De um modo geral, torneios estudantis no Brasil costumam ser vistos como uma realidade muito distante do esporte profissional.
Enquanto nos Estados Unidos, por exemplo, as ligas universitárias são competições de alto rendimento, que atraem grandes audiências na TV e são responsáveis por lançar os novos talentos para os campeonatos profissionais, por aqui os eventos dessa natureza costumavam ficar circunscritos a nichos muito específicos e acabavam, muitas vezes, servindo de pretexto para que estudantes possam dar vazão a seus excessos etílicos.
Por mais reducionista (e, por que não dizer, preconceituosa) que essa imagem possa parecer, é fato que os torneios universitários no Brasil estão longe de ser um negócio propriamente dito. Ou melhor, estavam longe de ser. Prestes a alcançar sua décima edição, a Copa Inter Atléticas, realizada em Uberaba (MG), tem trabalhado para romper com essa lógica.
Os atletas ainda podem ser amadores, que não vislumbram uma carreira no esporte. Mas a organização buscou se profissionalizar, a ponto de fazer do torneio um dos principais eventos anuais da cidade mineira.
Um estudo recente realizado pelos organizadores mostra que a Copa Inter Atléticas injetou R$ 35 milhões na economia de Uberaba, incluindo gastos com alimentação, hospedagem e entretenimento, feitos pelos atletas e demais participantes do evento.
“A projeção é de que nosso evento aumenta em 14% a movimentação financeira na cidade”, afirma Felipe Reis Garcia, sócio-diretor da Copa Inter Atléticas.
Para a décima edição, que será realizada de 19 a 22 de junho, a expectativa é de que o torneio atraia 35 mil pessoas a Uberaba, incluindo cerca de 6 mil competidores ligados a 80 atléticas, de faculdades do Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná e São Paulo.
Parte desses visitantes são atraídos pela programação festiva, que, neste ano, contará com nomes como Pedro Sampaio, Gloria Groove, Matuê, Baco Exu do Blues, MC Livinho, Menos é Mais, Victor Lou, Cat Dealers, Blakes, Jiraya UAI, GBR, MC Tuto e MC Rick.
Busca por modelo sustentável
Apesar de as festas representarem um atrativo importante, a programação esportiva é o epicentro do evento, que busca construir um modelo sustentável para os torneios universitários – algo que, na visão de Garcia, não havia ainda no país.
“No modelo tradicional, as atléticas costumam se organizar em ligas, que, por sua vez, contratam empresas para promover os jogos. O problema é que muitas atléticas não têm dinheiro para custear essa estrutura. As dos cursos medicinas ainda conseguem sobreviver. Mas se pegar engenharia, por exemplo, que tinha torneios muito fortes, hoje isso praticamente acabou. Direito também reduziu demais”, analisa o diretor.

A Copa Inter Atlética optou por alterar esse modelo, criando um evento multidisciplinar, aberto a atléticas que possuam representatividade dentro de seus respectivos cursos.
Enquanto no modelo tradicional as entidades ficam com o custo de organizar o evento, na Inter Atléticas a estrutura já vem pronta e as organizações estudantis são remuneradas por ajudarem na venda de inscrições, convites para festas e pacotes promocionais. “Aqui as atléticas são de certa forma ‘sócias’ do evento”, explica Garcia.
O sistema acabou fazendo sucesso junto às atléticas. Em sua primeira edição, a Copa reuniu 2,8 mil participantes, de 16 organizações estudantis.
No segundo ano, já eram 32 atléticas. No quarto, o número saltou para 48, até alcançar 64 na última edição, com um público total de 29 mil pessoas. A expectativa, portanto, é de que a Copa Inter Atléticas deste ano tenha recorde de visitantes e inscritos.
Causas sociais e respeito à diversidade
Nos últimos anos, alguns torneios universitários no Brasil têm se tornado alvo de polêmica, por conta de episódios de racismo, misoginia, assédio, homofobia e outras formas de discurso de ódio, envolvendo participantes desses eventos.
Nesta semana, por exemplo, 12 alunos de medicina foram expulsos da Faculdade Santa Marcelina, de São Paulo (SP), após serem fotografados em uma competição universitária empunhando uma faixa com uma frase de apologia ao estupro.
A organização da Copa Inter Atlética está atenta ao problema e busca lidar com a situação de duas formas. Uma delas consiste na tolerância zero em relação aos casos que envolvam discriminação, assédio sexual, discurso de ódio ou preconceito.
“Essas situações são crimes e precisam ser punidas, não apenas na esfera esportiva, mas também pelas autoridades”, diz Garcia.
O evento conta com uma comissão formada por advogados, que analisam as denúncias. De acordo com o diretor, o regulamento prevê inclusive a expulsão de atletas ou participantes envolvidos nessas situações abusivas.
Além disso, as atléticas têm de realizar campanhas de conscientização, relacionadas ao gesto abusivo praticado por seus membros.
As campanhas educativas são outro parte importante do trabalho realizado pela Copa Inter Atlética para lidar com esse problema.
O evento conta com Espaço de Acolhimento que, no ano passado, realizou 177 atendimentos e distribuiu mais de 4 mil tatuagens com mensagens de respeito à comunidade LGBTQIAP+.
As ações socioambientais também têm sido uma preocupação dos organizadores. Em sua última edição, o evento registrou uma redução de 80% na geração de resíduos com o uso de copos reutilizáveis, além de ter destinado 13 toneladas de materiais recicláveis à cooperativa Cooperu, Uberaba.
A organização ainda investiu R$ 170 mil na melhorias de espaços públicos da cidade e doou mais R$ 5 mil em materiais esportivos à Apae local.
Além disso, o Desafio CIA, iniciativa de arrecadação coletiva promovida pelas atléticas participantes, já soma mais de 60 toneladas de alimentos, 87 mil peças de roupas, 14 mil livros, 1,6kg de ração, mais de 3,6 mil brinquedos, mais de 15 mil itens de higiene, 3,7 mil materiais de limpeza e um total de 8 toneladas de doações, destinadas a diferentes instituições e causas sociais.
Transmissão simultânea e patrocínios
A Copa Inter Atléticas tem atraído a atenção de diversas marcas, incluindo algumas globais. Entre seus patrocinadores estão a Uniube (instituição de ensino com sede em Uberaba e que conta com um câmpus em Uberlândia), a linha de bebidas Corote e a Red Bull.
Nos últimos tempos, os organizadores do evento têm investido em transmissão ao vivo, pelo YouTube. “No ano passado, conseguimos exibir, de maneira simultânea, disputas que eram realizadas em seis quadras. A final do futsal alcançou cerca de 4 mil espectadores. Também projetamos os jogos em um espaço específico, na área das festas”, conta Garcia.
Para a edição de 2025, a meta é transmitir 16 jogos ao vivo no YouTube, de maneira simultânea. “A ideia é que de quatro a seis deles tenham narração em tempo real”, explica o diretor. A iniciativa, segundo ele, é viabilizada por meio da parceria com uma rádio local.