Os Jogos de Inverno de 2026, que terão como sedes as cidades italianas de Milão e Cortina d’Ampezzo, ganharão um toque genuinamente brasileiro.
Dominado pelo clima tropical, que proporciona calor intenso na maior parte do ano, o Brasil sempre teve pouca tradição em esportes de neve. Mas na próxima edição das Olímpiadas e das Paralimpíadas de Inverno, o país ocupará um papel de destaque nas competições.
Em parceria com a AWE Sports, a agência brasileira SP2 será responsável por realizar o “sport presentation” e as cerimônias de premiação em quatro dos cinco locais de competição dos dois eventos.
Apesar de os nomes oficiais dos eventos olímpico e paralímpico fazerem referência apenas a Milão e Cortina, haverá provas também em Valtellina, Val de Fiemme e Anterselva, sede do biatlo e único lugar onde a SP2 não irá atuar, já que os serviços serão executados por uma empresa local.
A participação da agência brasileira nos Jogos de Inverno de 2026 ocorrerá mediante uma joint venture com a italiana AWE Sports, que ficará responsável pelo conceito criativo do projeto.
“Eles irão cuidar desde a produção de conteúdos, a criação da biblioteca musical, separada por neve e gelo e de acordo com cada modalidade, as projeções em 3D e todo o ‘light design’ do projeto, trazendo toda a riqueza do minimalismo Italiano para os Jogos”, explica Marcella Tobelem, fundadora e CEO da SP2.
Ela é a produtora executiva do projeto. De acordo com a empresária, a SP2 ficará encarregada da operação durante os Jogos. “Estaremos à frente dos treinamentos, da realização dos workshops, da contratação de toda a equipe de entrega do ‘sport presentation’ e cerimônias de premiação, sendo 117 olímpicas e 79 paralímpicas, em quatro clusters diferentes e para 16 esportes de inverno”, afirma.
O que é ‘sport presentation’
“Sport presentation” é um conceito surgido nos Estados Unidos e muito presente nas ligas esportivas locais.
Conforme a própria Marcella já explicou em um texto publicado no LinkedIn, essa noção abrange tudo que envolve a experiência do espectador, como fornecimento de informações, protocolo e conteúdo de marca, além do apoio à própria competição.
O “sport presentation”, segundo ela, inicia-se quando os portões do estádio se abrem e prossegue até a saída do último espectador. “É algo que vai muito além do entretenimento”, salienta a empresária.
Esse conceito, de acordo com ela, ganhou força no Brasil a partir da última década, movimento que foi impulsionado pelos Jogos Olímpicos do Rio 2016 e também pela mudança de mentalidade da Federação Internacional de Futebol (Fifa) e das demais entidades que comandam o esporte mais popular no país.
“O futebol sempre foi mais resistente ao ‘sport presentation’, mas isso mudou. Hoje o mercado assimilou essa ideia. A Arena MRV, onde atuamos, por exemplo, foi toda construída visando proporcionar essa experiência ao torcedor”, diz Marcella.
A valorização do “sport presentation” não se restringe ao futebol, mas pode ser observada em outros grandes eventos esportivos realizados no Brasil, caso do Rio Open, competição da qual a SP2 é parceira desde a primeira edição, em 2014, e que foi concebida, segundo Marcella, para justamente oferecer experiências únicas ao público.
“O Rio Open foi um marco em nossa trajetória”, afirma a empresária. Mas até chegar ao maior torneio de tênis da América Latina e conseguir disputar e vencer a concorrência dos Jogos Olímpicos, a SP2 teve de enfrentar uma série de percalços.
Dor e luta
Desde criança, Marcella sempre foi apaixonada por esportes. Aos 4 anos de idade, começou na ginástica artística e também praticava vôlei.
O futebol era outra modalidade que a encantava. Graças ao talento com a bola nos pés, aos 24 anos ela conseguiu uma bolsa de estudos na Universidade do Havaí, nos Estados Unidos, e depois se transferiu para a Hawaii Pacific University (HPU), numa experiência que durou um ano.
Sua grande paixão, porém, era o futevôlei, que ela começou a jogar aos 12 anos de idade. Foi por meio desse esporte que Marcella viu despertar sua veia empreendedora.
“Como éramos crianças e adolescentes, não tínhamos muito espaço nos grandes torneios. Eu, por ser mulher, ainda conseguia participar dos mistos, mas eles não tinham esse espaço. Nessa fase, começamos a organizar os nossos próprios torneios. Lembro que eu tinha um fascínio pela organização, pela estética e precisão e pela experiência ao vivo do evento, o tal do ‘sport presentation’, sem saber sequer que isso existia”, recorda-se.

Alguns anos mais tarde, aos 25 anos, ela teria a chance de ingressar de vez nesse universo que tanto a fascinava.
Em 2007, ela foi convidada para liderar a produção dos Jogos Pan-Americanos e Parapan-Americanos do Rio de Janeiro. “Foi ali que o ‘sport presentation’ entrou em minha vida”, recorda-se.
A partir de então que, movida pelo desejo de empreender e pela convicção de que “o esporte não poderia mais existir sem essa camada de emoção, espetáculo e conexão com o público”, ela fundou a SP2.
A trajetória, porém, foi marcada por muita dor e luta. Marcella saiu do Pan de 2007 com a certeza de que o ‘sport presentation’ era o futuro do esporte brasileiro. Mas então veio o choque de realidade, em um mercado ainda dominado, muitas vezes, por uma visão amadora do negócio.
“Eu ia de porta em porta, oferecendo os serviços da empresa aos organizadores de grandes eventos. Mas nunca havia verba. Um alegava que o sobrinho era DJ. Outro fala que o amigo era locutor”, conta.
Outra dificuldade enfrentada pela SP2 era a necessidade de terceirizar serviços nas áreas técnica e de conteúdo, fato que acabava por encarecer os orçamentos. “A conta não fechava”, diz.
Em 2016, esse problema foi resolvido, com a criação do departamento de conteúdo da SP2, o que permitiu à empresa reduzir os custos dos serviços prestados, tornando os preços mais atrativos para os clientes.
Durante todo esse período de consolidação da empresa, Marcella precisou levar algo que ela chama de “vida dupla”, desdobrando-se entre a SP2 e trabalhos que ela prestava para outras companhias, em grandes eventos no Brasil e no exterior.
Foi dessa forma que ela conseguiu manter a SP2 em pé e adquirir os equipamentos para a área de conteúdo. Nesse meio tempo, a empresa teve a oportunidade de atuar em eventos como os Mundiais de Judô e de Nado Sincronizado, os Jogos Mundiais Militares Rio 2011 e o Pré-Olímpico de Vôlei Feminino, realizado em 2012, na cidade de São Carlos (SP).
Em breve, porém, uma grande transformação passaria a ocorrer no mercado esportivo brasileiro, permitindo à SP2 dar um grande salto.
Persistência foi recompensada
Marcella acredita que sua vivência no esporte ensinou-se a nunca desistir diante das dificuldades. Essa persistência acabaria sendo recompensada na última década, em meio a uma grande mudança de mentalidade ocorrida no mercado brasileiro.
Esse movimento teve relação direta com o fato de o país sediar dois grandes eventos internacionais, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos do Rio 2016.
Antes disso, porém, os organizadores das competições já estavam mais atentos à importância da experiência dos fãs e atletas.
“Um ano antes da Copa, tivemos um desafio que acabou virando um presente. No X Games Foz do Iguaçu 2013, descobrimos a sensação de fazer um evento em escala global, um divisor de águas para a realização de eventos ao vivo”, conta Marcella.
Embora a Copa de 2014 não tenha incorporado os conceitos do “sport presentation” nos jogos propriamente ditos, naquele ano a SP2 conseguiu fechar importantes parcerias no esporte.
Uma delas foi com o Rio Open, que estava em sua primeira edição. “O evento já nasceu com o viés para a experiência ao vivo e, há 11 edições, se consagra como um dos nossos maiores clientes e parceiros”, afirma.
Apesar de o “sport presentation” estar ausente dos estádios naquela Copa do Mundo, a SP2 teve a oportunidade de atuar em projetos relacionados à competição, como a Casa Fenomenal, da Nike, e o festival Football for Hope 2014, realizado pela Fifa no Rio de Janeiro.
A empresa ainda participou da inauguração do Allianz Parque, em São Paulo (SP), e atuou no projeto Estádio TV, da Globo, feito em parceria com Palmeiras, Vasco, Athletico-PR e Grêmio.
Em 2016, com os Jogos do Rio, a SP2 ficou encarregada do Boulevard Olímpico, na capital fluminense. “Foi um verdadeiro espetáculo esportivo e artístico, do qual tivemos o privilégio de participar, transmitindo para milhões de pessoas que passaram pela Praça Mauá, pela Praça XV e por Madureira” afirma.
Ao mesmo tempo, Marcella, enquanto pessoa física, prestou diversas consultorias para Rio 2016, incluindo a pré-produção das cerimônias de abertura e encerramento dos eventos olímpico e paralímpico.
Foi também produtora executiva do “Team Welcome Ceremonies Rio 2016”, projeto que recebia todas as delegações na Vila Olímpica.
Por essa razão, mesmo não fazendo o “sport presentation” dos Jogos em si, o evento é considerado como um trampolim na trajetória da SP2, já que viabilizou os investimentos nas áreas técnica e de conteúdo da agência.

“Foi nesse momento que a SP2 conseguiu, com uma entrega 360 graus, atrair clientes com soluções inovadoras que mudariam a trajetória dos eventos esportivos no Brasil e América do Sul”, diz Marcella.
Entre os trabalhos mais recentes realizados pela SP2, além dos já citados, estão NBA House, G League e Jogos Olímpicos da Juventude.
No futebol, a empresa está presente em competições nacionais e internacionais como Copa América, African Football League, Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, incluindo as duas últimas cerimônias de abertura das Copas Sul-Americana e Libertadores.
Toque brasileiro dos Jogos de Inverno
Desde os Jogos de Salt Lake City, realizados em 2002 nos Estados Unidos, os serviços de “sport presentation” e de cerimônia de premiação desses eventos têm ficado sob a responsabilidade de empresas sediadas em países com tradição nos esportes de neve e gelo.
“Romper essa lógica e abrir espaço para uma empresa brasileira foi uma verdadeira quebra de paradigma e uma conquista histórica para o nosso país”, avalia Marcella.
A AWE atua na área conceitual e do gerenciamento geral do projeto, enquanto a SP2 cuidará da parte operacional. A empresária afirma que, no fim das contas, o trabalho será “muito misturado”.
“Acreditamos que essa parceria, que mescla o conhecimento cultural e artístico dos italianos à capacidade brasileira de se adaptar em quaisquer situações, juntamente de nossa resiliência e especialização profunda em ‘sport presentation’ e ‘cerimônias de premiação’, mostrará ao mundo do que somos capazes. Nada será copiado dos Jogos anteriores. Iremos proporcionar entretenimento e conteúdo como nunca foi vistos antes”, afirma Marcella.