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Esporte pós-pandemia movimenta somas recordes, turbinado pela alta demanda por eventos

Cenário é marcado por uma explosão nos valores de ingressos, direitos de transmissão e nas premiações a clubes e atletas

US Open pagará premiação recorde em 2025 - Reprodução / US Open

Nos últimos meses, tornaram-se recorrentes no noticiário esportivo manchetes envolvendo cifras recordes em contratos comerciais, acordos de mídia, transferências de jogadores ou mesmo nas premiações pagas a times e atletas.

Na semana passada, por exemplo, o US Open anunciou, para este ano, um reajuste de 20% em comparação aos prêmios distribuídos em 2024, que totalizaram US$ 75 milhões.

A edição de 2025 do Grand Slam de Nova York terá premiação total de US$ 90 milhões, a maior da história do tênis mundial.

O torneio de Wimbledon deste ano distribuiu £ 53,5 milhões aos competidores, um aumento de 7% em comparação à premiação do ano passado e que é considerado recorde para o Grand Slam de Londres.

Essa disparada nas premiações não fica restrita ao tênis e pode ser observada em outras modalidades, caso do futebol.

Um exemplo clássico é o da Copa do Mundo de Clubes 2025, promovida pela Federação Internacional de Futebol (Fifa) e que distribuiu US$ 1 bilhão aos times participantes.

Na Fórmula 1, o total de receitas pagas às equipes alcançou US$ 1,266 bilhão em 2024, um aumento de 4% em relação à temporada anterior. Desse montante, US$ 949,5 milhões (75%) foram destinados a premiações.

Por aqui, a tendência de alta nas premiações também pode ser observada, especialmente na Copa do Brasil.

O movimento ganhou força a partir de 2018, quando a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) resolveu promover um forte reajuste nas quantias pagas aos clubes. Para se ter uma ideia, o Cruzeiro, vencedor da edição de 2017, levou para casa R$ 11,68 milhões.

No ano seguinte, ao ser novamente campeão do torneio, o time celeste faturou mais de R$ 68 milhões.

Na Copa do Brasil 2025, a equipe campeã terá a chance de receber até R$ 101 milhões em premiação acumulada, aumento de 31% em relação a 2018.

Por que as premiações crescem tanto?

Na verdade, não são apenas as premiações que cresceram nos últimos anos, mas todas as movimentações financeiras no esporte, desde as aquisições de equipes e as transferências de atletas, até os patrocínios, os contratos comerciais, os acordos de mídia e os preços dos ingressos.

Essa tendência é impulsionada por alguns fatores, em especial a pandemia de Covid-19, que fechou estádios e paralisou competições.

Em um primeiro momento, esse fato abalou as finanças não apenas dos clubes e das ligas, mas todo o ecossistema do esporte. Os acordos de mídia, quando não sofreram congelamento, tiveram de ser reduzidos.

No Brasil, a Globo optou por abrir mão de uma série de direitos. Dessa forma, por exemplo, a Copa Libertadores acabou sendo transmitida pelo SBT, de 2020 a 2022.

O torneio continental retornou à “Vênus Platinada” justamente em 2023, período em que o mercado começava a experimentar os reflexos da retomada pós-pandemia.

O relatório Deloitte Football Money League 2025 mostra que, na temporada 2023/2024, os 30 clubes mais ricos do mundo geraram € 11,2 bilhões em receitas, um aumento de 6% em relação a 2022/2023.

O valor médio dos acordos de mídia subiu de € 203 milhões, em 2021/2022, para € 213 milhões, na última temporada.

Enquanto isso, as receitas comerciais médias saltaram de € 191 milhões para € 244 milhões no período. Já o faturamento com “matchday” passou de € 68 milhões, em 2021, para € 103 milhões, em 2023/2024.

No caso desse último item, o aumento nas receitas está relacionado tanto ao crescimento no público presente aos eventos quanto ao maior preço dos ingressos. A nova temporada da LaLiga, que começará na próxima sexta-feira (15), deverá ter um aumento médio de 9% nos valores dos carnês de entradas.

Os preços sobem em meio a uma forte procura por ingressos para eventos em diferentes modalidades. A Euro Feminina 2025, realizada na Suíça, estabeleceu recorde de público, com 657 mil torcedores presentes, superando a edição de 2022, ocorrida na Inglaterra, que atraiu 574.875 pessoas.

Já o US Open conseguiu, em 2024, ultrapassar pela primeira vez a marca de 1 milhão de espectadores em uma edição.

Não por acaso, em um texto publicado em seu site oficial, a organização do torneio norte-americano se refere aos ingressos para o evento como sendo “mercadoria quente”.

Acordos também batem recorde

Além da crescente demanda por eventos, o esporte se consolidou e avançou na condição de grande vitrine para as marcas.

Esse movimento foi favorecido pela forte audiência alcançada por diferentes competições ao redor do mundo.

Nos Estados Unidos, 93 das 100 maiores audiências da TV em 2023 foram registradas em transmissões de jogos da National Football League (NFL), que, por sinal, acaba de se tornar sócia do canal esportivo ESPN.

Isso faz com que os acordos de mídia fiquem cada vez mais valorizados. No ano passado, a venda de direitos de transmissão movimentou US$ 62,61 bilhões ao redor do mundo, segundo o estudo SportBusiness Global Media Report, feito pelo veículo especializado britânico SportBusiness.

A quantia, que foi impulsionada pelos Jogos Olímpicos de Paris e pela Euro, representa um aumento de 12% em relação aos US$ 55 milhões de 2023.

Com mais audiência e direitos de transmissão valorizados, as empresas de mídia também passam a cobrar mais das marcas, caso da Fox, que chegou a pedir US$ 8 milhões para veicular um anúncio de 30 segundos no intervalo do Super Bowl LIX, realizado em fevereiro deste ano.

Dez anunciantes se mostraram dispostos a arcar com esse custo, em troca de poderem aparecer para 137 milhões de pessoas, número registrado nos picos de audiência da transmissão feita pelo canal.

Mais investimentos

De um modo geral, o período atual também é marcado por maiores investimentos em esporte, vindos de diferentes frentes.

Essa tendência envolve desde grandes marcas fornecedoras de materiais esportivos, que estão dispostas a manter ou avançar em parcerias com ligas, times e atletas (como nos casos recentes da Nike, que renovou contratos com CBF e Corinthians no Brasil, ou de Adidas e Puma, que pagaram quantias recordes para prorrogarem acordos, respectivamente, com Manchester United e Manchester City), até setores que buscam no esporte meios de alcançarem novos consumidores, como as casas de apostas, que hoje dominam os patrocínios másteres nas Séries A e B do Brasileirão.

Em 2016, por exemplo, o Flamengo recebia R$ 25 milhões anuais do patrocínio máster da Caixa. Já neste ano, o clube ganha R$ 115 milhões da Pixbet.

Mas os investimentos não ficam restritos a patrocínios. Na verdade, o crescimento recente tem sido impulsionado pela decisão estratégica de países do Oriente Médio de adquirirem propriedades no esporte.

A família real do Catar é dona do PSG. Já o City Football Group (CFG), do emirado de Abu Dhabi, é proprietário de diversos clubes ao redor do mundo, entre eles o Bahia.

Mas nada se compara à “ofensiva” feita pela Arábia Saudita nesse campo. O Fundo Público de Investimento (PIF, na sigla em inglês) é o principal financiador da Saudi Pro League, que, a partir de 2023, passou a contratar alguns dos maiores jogadores de futebol do planeta, entre eles Cristiano Ronaldo.

O PIF também está por trás de iniciativas como a LIV Golf, que atraiu uma série de jogadores de golfe que antes atuavam pelo PGA Tour, além de ter pagado, neste ano, US$ 1 bilhão pela compra de 10% do DAZN.

Essa foi exatamente a quantia gasta pela plataforma de streaming na compra dos direitos exclusivos da Copa de Mundo de Clubes de 2025, valor que, por sua vez, custeou a premiação distribuída pela Fifa aos times participantes do torneio.

O retorno proporcionado por essa triangulação, em termos de audiência e parcerias comerciais, parece indicar que o modelo é bem-sucedido. Ao mesmo tempo, as demais ligas e competições esportivas atravessam um movimento de crescimento que dá a impressão de não ter fim.

O valor das franquias da National Basketball Association (NBA), que era inferior a US$ 300 milhões no início da década passada, hoje alcança somas bilionárias, como no caso do Los Angeles Lakers, vendido neste ano para o sócio minoritário Mark Walter, por US$ 10 bilhões.

Mas o naturalista e apresentador de documentários David Attenborough já alertava que “quem acredita em crescimento infinito em um planeta fisicamente finito, ou é louco, ou é economista”.

Se o fluxo de investimentos não dá sinais de que perderá fôlego a curto prazo, o mesmo não se pode dizer dos atletas, que fazem os eventos esportivos acontecerem.

A Copa do Mundo de Clubes, por exemplo, foi alvo de questionamentos (inclusive na esfera judicial) feitos pela Federação Internacional das Associações de Futebolistas Profissionais (Fifpro), que criticou o modo como a Fifa organiza o calendário do futebol internacional.

“Essa forma de organizar torneios, sem ouvir a federação que reúne as associações de jogadores do mundo todo, é unilateral, autoritária e baseada apenas na lógica da rentabilidade econômica, e não da sustentabilidade humana”, afirmou Sergio Marchi, presidente da entidade.