agitado os bastidores do Corinthians. Classificada para as quartas de final da Copa do Brasil após eliminar o arquirrival Palmeiras, a equipe atravessa um momento conturbado em outras áreas.

Além das dívidas que ultrapassam R$ 2,3 bilhões, o clube ainda convive com uma crise política sem precedentes em sua história. No próximo sábado (9), os sócios do Timão decidirão se cassam ou não o mandato de Augusto Melo, que foi afastado da presidência após se tornar alvo de denúncias envolvendo o contrato de patrocínio máster com a casa de apostas VaideBet.

Se Melo perder de fato o mandato, o Conselho Deliberativo escolherá um novo presidente para permanecer no cargo até o fim de 2026, época em que está prevista a realização da próxima eleição da diretoria do Corinthians.

Em meio a esse cenário turvo, marcado por denúncias e disputas políticas, o clube tenta se reerguer financeiramente e ainda seguir competitivo, missão que, por vezes, aparenta ser quase impossível.

Como surgiu a ideia

A busca por soluções para livrar o Corinthians de um eventual desfecho tenebroso é que motivou a criação do projeto SAFiel por um grupo de torcedores formado pelo empresário do ramo de tecnologia Carlos Teixeira, o investidor Mauricio Chamati (fundador do Mercado Bitcoin), o advogado tributarista Eduardo Salusse e o publicitário Lucas Brasil.

Carlos Teixeira é um dos idealizadores da SAFiel – Divulgação

“A história de como a ideia surgiu é curiosa. No primeiro momento, resolvemos nos reunir para pensar em soluções para o Corinthians, enquanto pessoas de fora do clube. O caminho óbvio que surgiu era um projeto político, ou seja, cada um virar sócio, esperar o prazo legal e se habilitar para as próximas eleições. Depois de três semanas, ficou claro que esse caminho era inviável”, contou Carlos Teixeira.

O grupo chegou à conclusão de que a saída para o Timão estaria na ajuda do capital externo. Porém, eles estavam cientes de que esse projeto teria de levar em conta algumas peculiaridades do clube.

Advogado Eduardo Salusse integra o grupo que concebeu o projeto SAFiel – Divulgação

“Para um time que foi fundado por operários para desafiar as equipes privilegiadas do estado, seria muito difícil conviver com a figura de um grande capitalista controlando o futebol. Então, a solução teria de aliar o capital a essa história do clube”, explicou Carlos.

A ideia do grupo é criar uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF) democrática, em um formato distinto do que vigora atualmente na maioria dos times brasileiros que adotaram esse modelo de gestão e hoje estão sob o controle de grandes investidores.

O projeto foi batizado de SAFiel e pretende, em linhas gerais, tornar a torcida a dona do futebol do clube. Esse modelo ainda é pouco conhecido no Brasil, mas é adotado com sucesso em outros países, como nos Estados Unidos, com o Green Bay Packers, da National Football League (NFL), e na Alemanha, com o Bayern de Munique, da Bundesliga.

“Além de olhar para esses dois exemplos externos, analisamos a própria Lei das SAFs no Brasil, que cria boas condições para que nossa ideia seja implantada”, revelou o empresário.

Publicitário Lucas Brasil também é idealizador do projeto SAFiel – Divulgação

Como funcionaria a SAFiel

Assim como ocorre nas demais SAFs em vigor no Brasil, a SAFiel também teria parte de seu capital controlado pelo clube associativo.

De acordo com Carlos, o percentual que ficaria nas mãos da associação está aberto a negociação.

“Estamos iniciando agora com o Parque São Jorge. Enviamos um comunicado à diretoria, pedindo para discutir esse tema com eles, inclusive qual percentual gostariam de manter na SAF, pois isso irá determinar o valor do aporte. Todas as opções estão postas na mesa”, afirmou.

A outra parte do capital estaria sob o controle de outro CNPJ, denominado, por enquanto, de Invasão Fiel S.A., que reuniria todos os demais investidores da Sociedade Anônima, os quais seriam divididos em duas categorias.

Uma delas teria direito a voto e seria, portanto, voltada ao público que é corintiano de fato. Um dos requisitos para adquirir essa classe de ações seria contratar o Plano Fiel Torcedor por um período longo, que deve ser estabelecido entre quatro e cinco anos no mínimo.

Mauricio Chamati integra o grupo que idealizou a SAFiel – Divulgação

A outra classe de ações seria a das preferenciais, que não requerem vínculo com o programa de sócio-torcedor do clube nem dão direito a voto ao proprietário, que poderá vendê-las após cinco anos, em uma eventual Oferta Pública Inicial (IPO, na sigla em inglês).

As ações com direito a voto, voltadas a torcedores, serão divididas em lotes, buscando contemplar diferentes perfis de investidores, desde os grandes, que poderão aportar em torno de R$ 10 milhões, até os pequenos, com preços iniciais na casa de R$ 200.

Os pesos dos votos seriam proporcionais ao capital de cada investidor. Os acionistas terão direito a três cadeiras nos Conselhos de Fiscalização e Administração, que contarão ainda com quatro membros independentes, medida que busca reforçar a imagem de transparência do projeto.

A intenção dos idealizadores do projeto é apresentar ao mercado, no momento da futura captação de investimentos, os nomes dos conselheiros independentes e do CEO que ficará à frente da SAF.

“Isso dá credibilidade ao projeto, facilita o processo de captação de investimentos e aumenta a transparência da SAF”, ressaltou Carlos.

Já o Comitê de Governança seria formado por sócios com capital relevante, eleitos pela Assembleia Geral de Sócios.

“Isso garante que a governança esteja sempre ancorada em capital significativo”, avaliou o empresário do ramo de tecnologia.

Retorno para os investidores

De acordo com ele, durante os primeiros cinco anos de vigência da SAF, não está previsto o pagamento de remuneração aos acionistas.

“Após esse prazo, os dividendos não estão descartados. Mas ainda não refinamos os detalhes de como funcionaria”, explicou o empresário.

Carlos salientou, porém, que a valorização nesse tipo de negócio vem muito mais do crescimento da operação como um todo do que da margem de retorno que ele oferece.

“O objetivo está muito mais na valorização da marca do que na rentabilidade que ele proporciona”, disse.

Com base nessa premissa, o projeto prevê que grande parte do possível lucro obtido pela SAF será reinvestido na própria operação, de modo a fazer crescer o valor da marca Corinthians.

“O mercado de entretenimento, que inclui os esportes, é um dos que mais crescem no mundo, e o potencial do Brasil é imenso”, afirmou.

A SAFiel também contará com um plano de negócios, que será apresentado no momento da abertura da captação de investimentos.

“Ele trará detalhes de como a dívida do clube será paga e dos investimentos que serão feitos. Já temos uma projeção para um período de dez anos e, no momento oportuno, vamos trazer à luz”, revelou Carlos.

Resistência

Apesar de os idealizadores estarem animados com o projeto, a ideia deve enfrentar, pelo menos neste primeiro momento, certa resistência dentro do Parque São Jorge.

Em entrevista coletiva concedida na última sexta-feira (1º), o presidente do Conselho Deliberativo do Corinthians, Romeu Tuma Jr., atual homem forte da política do clube, fez críticas à proposta e ao próprio modelo de SAF, chegando a desafiar os jornalistas presentes a citarem exemplos que teriam dado certo no Brasil.

“Fala duas aí que deram certo, que o time está voando para caramba. O Corinthians não nasceu para ser entreposto de empresário. Tem sido usado, mas não nasceu para isso”, enfatizou o cartola.