Maquinistas: Ticket Sports quer ajudar a profissionalizar mercado de endurance no Brasil

Daniel Krutman é CEO do Ticket Sports

Daniel Krutman, CEO do Ticket Sports, em entrevista ao Maquinistas - Reprodução / YouTube (@maquinadoesporte)

Um mercado imenso e que movimenta milhões de pessoas, mas ainda marcado pelo amadorismo. É neste cenário que o Ticket Sports tem trafegado nos últimos anos. Atualmente, a plataforma de venda de inscrições para eventos esportivos domina um terço desse segmento, reunindo em torno de 1,3 milhão de usuários.

Daniel Krutman, CEO da empresa, foi o entrevistado do Maquinistas nesta terça-feira (24) e comentou sobre a história da plataforma e os desafios que ela enfrenta em um mercado que se recupera dos impactos da pandemia de Covid-19.

“Na pandemia, mais ou menos 35% do mercado foi varrido, por razões óbvias. Foram 20 meses. Eu sei porque meu negócio foi para nada. Então eu contava os dias. Era daqueles que abriam o celular todo dia de manhã para ver se tinha vacina. Durante cinco meses, eu fiz isso. Depois, dei uma desencanada, falando: a gente já vai viver assim para sempre mesmo. Fecha a torneirinha, senta em cima do caixa, nada vai acontecer, vamos buscar outras fontes de receita. Tentamos umas ‘pivotadas’ do tipo ‘vamos fazer evento virtual’. Mas daí tinha uma barrigada ou outra, né?”, recordou-se.

O relaxamento das restrições sanitárias (impostas durante a fase mais crítica da Covid-19) ajudou a reativar o mercado, mas trazendo mudanças significativas no perfil dos usuários.

“A pandemia deu uma mudada na base. Muita gente saiu e muitas pessoas entraram. Gente que experimentou pela primeira vez, no momento em que não podia aglomerar. E agora entrou nesse universo, que é cheio de possibilidades. Você pode correr seus três quilômetros, um quilômetro ou até ser um ultramaratonista. Tem prova de 200 quilômetros, 250 quilômetros em fim de semana inteiro, por exemplo. E, lógico, triatlo, meio triatlo, provas de ciclismo de também centenas de quilômetros, mountain bike, travessias. Em São Paulo, a gente não tem muito essa cultura da natação, mas em outros lugares do Brasil existe muito”, disse.

Ajudar a profissionalizar esse segmento, de acordo com Krutman, é o grande desafio do Ticket Sports. O perfil médio das empresas e empreendedores que atuam na organização dos eventos dá uma ideia do cenário que a plataforma tecnológica tem adiante.

“A grande massa é formada por apaixonados. É o personal trainer, é o professor de educação física, é o empresário que se apaixonou pela corrida e resolveu virar empreendedor desse segmento. Acordou de manhã, levantou, pegou sua xícara de café, abriu a janela, olhou no horizonte e teve uma ideia genial: vou fazer uma corrida de rua. É assim em 90% dos casos. É lógico que existe um índice de mortalidade gigante dessas empresas”, explicou.

Ganhar dinheiro ainda é visto como tabu

Na visão de Krutman, alguns gargalos ajudam a perpetuar o amadorismo na organização de eventos no Brasil. A lista inclui amarras culturais e simbólicas.

“A gente ainda é amador. Aqui, o organizador querer ganhar dinheiro ainda é visto como tabu. Não pode ganhar dinheiro. É um tabu social”, disse Krutman.

Ele reconheceu que muitos organizadores de evento têm buscado meios de se profissionalizarem, mas esse caminho costuma ser espinhoso para a maioria.

“A pessoa não consegue se estruturar, não tem grana, não aprendeu conceitos básicos de gestão, do tipo gastar menos do que ganha”, explicou.

Segundo o executivo, o Ticket Sports mapeou cerca de 8 mil organizadores de eventos esportivos no Brasil. Anualmente, são realizadas 7,5 mil provas no país, com média de 140 por fim de semana. Ao mesmo tempo em que demonstram a força do segmento, os números também representam o tamanho da dor de cabeça que os empreendedores da área enfrentam.

“Captar grana de patrocínio é uma dureza. Captar grana de inscrição é uma dureza. Nossa briga é para que gire mais dinheiro dentro desse segmento. Para isso, será necessário que os organizadores se tornem melhores gestores e vendedores de patrocínio, que lidem melhor com o poder público. Que sejam encantadores, contadores de histórias boas, né? Que queiram ganhar dinheiro, que queiram viver disso, que não achem que isso é um business lateral da vida deles. Que chamem a ‘responsa'”, afirmou.

Ele comparou a realidade brasileira à da Austrália, país que tem pouco mais de 25 milhões de habitantes, o que representa cerca de um oitavo da população brasileira.

“No Brasil, as inscrições para eventos esportivos movimentam R$ 500 milhões por ano. Isso representa US$ 100 milhões. Enquanto isso, na Austrália, esse segmento gera US$ 1,2 bilhão anualmente”, revelou.  

Compartilhar aprendizado

De acordo com Krutman, mais do que funcionar como uma plataforma de venda de inscrições, o Ticket Sports tem o objetivo de compartilhar o conhecimento com o mercado.

“Somos obcecados por pesquisas. Fazemos o tempo todo e estamos sempre devolvendo para o mercado. Isso por dois motivos. Primeiro porque temos a missão ‘alfa’ de profissionalizar essa galera. Se qualquer organizador quiser me ligar e conversar sobre o negócio dele, estou aqui. E também porque gostamos de aprender. Quando você quer ser uma empresa que aprende, o grande ponto é produzir conteúdo. É o tópico principal. Todo mundo fala que quem aprende mais é o professor. Mas existe algo maior ainda. Se tenho informação, tenho poder e tenho uma vantagem sobre o mundo. Mas se guardo aquela informação, ela vai ficando velha. Se eu tenho informação e devolvo para o mundo, o que que acontece? Sou obrigado a ter uma nova informação. É um jeito de aprender. Porque nos forçamos a ter que saber algo novo amanhã. E com isso vai crescendo nossa curva de aprendizado”

Daniel Krutman, CEO do Ticket Sports

Mais do que ter os números, o fundamental é saber usá-los. O Ticket Sports está lançando uma pesquisa em parceria com a Netshoes. Primeiro levantamento feito pela empresa com o patrocínio de uma grande marca, o estudo ouviu cerca de 9 mil entrevistados.

“As pessoas me dizem: ‘Você adora número, né? Vejo suas apresentações, suas palestras, tem um monte de número’. Não, eu não gosto de número. Eu gosto das histórias que eles contam. Quero saber o que eles significam. E aí surgem dados incríveis numa pesquisa como essa, e você se apropria. Por exemplo, estou com uma descoberta nova, que repito aos quatro ventos: eventos são templos. O evento esportivo é uma experiência de pico de emoção e de conexão consigo mesmo, que transforma. O que é ir a um lugar específico, pronto para você, com as ferramentas para você performar? Um templo. Então, foi isso que saiu nessa pesquisa, em números. Pegamos e transformamos em uma narrativa que fica mais digerível”, salientou.

Krutman comentou ainda sobre os impactos que a inteligência artificial (IA) poderá trazer ao ramo de negócios em que atua.

“Toda e qualquer experiência de compra digital não mais será pautada no passo a passo para o usuário. Será uma conversa com um robô que irá se parecer com uma pessoa que vai vender como um vendedor de loja faz, só que digitalmente. O primeiro passo é a compra conversacional. O Ticket Sports em breve vai conversar com os atletas, para ajudar a decidir qual o próximo desafio na carreira desse atleta amador. Essa é uma aplicação prática da inteligência artificial, que muito provavelmente está no radar para os próximos dois anos”, avaliou.

Estratégia

O Ticket Sports é resultado da fusão de duas empresas dos primórdios da internet brasileira, Acessocor e Webrun, que se uniram em 2015, dando origem ao Ticket Agora. A denominação atual veio em 2021, depois de um longo debate sobre qual caminho a empresa deveria trilhar. À época da junção, a plataforma chegou a cogitar a possibilidade de adentrar o segmento de venda de ingressos.

A grande concorrência existente no setor fez a empresa optar por se manter especializada na venda de inscrições para eventos esportivos.

“Somos bons em esporte participativo. Então vamos assumir. E aí nos tornamos Ticket Sports, o que nos dá um impulso de crescimento interessante”, contou.  

Consolidada no Brasil, a empresa não tem planos de atuar como um ecossistema, ampliando a gama de produtos e serviços oferecidos no mercado. A ideia é se especializar ainda mais naquilo que ela já oferece.

“Sempre me dei bem na vida, enquanto homem de negócio, quando fui para a especialização. Acho que temos de resolver problemas de setores importantes da sociedade. Enquanto eu estiver no digital, resolvendo problemas desse nicho, desse público, desse setor, estarei feliz”, explicou Krutman, que enxerga o Ticket Sports como um fomentador, e não como um ecossistema propriamente dito.

Na visão dele, a estratégia da empresa a longo prazo estaria em expandir para outros países esse serviço especializado, que já foi testado e aprovado no Brasil.

“Em vez de abrir uma operação de cronometragem no Brasil, prefiro ir para a Argentina, Uruguai, Portugal, expandindo o serviço que já presto. Quem faz produto bom para cliente brasileiro, e atendemos mil clientes, consegue se dar bem lá fora. Já compramos alguns domínios, fomos para a Argentina, conversamos com o pessoal da Maratona [de Buenos Aires]. Existe um monte de barreira. Mas, enfim, nada concreto. Estou falando meio aqui por alto, sobre crescimento, sobre estratégia”, afirmou.

Assista à entrevista completa, publicada no canal da Máquina do Esporte no YouTube.

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