A ESPN e a NFL realizaram um dos maiores movimentos da história do mercado envolvendo empresas de TV e ligas esportivas com o anúncio da aquisição de canais digitais da liga de futebol americano em troca de uma participação de 10% na gigante de mídia esportiva.
Em troca da participação acionária na ESPN, o Grupo Disney adquiriu a NFL Network e alguns outros ativos de mídia controlados pela liga de futebol americano, incluindo o canal linear NFL RedZone e o NFL Fantasy.
Além da venda da NFL Network, a NFL e a ESPN também firmaram outro acordo, pelo qual a NFL licenciará para a ESPN outros conteúdos da liga e propriedades intelectuais para serem usadas pela NFL Network.
“Separadamente, a ESPN e a NFL chegaram a um acordo que inclui direitos expandidos de destaques da NFL em diversas plataformas de engajamento com os fãs e mais recursos interativos para a oferta DTC [direto ao consumidor] da ESPN e o ESPN App, incluindo apostas e fantasy [games]”, informou a Disney, em um comunicado oficial.
“A ESPN também ganhará a capacidade de vender e agrupar o NFL+ Premium, que inclui a NFL Network e a NFL RedZone, para seus assinantes da ESPN DTC, juntamente com direitos a jogos adicionais não exclusivos da pré-temporada da NFL para sua oferta DTC, ambos a partir da temporada de 2025”, acrescentou o conglomerado de mídia.
Além disso, a ESPN também assegurou os direitos do draft da NFL, podendo transmitir o evento de escolha anual de calouros da liga na ESPN, ABC, ESPN DTC, Hulu e Disney+.
NFL
Com a participação minoritária na ESPN, a NFL deixa de ser apenas uma fornecedora de conteúdo esportivo e passa a estar diretamente interessada no sucesso dos negócios do braço esportivo do Grupo Disney.
Haverá a criação de uma sinergia direta entre a geradora de conteúdo esportivo e a transmissora, com possibilidades de expansão dos negócios para ambas as empresas.
Essa colaboração também se dará no plano editorial e comercial. A NFL passa a ter um controle maior sobre como seus conteúdos são distribuídos, monetizados e integrados aos produtos digitais da ESPN, como no caso do NFL+ Premium.
Alguns braços comerciais da NFL também devem fundir suas operações com iniciativas similares já em curso no guarda-chuva da ESPN, como apostas e fantasy game.

ESPN
Por outro lado, esse vínculo econômico com a liga de futebol americano traz uma vantagem competitiva evidente à ESPN, que deve passar a ter a prioridade para a renovação de contratos de direitos de transmissão da NFL.
O sucesso comercial do campeonato passa a estar totalmente imbricado com a estratégia econômica do Grupo Disney.
Por conta disso, concorrentes, seja na TV linear ou em plataformas OTT (over-the-top, na sigla em inglês), passam a ter maior dificuldade para adquirir algum pacote de jogos.
Para quem anunciou o lançamento de sua plataforma DTC para o próximo dia 21 de agosto, a expansão da oferta de conteúdos da principal liga esportiva dos Estados Unidos se torna um grande trunfo. Os assinantes do novo serviço terão à disposição o NFL Network, o RedZone e jogos de pré-temporada.
Não bastasse isso, a ESPN poderá aproveitar a base de fãs da NFL, uma das mais fiéis e engajadas do esporte norte-americano, para monetizar novos formatos, oferecendo experiências interativas e conteúdos personalizados ao público.
Com o negócio fechado com a NFL, a ESPN também se consolida como o principal canal esportivo dos EUA, já que conta com acordos de direitos de transmissão com outras atrações esportivas importantes, como NBA, UFC e WWE, em um acordo recém-anunciado.
Bola de neve
A sociedade com a NFL também pode gerar novos negócios para a ESPN no futuro. Se o modelo adotado for bem-sucedido, lá na frente é possível que outras ligas, como NBA, MLB e NHL, também adquiram participações acionárias na gigante de mídia em troca de alguns de seus ativos digitais.
Esse tipo de acordo também pode criar uma barreira aos concorrentes, que passariam a ter dificuldade de negociar direitos de mídia também com essas outras ligas esportivas.
Em outro movimento, se a Disney decidir abrir o capital da ESPN, terá a participação acionária da NFL como fator de atração para potenciais investidores e valorização da empresa no mercado.
A associação com a NFL traz um ativo novo à ESPN, que se tornará um hub esportivo ainda mais significativo, com capilaridade desde canais internos de uma liga relevante, passando pela transmissão de jogos em suas diversas plataformas e negócios relacionados ao segmento, como apostas, fantasy games e canais digitais.
Há futuro?
Por outro lado, o ineditismo do acordo deve gerar uma investigação pela Divisão Antitruste do Departamento de Justiça dos EUA, órgão regulador do tema no país. Esse tipo de inquérito normalmente demora 12 meses até um veredicto.
Comumente, esse tipo de decisão não é necessariamente pela aprovação ou desaprovação do negócio. Há também um meio-termo em que o órgão regulatório pode estabelecer os chamados “remédios”, nos quais as empresas necessitam se desfazer de algum ativo importante como forma de assegurar um ambiente concorrencial mais seguro para o mercado.
Segundo Andre P. Barlow, sócio do escritório Doyle, Barlow & Mazard, esse tipo de negócio levanta preocupações sérias sobre monopólio.
“O acordo pode resultar em custos mais altos aos consumidores, já que o domínio da Disney na mídia esportiva pode limitar as opções e elevar os preços dos serviços de streaming ou do acesso aos jogos”, comentou Barlow, em entrevista à agência Reuters.
O Departamento de Justiça já analisa outro negócio relacionado à Disney. No início deste ano, a gigante de mídia havia adquirido o controle acionário do streaming esportivo Fubo. Em março, foram pedidas mais informações às empresas para verificar se haveria concentração no mercado local.

Senado
Em uma audiência do Comitê de Comércio do Senado dos EUA, em maio, a questão da migração dos conteúdos esportivos para plataformas de streaming já havia sido discutida, com críticas ao novo modelo.
“Em uma era de profunda divisão partidária, o esporte pode ser o unificador cultural mais poderoso que temos”, ressaltou o senador texano Ted Cruz, do Partido Republicano.
“Mas esses milhões de torcedores estão se perguntando uma coisa simples: ‘por que parece estar ficando cada vez mais difícil e caro simplesmente assistir ao jogo?'”, questionou.
A fragmentação dos conteúdos em diversas plataformas de streaming tem elevado os custos para o consumidor norte-americano acompanhar suas ligas favoritas. Ou seja, a decadência da TV a cabo não estaria necessariamente democratizando as transmissões esportivas.