O futebol é um negócio que envolve cifras elevadas, isso ninguém nega. Mas há muito mais que dinheiro envolvido nessa equação, incluindo questões como identidade, pertencimento e até mesmo amor e ódio, que se manifestam, por vezes, de maneira exacerbada.
Nesse universo, a máxima segundo a qual “o inimigo mora ao lado” costuma ser mais do que válida. Os maiores rivais quase sempre estão na mesma cidade, podendo até ser vizinhos, como no clássico caso dos argentinos Racing e Independiente, cujos estádios ficam a algumas quadras de distância, na cidade de Avellaneda.
Sendo o futebol um negócio, depende de pessoas remuneradas para funcionar. E profissionais costumam trocar de emprego, em busca de melhores salários ou de novos desafios. Quando as mudanças envolvem times rivais, porém, quase sempre despertam polêmica, o que inclui a mágoa dos torcedores do antigo clube e a desconfiança (ao menos na fase inicial) dos adeptos do novo time.
A situação, que já tende a ser dramática nas transferências de jogadores e técnicos, torna-se ainda mais complexa quando a troca envolve pessoas em cargos de gestão.
Quem terá a oportunidade de experimentar esse turbilhão de emoções é o executivo britânico Vinai Venkatesham. Na última sexta-feira (11), ele foi anunciado como novo CEO do Tottenham, time do norte de Londres e que atualmente ocupa a 15ª posição na tabela da Premier League, com 37 pontos.
O currículo do executivo inclui a atuação nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, além do cargo de diretor na Associação Olímpica Britânica. No fim de 2024, foi nomeado cavaleiro da ordem do Império Britânico pelos serviços prestados ao esporte.
Muito contou para essa honraria o trabalho desenvolvido por Venkatesham no Arsenal, que também se situa no norte de Londres e está em segundo lugar na classificação da temporada atual da Premier League, com 63 pontos.
O novo CEO do Tottenham fez carreira no arquirrival dos Spurs, onde trabalhou durante 14 anos. Seu primeiro cargo no Arsenal foi o de chefe de parcerias globais, no departamento comercial da equipe. Em 2020, foi nomeado presidente-executivo.
Entre suas principais realizações no cargo estão recolocar o Arsenal na disputa por títulos (o time terminou em segundo lugar na última temporada da Premier League, vencida pelo Manchester City) e sanear as finanças.
“O clube experimentou um crescimento significativo nos últimos anos, tornando crucial expandir nossa gestão executiva”, disse Daniel Levy, presidente do Tottenham.
“Conheço Vinai há muitos anos, tendo trabalhado juntos na Premier League e na ECA [European Clubs Association, ou Associação dos Clubes Europeus]. Estou pessoalmente encantado por ele ter concordado em se juntar ao nosso conselho enquanto construímos para o sucesso”, acrescentou o mandatário.
Ao fim de 2023/2024, quando Venkatesham deixou o clube em busca de “outro desafio”, os Gunners registraram um faturamento recorde de £ 616,6 milhões (R$ 4,8 bilhões, pela cotação atual).
Já o Tottenham, além de não viver um bom momento dentro de campo, também vem amargando maus resultados em matéria de finanças. O clube registrou prejuízo pós-impostos de £ 26,2 milhões (R$ 202,4 milhões) em 2023/2024.
“Estou animado por me juntar ao Tottenham Hotspur neste verão. Depois de levar algum tempo para recarregar e avaliar minhas opções, acredito que esta é uma oportunidade excepcional de trabalhar com Daniel, a diretoria e toda a equipe, para levar o clube adiante”, afirmou o novo CEO.
Manchester
Embora despertem certa polêmica quando se concretizam, os casos de CEOs que vão atuar em clubes rivais não são tão incomuns no futebol.
Na Inglaterra, por exemplo, um caso recente foi o de Omar Berrada, atual homem forte da gestão de Jim Ratcliffe no Manchester United. O executivo marroquino iniciou sua carreira no setor de telecomunicações, até ser contratado como gerente de marketing do Barcelona, da Espanha.
Em 2011, ele decidiu se mudar para a Inglaterra, assumindo diversos cargos no Manchester City, que, nos anos seguintes, viria a se firmar como o clube mais vitorioso do país.
No ano passado, com a entrada de Ratcliffe como sócio responsável por gerir o Manchester United, Berrada foi convidado a assumir o cargo de CEO nos Red Devils.
Por ora, a passagem do executivo tem sido marcada por medidas polêmicas, incluindo a demissão de centenas de funcionários e cortes de gastos com refeições. O Manchester United ocupa o 14º lugar na temporada 2024/2025 da Premier League, com 38 pontos conquistados.
Brasil
O Brasil também possui alguns casos de gestores que tiveram a oportunidade de atuar em grandes rivais. Um dos exemplos mais antigos envolve Marco Aurélio Cunha, que participou ativamente da última fase gloriosa do São Paulo, quando o clube conquistou o tricampeonato da Copa Libertadores e do Mundial de Clubes.
Hoje, ele é muito lembrado por ser torcedor fervoroso do Tricolor (onde iniciou como estagiário, na década de 1970, permanecendo como médico até 1990) e pelas provocações públicas feitas a times adversários. Mas Cunha acumula ao menos duas experiências com arquirrivais do seu clube do coração.
A primeira delas foi em 1994, não propriamente em um time, mas sim na transnacional italiana Parmalat, que fazia fortes investimentos no futebol brasileiro, especialmente no Palmeiras, que disputava com o São Paulo a hegemonia no estado e no país. Cunha atuou como consultor médico e de gestão da empresa.
Mais tarde, foi contratado pelo Santos, participando da montagem do elenco que conquistou a Copa Conmebol de 1998, em uma época em que a equipe vivia um jejum de títulos.
Sua primeira participação como gestor propriamente dito no São Paulo veio a partir de 2002, comandando o departamento de futebol. Além dos títulos internacionais, Cunha participou das conquistas de três Brasileirões consecutivos pelo clube, entre 2006 e 2008.
Atual CEO da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Cruzeiro, Alexandre Mattos é outro executivo que acumula experiências nos arquirrivais da equipe celeste.
Seu primeiro trabalho como executivo no futebol foi no América-MG, a partir de 2005, quando esteve à frente do projeto que levou a equipe de volta à Série A do Brasileirão.
Em 2012, faria sua primeira passagem pela Raposa, em um trabalho que culminou com a conquista de dois Brasileirões, em 2013 e 2014.
Depois disso, após uma experiência vitoriosa no Palmeiras, que durou seis anos, Mattos assumiu como CEO do Atlético-MG, onde permaneceu de 2020 até 2021.
Em abril do ano passado, foi convidado pelo empresário Pedro Lourenço, mais conhecido como Pedrinho BH, para ocupar o cargo de CEO da SAF do time celeste.
Exemplos recentes
Um caso mais recente de executivo que atuou em dois arquirrivais é o de William Thomas, que, no ano passado, assumiu o comando do departamento de futebol do Coritiba.
Antes disso, entre 2013 e 2018, o profissional liderou a mesma área no Athletico-PR, em um projeto que resultou na conquista da primeira Copa Sul-Americana pelo clube.
Outro exemplo atual envolve os dois maiores clubes do Pará. Em julho de 2023, o Paysandu resolveu contratar o carioca André Barbosa Alves como CEO.
O executivo acumulava experiências na Confederação Brasileira de Basquete (CBB) e na área esportiva do Governo Federal. Sob o comando de Alves, o clube conquistou o acesso à Série B naquele ano.
Os bons resultados despertaram a atenção do Remo no fim do ano passado, após a equipe garantir seu retorno à segunda divisão nacional. Alves foi contratado como CEO e será o responsável por liderar a gestão do clube.
Em entrevista recente à Máquina do Esporte, ele afirmou que a meta é manter o Remo na Série B e investir na estrutura das categorias de base, de modo a impulsionar as receitas para a equipe.