Nos últimos anos, o futebol brasileiro vem sendo sacudido (às vezes quase semanalmente ou até diariamente) por notícias sobre algum clube que fechou o maior patrocínio máster de sua história.
Esse movimento de anunciar os megapatrocínios ganhou força na medida em que o cenário passou a ser dominado pelas casas de apostas esportivas, que hoje ocupam os espaços principais nas camisas de 19 dos 20 clubes da Série A do Brasileirão.
A única exceção é o Red Bull Bragantino, que opta por divulgar com mais destaque a bebida energética que é o carro-chefe do grupo, embora também seja patrocinado por um site da apostas, a Betfast.
As cifras divulgadas pelos clubes são superlativas, ultrapassando a casa das dezenas de milhões de reais ao ano. Mesmo mercados que enfrentavam a dificuldade crônica de atrair grandes patrocinadores, caso da Região Nordeste, hoje anunciam acordos com somas astronômicas.
O Fortaleza, por exemplo, fechou no último mês um contrato com a Cassino, que é considerado o maior da história do futebol cearense, com dois anos de duração e que poderá render até R$ 60 milhões ao clube, incluindo as bonificações por metas atingidas.
De volta à Série A neste ano, o Sport também conseguiu um maior patrocínio da história para chamar de seu. O clube de Recife (PE) firmou um acordo de dois anos com a Betnacional, podendo receber até R$ 72 milhões durante esse período.
O Bahia é outro que aproveitou para mergulhar de cabeça na caixa-forte do setor de apostas, trocando o Esportes da Sorte pela Viva Sorte Bet.
Neste caso, o clube apenas anunciou que o contrato será o maior de sua história, embora não tenha especificado valores. A tendência é de que a quantia seja superior aos R$ 57 milhões que o antigo patrocinador máster destinava ao clube.
A disposição das plataformas de apostas, as chamadas “bets”, para investir no futebol brasileiro parece não ter limites. Elas estão nas principais competições, seja com patrocínios eventuais, seja com vínculos permanentes, que incluem os naming rights de grandes torneios.
Nos clubes, além de garantirem recursos para a manutenção do futebol de um modo geral, elas ainda são decisivas para a contratação de medalhões, como é o caso de Memphis Depay, no Corinthians.
Em um vídeo do Máquina Explica, o fundador e CEO da Máquina do Esporte, Erich Beting, citou os fortes investimentos das empresas de apostas em patrocínios como sendo um dos fatores fundamentais para a hegemonia dos times brasileiros na América do Sul.
Nunca antes na história deste país os clubes faturaram tanto com parcerias comerciais, como na “Era de Ouro” dos patrocínios de apostas. Mas, como já alertou o naturalista britânico David Attenborough, “quem acredita em crescimento infinito em um planeta fisicamente finito, ou é louco, ou é economista”.
Por mais promissora que a situação atual possa parecer, ela possui alguns pontos frágeis, que merecem ser analisados a fundo e que podem tornar inviável a manutenção do modelo dos megapatrocínios.
Como as casas de apostas dominaram os patrocínios?
O negócio das “bets” tem relação direta com o esporte, especialmente o futebol, modalidade mais popular do país e que acaba concentrando o maior volume de apostas.
Dessa forma, os investimentos feitos pelas empresas do setor em patrocínios a clubes, competições e transmissões esportivas acabam representando uma situação quase óbvia, na medida em que permitem a elas ficar em evidência junto a seu público-alvo.
Mas existe um fator principal que permitiu às “bets” avançarem no futebol brasileiro, monopolizando os maiores clubes do país: o dinheiro. Desde que as apostas esportivas se tornaram uma realidade no Brasil, as empresas do segmento tiveram a oportunidade de faturar quantias imensas, com um retorno impossível de ser alcançado por outros setores da economia.
Na avaliação de Gustavo Biglia, sócio do Ambiel Advogados e especialista em regulamentação de jogos e apostas, os megapatrocínios feitos pelas “bets” no futebol brasileiro em tempos recentes é fruto do faturamento obtido pelas empresas nas operações passadas, que antecederam a regulamentação do mercado, em vigor desde o início deste ano.
“Anteriormente, quando não havia tributação, as casas de apostas obtinham uma margem líquida equivalente a algo entre 40% e 50% do GGR. Se uma plataforma tivesse um faturamento bruto de R$ 100 milhões ao mês, seu lucro seria de pelo menos R$ 40 milhões”, explicou o especialista.
Durante seis anos, as empresas de apostas conviveram com essas margens líquidas elevadas. A partir da regulamentação do setor, porém, o cenário passa a ser outro.
Regulamentação reduziu lucro das empresas
A regulamentação das apostas passou a valer, de fato, a partir de 1º de janeiro deste ano, sujeitando as “bets” a uma série de obrigações, antes inexistentes. A primeira delas é a de repassar, todos os meses, o equivalente a 12% do GGR para órgãos públicos, como o Ministério do Esporte, e também a entidades privadas, como comitês e confederações que integram o Sistema Nacional do Esporte (SNE).
GGR é a sigla em inglês para Gross Gaming Revenue, que equivale ao total arrecadado pelas casas de apostas, menos o valor pago aos apostadores e os impostos retidos nas premiações.
Ele representa, portanto, o faturamento bruto das empresas do segmento. Um site que antes faturasse R$ 100 milhões ao mês, agora terá de fato R$ 88 milhões para trabalhar. Porém, esse dinheiro todo não ficará para ele.
Biglia, que participa frequentemente de eventos nacionais e internacionais do setor, além de já haver analisado a fundo a realidade de ao menos dez empresas no país, lembrou que as “bets” possuem seus custos operacionais.
“Para uma empresa alcançar um GGR de R$ 100 milhões, ela precisa investir ao menos R$ 60 milhões”, ressaltou o especialista.
Esses custos incluem investimentos em marketing e publicidade, entre eles os patrocínios aos clubes de futebol.
Por conta do volume de dinheiro que movimentam, as “bets” optam pelo regime de Imposto de Renda baseado no lucro real, que exclui da soma a ser tributada os custos operacionais da companhia.
Dessa forma, as casas de apostas incluem em seus custos não apenas os gastos com a manutenção de suas plataformas, mas também o dinheiro investido em patrocínios a clubes e competições, além da contratação de influenciadores.
Elas ainda podem colocar nessa soma a dedução dos R$ 30 milhões, relativos à taxa de outorga para poderem atuar de maneira regulamentada no país. Como a autorização é válida por cinco anos, podem dividir por 60 meses o montante a ser deduzido em seus custos.
Portanto, o patrocínio aos clubes de futebol não gera encargos tributários às “bets” (e, de certa forma, evita que elas paguem mais impostos). As empresas serão cobrada pela Receita Federal, de fato, com base no dinheiro que sobrar para elas nessa operação.
Tomando-se por base o exemplo da casa que alcançou um GGR mensal de R$ 100 milhões, ela entregaria R$ 12 milhões no repasse às entidades do SNE e gastaria outros R$ 60 milhões para se manter funcionando e atraindo clientes, restando um resultado de R$ 28 milhões.
Será em cima desse valor que o governo efetuará a cobrança de Imposto de Renda, PIS, Cofins e CSLL, que consumirão em torno de 50% do montante, resultando em um lucro mensal de R$ 14 milhões, o que equivale a 14% do GGR.
“Aqui não estamos considerando outras taxas, nem mesmo eventuais financiamentos que algumas empresas contraíram para pagar a taxa de outorga. É importante lembrar que esse percentual diz respeito às empresas grandes. No caso das menores, que têm um GGR mensal entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões, a margem final ficaria na casa de 4% a 7%. Se considerarmos que a taxa Selic está em 13,5% ao ano, para muitos acionistas será mais vantajoso e muito menos arriscado comprar títulos da dívida pública do que seguir investindo dinheiro em casas de apostas”, ponderou Biglia.
Setor conseguirá se adaptar às mudanças?
O advogado avaliou que a nova realidade do mercado regulado poderá inviabilizar o funcionamento de muitas empresas de apostas no país, em médio e longo prazo. Nesse sentido, ele tende a não ser otimista quanto ao futuro dos megapatrocínios firmados pelas casas de apostas.
“Acredito que esse movimento não se sustenta”, enfatizou Biglia, que evitou cravar um prazo para que essa virada ocorra no mercado.
Hoje, a maioria dos grandes contratos em vigor na Série A está prevista para se encerrar no fim de 2026 ou no início de 2027. Pode ser que, até lá, o mercado já tenha se adaptado à regulamentação, encontrando novas formas de ampliar sua lucratividade.
Do contrário, o futebol brasileiro poderá entrar em uma era de vacas magras, ao menos “no tocante” aos patrocínios de apostas. O fato é que, pelo menos no momento atual, o setor não dá sinais de recuo.
“Por enquanto, podemos observar que muitas das grandes empresas não estão preocupadas em garantir um retorno imediato aos seus investidores. A estratégia aparenta ser a de investir pesado em marketing e publicidade para ampliar a base de clientes, mesmo que, às vezes, isso signifique operar no déficit. Hoje, elas têm condições de não priorizar o lucro, porque têm a gordura acumulada da operação passada para queimar. Chegará um momento, porém, em que essa reserva acabará e os acionistas irão cobrar o retorno sobre o investimento feito no negócio”, explicou o especialista.
Ele lembrou, porém, que existe uma possibilidade para que algumas casas de apostas continuem a despejar fartas quantias de dinheiro nos clubes brasileiros.
“Muitas das grandes empresas integram conglomerados internacionais. Com o dinheiro que elas faturam em mercados não regulados, elas poderão, em tese, seguir fazendo investimentos altos no Brasil”, afirmou.
Atualmente, segundo o advogado, Nigéria e México representam os principais alvos das grandes “bets” internacionais, por serem mercados não regulamentados e que contam com populações imensas.
“Uma casa de aposta regional, que possui licença para operar apenas no Brasil, não teria condições de utilizar dessa estratégia. Além da questão da outorga, seria necessário ter estrutura para operar em outros mercados, algo de que nem todas as empresas dispõem”, concluiu o especialista.