Quando uma nova relação tem início, quase tudo são flores. Isso vale para um namoro, uma amizade ou mesmo um emprego. No caso das Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) no Brasil, as promessas de bilhões de reais em investimentos ajudaram a exacerbar o clima de lua de mel entre as torcidas, embaladas pelo mantra “Agora vai!”.
Cerca de um ano e meio depois de entrar em vigor, porém, o modelo começa a adentrar a fase das ilusões perdidas no que diz respeito a títulos, diante dos resultados insatisfatórios alcançados pelas equipes nos gramados.
Nesta semana, por exemplo, torcedores do Vasco realizaram um protesto diante da sede da 777 Partners, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. No último sábado (20), o time foi goleado por 4 a 2 pelo São Paulo e está na zona de rebaixamento da Série A do Brasileirão, com apenas seis pontos conquistados em sete partidas.
O Vasco acumula diversas decepções nos últimos meses, incluindo eliminações precoces no Campeonato Carioca e na Copa do Brasil, tendo sido o único time da Série A a obter essa “proeza” neste ano, ao tombar diante do ABC, nos pênaltis, ainda na segunda rodada da competição nacional.
Os protestos realizados na semana em que o Vasco entrou na zona de rebaixamento foram direcionados especialmente à 777 Partners, proprietária da SAF do clube. Pichações feitas no muro do Estádio de São Januário pediram a saída do fundo de investimentos. No protesto feito diante da sede do grupo econômico, faixas atacaram não apenas a comissão técnica como também executivos da investidora.
Investimentos milionários
Atualmente, a Série A do Brasileirão vive um momento inusitado. Ao mesmo tempo em que o topo da tabela é ocupado pela mais antiga das SAFs, o Botafogo, de John Textor, apenas um dos clubes no “Z4” não aderiu ao modelo, no caso, o Corinthians, 18º colocado, com cinco pontos conquistados.
No caso do lanterna Coritiba e do penúltimo colocado América-MG, porém, cabe a ressalva de que o primeiro acabou de encontrar um investidor, mas o acordo ainda está em fase de aprovação, ao passo que o segundo ainda não fechou com um grupo para assumir sua SAF.
Já o Vasco atravessa uma situação paradoxal. Um levantamento feito pela Máquina do Esporte em janeiro deste ano mostrou que, embalado pela chegada da 777 Partners e seu retorno à elite do Brasileirão, o time cruz-maltino foi o campeão de contratações no início da temporada, com R$ 86 milhões investidos em reforços.
Os mais caros deles foram o argentino Luca Orellano, contratado junto ao Vélez Sarsfield pelo equivalente a R$ 20,7 milhões; Lucas Piton, que estava no Corinthians e custou R$ 16,5 milhões (a serem pagos de forma parcelada); e Léo, que saiu do São Paulo por R$ 16 milhões.
Um fato curioso é que, nesta semana, Lucas Piton, que tem dupla nacionalidade, entrou na lista dos pré-convocados pelo técnico Roberto Mancini para a próxima Data Fifa da seleção da Itália, em junho.
Por enquanto, porém, os grandes investimentos têm se mostrado pouco efetivos para o futebol do clube em si. O Vasco pode até ter alguns atletas badalados, que poderão ser negociados por valores consideráveis em um futuro próximo, garantindo bom retorno aos investidores da SAF, mas títulos, em contrapartida, parecem ainda distantes no cenário atual.
Cruzeiro e Botafogo
Outros dois casos notáveis de SAF, Cruzeiro e Botafogo não conquistaram nenhum título de peso na primeira divisão. No caso do clube carioca, que está há mais tempo nesse modelo de gestão, a decisão de abrir os cofres para a contratação de jogadores acabou não se materializando em troféus.
O alvinegro terminou a Série A do Brasileirão de 2022 em 11º lugar, não conseguindo sequer obter uma vaga para a Copa Libertadores, mesmo depois de gastar R$ 65 milhões em reforços no início da temporada, liderando a lista dos que mais haviam investido em contratações. Neste ano, o Botafogo optou por uma estratégia mais comedida e vem fazendo uma boa campanha no Campeonato Brasileiro, apesar da decepção no Estadual, em que não conseguiu avançar à fase decisiva do torneio.
Em 2022, o Cruzeiro, que tem como principal investidor o ex-jogador Ronaldo Fenômeno, também colecionou maus resultados no Campeonato Mineiro e não conseguiu vencer na competição seus rivais América-MG e Atlético-MG (outro que virou SAF, mas ainda não fechou com nenhum investidor).
A atual quinta colocação na Série A do Brasileirão tem ajudado a aliviar o clima no clube, que, em março deste ano, havia passado de lua de mel a revolta explícita. A primeira crise com os gestores da SAF surgiu quando a equipe celeste resolveu alterar o design da mascote Raposão. O clube acabou sendo forçado a suspender a mudança e ainda anunciar a criação de um comitê para se reaproximar dos torcedores.
O Bahia, que também aderiu à SAF e já conta com um investidor, não vive o melhor dos momentos na Série A do Brasileirão, ocupando apenas a 13ª colocação, com um ponto a mais que o Vasco. Vale observar, porém, que o Grupo City assumiu o controle do futebol do clube apenas no começo deste mês e ainda não teve tempo de realizar investimentos pesados no time.