Treze quilômetros separam o Estádio Conde Rodolfo Crespi, na Rua Javari, da Arena Corinthians, em Itaquera. A linha reta traçada na zona leste paulistana, porém, é curta demais para entender as enormes diferenças que o Juventus da Mooca mantém hoje do time de maior torcida na cidade. Os torcedores do “Moleque Travesso” ostentam o “ódio ao futebol moderno”, difícil de imaginar entre os painéis de LED que cercam as arquibancadas corintianas.
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Para vivenciar o abismo que separa a experiência de jogo das duas equipes, a Máquina do Esporte fez uma rodada dupla no último domingo. Pela manhã, desceu na Estação Bresser-Mooca e seguiu pelo tradicional bairro paulistano para acompanhar uma disputada partida entre Juventus e Rio Branco, finalizada de virada em 3 a 2 para o time da casa. O jogo foi válido pela Série A2 do Paulistão.
Mais de 3 mil pessoas lotaram a Rua Javari, estádio do Juventus
Caso alguém não conheça, vale a ressalva: o Juventus é a antítese do futebol moderno, mas é tradicional e seguido por um grupo fanático de torcedores. E assistir a um jogo da equipe em seu acanhado estádio tornou-se uma atração turística de São Paulo. Não por acaso, 3.007 pagantes lotaram o local. Em comparação, o Fluminense mandou jogo para 600 pessoas no Campeonato Carioca.
A partida rola pela manhã, em um escaldante sol de verão; o estádio não tem refletor, então nada de jogos à noite. A torcida, repleta de referências italianas, se protege do calor até mesmo sob as próprias faixas, mas nada que impeça a festa dos presentes.
No segundo tempo, para fugir do sol, a reportagem tentou um espaço nas cadeiras do estádio, mas se deparou com um empecilho: ao lado das cabines de imprensa, único local com espaço, os pontos cegos eram poderosos: metade do campo se tornou invisível. A cada ataque do Juventus, um pouco de contorcionismo era necessário.
Ainda assim, o modismo que envolve o Juventus fica evidente. A luta pelo cannoli, doce italiano vendido nos corredores do estádio, é um bom exemplo. A iguaria vence até mesmo o time. Se, antes, o consumo do doce era só no intervalo de jogo, agora a fila já se forma ainda no primeiro tempo. Enquanto a bola rolava em campo, os torcedores se engalfinhavam. A lógica era uma só: o jogo pode ser importante, mas o cannoli, vendido a R$ 4 a unidade, é obrigatório. E ele acaba. Rápido.
Além disso, algumas modernidades avançam à torcida que ostenta centenas de camisas com a inscrição “contra o futebol moderno”. Ingressos vendidos pela internet e uma loja oficial, com diversos produtos licenciados, destoam um tanto do discurso extraoficial.
Nada, por outro lado, que se compare ao que veria a seguir. Após uma macarronada na Mooca e algumas estações de metrô, o vidro curvo do setor oeste da Arena Corinthians aparece pela primeira vez no dia. O estádio de R$ 1 bilhão estava pronto para receber o Majestoso, um dos maiores clássicos do país, entre Corinthians e São Paulo.
Organizadas protestam durante clássico paulista em Itaquera
As mudanças entre o velho e o novo mundo do futebol aconteceram repentinamente no Brasil. A verdade é que a Rua Javari é menor, mas a experiência de jogo não é muito distinta do que acontecia no Pacaembu ou no velho Palestra Itália. Entre os grandes, a mudança era urgente. Hoje, assistir a um jogo em São Paulo, no Allianz Parque ou em Itaquera, é uma experiência absurdamente mais segura e confortável.A diferença nas estruturas é tamanha que existe a clara impressão de que se trata de um outro esporte, um outro tipo de espetáculo. É o muro de concreto pelas paredes de mármore. A barraquinha de cannoli pelas redes de fast-food. O placar manual pelos painéis de LED e os dois enormes telões. A pequena cobertura de telha pelos inúmeros camarotes. E, claro, uma arena que passa de 5 mil para 48 mil pessoas. Parece muito para estar separado por apenas uma divisão do Campeonato Paulista.
Mas há um alento, vindo em meio às torcidas organizadas. Essas que, por sinal, ficam em um local sem cadeiras; os assentos foram retirados a pedido desses grupos. As faixas contra os preços altos e os horários de jogos pouco convidativos mostram que, pelo menos no espírito do torcedor, ainda há muito em comum entre Juventus e Corinthians. Ou São Paulo. Ou Palmeiras…