Nike luta para tentar superar turbulência global e continuar dominando setor de produtos esportivos

Nike Jam é um modelo de tênis criado para o breaking - Reprodução / Instagram (@nike)

Empresa responsável por revolucionar (sem exagero) o mercado global de produtos esportivos, a Nike atravessa um momento, por assim dizer, de ruptura. A gigante norte-americana, que, ao longo de sua existência, conseguiu sobrepujar a concorrência com um marketing ao mesmo tempo agressivo e criativo, tenta superar a turbulência global que ameaça suas finanças.

A situação da Nike é complexa. No início deste mês, a empresa adiou a reunião com seus acionistas, fato que ocasionou uma queda de 8% nas ações da companhia, diante das incertezas dos investidores em torno dos planos de recuperação da multinacional.

A Nike justificou que o adiamento foi necessário para dar tempo a seu novo CEO, Elliott Hill, de conectar-se aos funcionários e às equipes, além de avaliar estratégias atuais e as tendências de negócios e planos para o ano fiscal de 2026.

A turbulência que abala a empresa não é tão recente e atingiu seu ponto mais grave no início deste ano, quando teve de realizar cortes de US$ 2 bilhões (R$ 11,4 bilhões, pela cotação atual) em investimentos (que irão se fazer sentir ao longo de três anos) e ainda demitir 1.700 funcionários. Até 2023, a Nike chegou a contar com mais de 83 mil funcionários ao redor do mundo.

À época, os resultados ruins foram atribuídos sobretudo ao mau desempenho alcançado pela marca na China (que enfrentava uma crise imobiliária) e na União Europeia (por conta da recessão causada pela Guerra da Ucrânia, que afetou o fornecimento de gás e combustível aos países do bloco econômico).

As medidas de austeridade adotadas pelo então CEO John Donahoe não tiveram efeito imediato. Em junho, ao divulgar o balanço relativo ao terceiro trimestre do ano fiscal de 2025, a companhia anunciou uma redução de 0,5% em suas vendas globais.

A notícia provocou uma queda de 15% nas ações da Nike, ampliando as dúvidas dos investidores quanto aos rumos da companhia. Quando Donahoe foi contratado para o cargo, em 2020, a ideia era de que ele ajudasse a incrementar o desempenho da empresa no ambiente digital. Afinal, o executivo vinha de uma bem-sucedida experiência no eBay.

O momento em que o executivo assumiu o cargo coincidiu com a pandemia de Covid-19, que contribuiu para a explosão do e-commerce (isso porque a maioria dos estabelecimentos físicos permaneceu fechada). Naquele período, companhias que se estruturaram para atuar com desenvoltura na internet viram suas vendas e seu valor de mercado dispararem.

Mas as questões conjunturais (como as crises na China e na Europa) estão longe de ser o grande empecilho para a Nike retomar a trajetória de crescimento projetada para seus acionistas. Na verdade, a companhia enfrenta um problema que é estrutural e mais complexo de ser contornado.

Provando do próprio “veneno”

A crise recente enfrentada pela Nike tem a ver com o aumento da concorrência, que vem conseguindo conquistar fatias relevantes de um mercado que a empresa norte-americana soube dominar como ninguém.

A Nike, a bem da verdade, prova hoje do mesmo “veneno” que ela mesma impôs às concorrentes Adidas e Puma, há cerca de 40 anos. A história da empresa teve início em 1964, época em que o treinador esportivo William Jay Bowerman e o jornalista e advogado Philip Hampson Knight fundaram a Blue Ribbon Sports (algo como Fita Azul Esportes, em tradução livre), que revendia no mercado dos Estados Unidos produtos da japonesa Onitsuka Tiger (que, em 1977, daria origem à Asics).

Em 1971, a empresa adotou o nome de Nike, em alusão à deusa grega da vitória Nice (pronuncia-se Níkē). Naquele ano, desenvolveu um solado quadriculado, em forma de waffle, que garantia maior aderência nas corridas, sendo considerado revolucionário, à época.

No ano seguinte, a parceria com os japoneses chegou ao fim, e a Nike resolveu lançar sua própria linha de calçados, competindo em um mercado que era dominado pelas alemãs Adidas e Puma. A primeira possuía, por exemplo, parcerias com 85% dos jogadores da National Basketball Association (NBA), inclusive remunerando vários deles.

A Puma, por sua vez, exercia o predomínio no futebol. Entre seus garotos-propaganda ilustres estava ninguém menos que Pelé.

Na década seguinte, porém, a Nike conseguiria romper essa barreira e conquistar a liderança no mercado, graças a parcerias com grandes estrelas em ascensão, caso de Michael Jordan, que se tornou sócio da empresa na linha exclusiva de calçados Air Jordan.

Nos anos 1990, a empresa passou a investir pesado no futebol, com patrocínios à seleção brasileira, a clubes (o Barcelona é um de seus contratos mais longevos) e atletas (caso do atacante Ronaldo Fenômeno).

Com o passar das décadas, porém, a concorrência soube compreender esse mercado e encontrar meios de conquistar seu espaço. E foi assim que a Nike passou a ver suas vendas encolherem.

Participação da empresa está em queda

De acordo com a consultoria de análise de dados GlobalData, com sede no Reino Unido, a Nike vem perdendo participação nas vendas no segmento de calçados esportivos nos Estados Unidos, que representa seu principal mercado.

Em 2021, a companhia respondia por 35,4% das vendas do setor no país. No ano seguinte, o percentual caiu para 35,37%, até atingir 34,97%, em 2023.

A queda da participação da Nike no mercado está diretamente relacionada ao crescimento da Adidas, sua principal concorrente, que registrou um aumento de 7% nas receitas no terceiro trimestre do ano fiscal, que alcançaram € 6,4 bilhões (R$ 39,3 bilhões, pela cotação atual).

A margem bruta registrada pela empresa alemã aumentou em 2% no período analisado, para 51,3%, enquanto seu lucro operacional subiu de € 409 milhões para € 598 milhões, incluindo € 50 milhões provenientes da venda do estoque restante da Yeezy, linha de calçados encerrada após o rompimento com o rapper Kanye West.

Considerando-se todo o ano fiscal, o lucro esperado da Adidas ultrapassou € 1,2 bilhão (R$ 7,38 bilhões), ficando acima da previsão anterior, que era de € 1,09 bilhão (R$ 6,7 bilhões).

Mas a Adidas não representa a única dor de cabeça para a Nike. Empresas tradicionais, incluindo sua ex-parceira Asics e a New Balance, além de outras emergentes, como Hoka e On, também estão avançando no mercado esportivo.

De 2013 a 2020, essas companhias detinham, em média, 20% desse mercado global. Já em 2023, elas passaram a responder por 35% das vendas no mundo.

A resposta da Nike a esse cenário tem sido reduzir o portfólio, focando nos produtos considerados mais certeiros para o mercado. Além disso, a empresa aposta em Hill, que é um “prata da casa”, com 30 anos de serviços prestados à companhia, onde começou como estagiário.

Ele estava curtindo sua aposentadoria antes de tomar posse, no último dia 14 de outubro, mas aceitou encarar o desafio de tentar fazer a marca retomar o caminho de vitórias no segmento esportivo.

Enquanto na “era Donahoe” a palavra de ordem era inovação, o novo caminho traçado pela Nike parece ser o da simplicidade (que fez seus concorrentes conquistarem grandes fatias do mercado) e o de olhar para dentro, revendo aquilo que deu certo e que fez com que a empresa se tornasse líder em seu segmento. Resta saber se Hill terá energia e estratégias certeiras suficientes para ajudar a reerguer a gigante do esporte mundial.

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