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Apostas: Como projeto que restringe a publicidade poderá afetar o mercado

Texto ainda será analisado pela Câmara dos Deputados, mas deverá acarretar em mudanças profundas no funcionamento do setor

Influenciador Rico Melquiades prestou depoimento à CPI das "Bets" - Geraldo Magela / Agência Senado

A aprovação pelo Senado do Projeto de Lei 2.985, de 2023, que restringe a publicidade dos cassinos on-line e das casas de apostas esportivas, deve trazer grandes impactos ao mercado no Brasil.

O texto ainda precisa ser analisado pela Câmara dos Deputados e depois passar pela sanção presidencial, antes de virar lei.

Em todo caso, conforme já demonstrou a Máquina do Esporte, as chances dessa proposta passar são grandes, já que ela conta com o apoio de políticos de diferentes espectros ideológicos e não deverá encontrar resistência, ainda mais às vésperas das eleições gerais do ano que vem.

O argumento dos defensores das restrições à propaganda é de que elas ajudariam a prevenir e combater a dependência em jogos de azar, situação que hoje seria estimulada pela publicidade ostensiva feita pelas casas de apostas.

A Máquina do Esporte já trouxe também os argumentos das entidades que representam o setor. Elas alegam que, além de inócuas, as restrições acabariam por beneficiar as plataformas ilegais, que hoje operam à margem das regras do mercado regulado.

Embora o projeto ainda esteja em fase de discussão, os efeitos que ele poderá proporcionar tendem a ser imensos. Neste texto, apresentamos de forma resumida quais os principais impactos que a proposta pode trazer.

Influenciadores, celebridades e atletas

Entre as principais mudanças trazidas pelo Projeto de Lei 2.985, de 2023, está o veto à participação de influenciadores, celebridades, comunicadores, atletas da ativa, membros de comissões técnicas de times e autoridades na propaganda das casas de apostas.

Os influenciadores digitais, particularmente, estão entre os grandes responsáveis pela popularização dos sites de apostas e cassinos on-line.

O depoimento prestado por alguns deles (em especial Virginia Fonseca e Rico Melquiades) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das “Bets”, no Senado, serviu para agilizar a aprovação do texto, por conta da repercussão negativa gerada, inclusive entre públicos que estavam alheios às discussões sobre o tema “apostas”.

A exceção ficará por conta de ex-atletas, que poderão anunciar as casas de apostas e cassinos on-line, desde que estejam aposentados há pelo menos cinco anos.

Transmissões esportivas

O projeto aprovado pelo Senado proíbe a veiculação de publicidade de apostas durante as transmissões esportivas ao vivo.

O veto também abrange a divulgação de cotações dinâmicas e probabilidades atualizadas em tempo real, no decorrer da transmissão ao vivo. Esse tipo de veiculação só poderá ocorrer nas páginas ou aplicativos próprios das casas de apostas.

Hoje, a divulgação desse tipo de conteúdo é muito comum nas transmissões ao vivo de futebol feitas pelo YouTube.

Caso o texto vire lei, a publicidade de apostas envolvendo as transmissões ao vivo poderá ocorrer faltando 15 minutos para o início e passados 15 minutos do encerramento do evento esportivo.

As casas de apostas poderão exibir suas logomarcas nas chamadas destinadas a anunciar transmissões ao vivo de eventos esportivos, desde que isso ocorra das 21h às 6h. As peças não poderão trazer qualquer tipo de convite ou estímulo ao ato de apostar nem apresentar cotações, probabilidades ou bônus promocionais.

Publicidade geral

As casas de apostas poderão seguir anunciando nas TVs aberta e por assinatura, assim como no streaming, na internet e nas redes sociais, no período das 19h30 à 0h.

Nas redes sociais, a proposta determina que a publicidade deverá ser direcionada a usuários acima de 18 anos de idade.

No rádio, os períodos permitidos para a veiculação serão das 9h às 11h e das 17h às 19h30. Nos sites e aplicativos das casas de apostas, a propaganda não terá limite de horário.

A publicidade, porém, não poderá mostrar as apostas como socialmente atraentes e capazes de promover a ascensão pessoal, ou servir de alternativa de emprego e renda extra, ou mesmo como uma solução para problemas financeiros.

O uso de animações, desenhos e mascotes também será proibido. A medida deve impactar o mais popular e controverso dos jogos de cassino on-line, o Fortune Tiger, que ganhou no Brasil o apelido de Tigrinho, justamente por ser representado pela imagem de um felino antropomórfico, rechonchudo e simpático.

O uso de mensagens subliminares ou de caráter sexista, misógino ou discriminatório também é vetado pelo projeto.

O texto ainda prevê que as publicidades do setor deverão ser acompanhadas da frase de desestímulo: “Apostas causam dependência e prejuízos a você e à sua família”.

A proposta autoriza as casas de apostas a se valerem de benefícios de leis de incentivo fiscal para patrocínios a eventos esportivos ou culturais.

Como ficam os podcasts e demais programas?

Nos últimos tempos, as casas de apostas passaram a dominar a publicidade em podcasts e diversos outros programas, inclusive na TV aberta.

Pelo texto aprovado em plenário no Senado, esse tipo de patrocínio continuará sendo permitido, mas deverá se restringir à exibição da logomarca ou de algum outro elemento que identifique a casa de apostas.

O projeto proíbe a inserção de qualquer outra mensagem além daquelas “estritamente necessárias à identificação do patrocínio”.

Ou seja, um podcast poderá mostrar a logomarca de uma casa de apostas. Porém, seus apresentadores e convidados não poderão fazer comentários positivos sobre a marca durante o programa.

Clubes de futebol

A proposta aprovada pelo Senado proíbe a veiculação de publicidade de apostas em estádios, a menos nos casos em que a marca for patrocinadora do evento ou de alguma das equipes que estejam disputando a partida.

Outra exceção seria nos casos em que a plataforma fosse dona dos naming rights do local, situação que ocorre, por exemplo, na Arena das Dunas, em Natal (RN), e na Fonte Nova, em Salvador (BA), que tiveram seus nomes adquiridos pela Casa de Apostas.

Essa regra pode trazer problema para as duas empresas que exploram esse ativo comercial dos clubes nas Séries A e B do Campeonato Brasileiro.

A Brax Sports Assets, que possui os direitos de 19 times da primeira divisão e dos 20 clubes que disputam a Série B, possui contratos com diversas plataformas, como Betano, Superbet, Betnacional, 7k e BETesporte.

Mesmo atuando apenas nos jogos do Palmeiras como mandante, a Sports Hub sofreria um impacto considerável com a medida. Atualmente, a empresa tem contrato com Bet365 e Alfa.

No entanto, a patrocinadora do Palmeiras é a Sportingbet e a do Brasileirão é a Betano, e nem o Allianz Parque nem a Arena Barueri, estádio alternativo onde o Verdão manda alguns jogos, possuem contrato de naming rights com uma casa de apostas.

Ou seja, tecnicamente, se o projeto virar lei, a Sports Hub não poderia renovar contrato com suas duas atuais parceiras.

“As ‘bets’ têm um valor significativo na operação. No meu caso, de pelo menos 50%”, afirmou Sérgio Gomes, sócio-diretor da Sports Hub, à Máquina do Esporte.

A proposta gerou reação dos clubes, que emitiram uma nota criticando a proibição das propagandas de apostas em placas de publicidade estática ou eletrônica em estádios.

O patrocínio de camisas pelas plataformas do setor continuará a ser autorizado. Porém, ele não poderá ocorrer em uniformes das categorias de base. As marcas de apostas também não deverão ser usadas por atletas menores de 18 anos.